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Experimento literário

Romance de estreia de Georges Perec é lançado no Brasil

Publicado em 1965, "As Coisas - Uma História dos Anos Sessenta" conserva sua atualidade

05/03/2012 - 06h10min

Atualizada em: 05/03/2012 - 06h10min


Escritor francês Georges Perec ficou célebre por exercícios literários

Para Georges Perec (1936 - 1982), considerado um dos mais importantes escritores franceses do pós-guerra, "é essencial que um escritor ganhe a vida fora da literatura".

Ele produziu e dirigiu filmes, foi poeta, dramaturgo, radialista e tradutor. Enumerador, classificador e catalogador obstinado, trabalhou como documentarista do setor de neurofisiologia do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França. Amava dicionários e matemática, criou muitas palavras cruzadas para as revistas Le Point e Telerama.

Dominava o vocabulário de todas as atividades e profissões, assim como da arte e estilos arquitetônicos. Parecia conhecer o nome de todas as ruas, endereços de cafés, restaurantes, lojas de departamentos, bares, museus e galerias de arte. Sabia as marcas de todos os sapatos, gravatas, camisas, cigarros e bebidas.

Em 1967, juntou-se ao grupo OuLiPo (Oficina de literatura potencial) criado por Raymond Queneau e François la Lionnais. Reunindo diversos artistas e escritores (Italo Calvino e Marcel Duchamp, por exemplo), o grupo propunha novas formas de escrever usando jogos de palavras, constrição de letras ou número de caracteres por linha, palíndromos e fórmulas matemáticas, obrigando o escritor a fazer malabarismos com o texto.

No seu livro O Desaparecimento, de 1969, Perec faz um desses exercícios de limitação, nunca utilizando a letra "e", uma das mais comuns no idioma francês. Cada trabalho seu tem uma fórmula ou um sistema diferente do outro. A Vida: Modo de Usar (1978) é considerado seu maior e mais engenhoso romance, ou, como ele preferia, romances.

As Coisas: Uma História dos Anos Sessenta, que está sendo lançado agora no Brasil pela Companhia das Letras, é seu livro de estreia. Publicado em 1965, é anterior ao OuLiPo, mas nele já se percebe a característica de Perec de fazer listas, classificar e organizar no espaço os objetos que descreve.

Sylvie e Jérôme, casal na faixa dos 20 anos, trabalham na iniciante e promissora indústria publicitária como analistas motivacionais, entrevistando pessoas para definir estratégias que serão usadas pelas agências de propaganda. Vivem em Paris no início dos 1960, a França colonialista está em crise, há guerra na Argélia, há guerra na Indochina e o gaulismo está ascendendo ao poder. Adoram cinema, fazem longos passeios por chiques avenidas de Paris, onde admiram as vitrines das lojas e antiquários, bebem com os amigos e comem pratos baratos em restaurantes caros.

Toda a sua alegria de viver repousa sobre um ideal de riqueza que parece ter sido adquirido na leitura atenta das matérias e anúncios da revista L'Express. Tudo o que pensam, todas as ações e decisões são tomadas em função do que deveriam possuir. Amavam mais o ter do que o ser.

O luxo que ambicionam, e sem o qual sua vida parece não fazer sentido, é apenas aquele que custa caro. Esse imenso desejo pela abundância paralisa as suas ações, não fazem nada para enriquecer, sonham com uma herança improvável ou dinheiro encontrado na rua. No entanto, a vida vai passando, enquanto suspiram pela fortuna dos outros. A vitrine que os separa dos seus desejos os separa também da capacidade de perceber sua realidade.

A história é narrada na terceira pessoa, não há diálogos ou qualquer reprodução direta da voz dos personagens. Desde o início, o texto deixa de fora o erotismo, o desejo sexual e a aparência do corpo, para substituí-los pela descrição pormenorizada, cinematográfica e objetiva das coisas: "Descobriram as lãs, as blusas de seda, as camisas de Doucet, as gravatas de voile, os lenços de seda, o tweed, o lambswool, o cashmere, a vicunha, o couro e o jérsei, o linho e, enfim, a magistral hierarquia dos sapatos, que leva dos Church aos Weston, dos Weston aos Bunting, e dos Bunting aos Lobb".

É só através de seu desejo por obtê-las que conhecemos os personagens.
A inquietante e assustadora semelhança com os dias atuais torna a leitura de As Coisas quase inevitável.


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