Situação crítica
Estado precário de ponte que liga o RS a SC coloca usuários em risco
Madeirame podre faz com que os carros dancem sobre os trilhos
O trajeto sobre a ponte rodoferroviária de Marcelino Ramos, no norte do Estado, desafia até os motoristas mais corajosos. Assoalhada com madeira para permitir a passagem de veículos, a ponte metálica de 500 metros que liga o Rio Grande do Sul a Santa Catarina sobre o Rio Uruguai está em situação crítica.
Enquanto as instituições e órgãos governamentais discutem de quem é a responsabilidade pelo conserto, os usuários temem uma tragédia no local. O Ministério Público Federal de Erechim investiga o caso.
O táxi de Nilso Elviro Hebert, 69 anos, faz o trajeto pelo menos cinco vezes por dia, entre Alto Bela Vista (SC) e Marcelino Ramos(RS). O motorista já perdeu a conta do número de acidentes que presenciou no local. Também passou da conta os gastos que teve com a manutenção do carro. O madeirame podre faz com que os carros dancem sobre os trilhos, fugindo das armadilhas feitas por pregos e dormentes que se soltam. No meio do caminho, o motorista precisa parar para mover tábuas e reforçar o trajeto com apoio para os pneus do carro.
Apesar da proibição, caminhões pesados passam diariamente pela ponte, aumentando os riscos de danificar a estrutura.
- Quando vi que não podia, já estava na ponte e não tinha como voltar. Mas nunca mais passo aí, ainda estou tremendo de susto, revela o caminhoneiro Marcelo da Silva.
Equilibrar os pneus sobre os trilhos é um desafio para a professora Jandira de Vargas, 60 anos, que mora em Capinzal (SC) e usa o trajeto para visitar os familiares em Erechim.
- Dá medo, evito olhar para fora do carro, porque me apavoro e não consigo ir adiante, conta.
Todos os dias, mais de 50 veículos passam pela ponte. Nos sábados e domingos o fluxo dobra quando os turistas vão da Serra gaúcha para passar o final de semana no Balneário de Águas Termais. O percurso é o favorito porque encurta em 50 quilômetros o trajeto e evita estradas de chão entre Maximiliano de Almeida e Marcelino (ERS-126).


No sábado o perigo é dobrado. O mesmo trajeto é usado pela Maria Fumaça, um trem histórico que faz o passeio turístico entre Marcelino Ramos e Piratuba. Nestas horas é comum ver motoristas surpreendidos pelo trem, já sobre a ponte.
- Quando ouvem o apito eles fogem de marcha ré, porque o trem não para, contra o vice-presidente da Associação Comercial e Industrial Flávio Wilde.
Wilde reclama do estado de conservação da ponte, que além de ponto turístico e cartão postal da cidade, é o acesso mais utilizado pelos turistas, mais de 100 mil por ano na cidade. Sem a ponte, o número de visitantes reduz.
Uma sinaleira colocada há mais de 10 anos no local e que regulava o trânsito para evitar estes encontros, estragou e nunca foi consertada.
Jogo de Empurra
Impedido por lei de consertar o trecho que é de propriedade da União, o prefeito de Marcelino Ramos Paulo Fernando Tápia (PT), luta contra a burocracia na tentativa de manter a ligação entre os dois estados.
Ele já precisou devolver verbas federais conseguidas para o conserto, porque não tinha autorização oficial da América Latina Logística (ALL) concessionária do trecho e do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (Dnit). Tápia passou a quinta-feira em Brasília, em audiência com a Agência Nacional de Transportes Terrestres, na tentativa de resolver a questão.
O jogo de empurra entre os órgãos que deveriam fazer o trabalho, fez com que o Ministério Público Federal instaurasse um inquérito civil para investigar o caso, ainda em 2008. Mas depois de três anos, é possível que a situação se resolva na justiça. A procuradora da República Andréia Rigoni Agostini está fazendo o relatório final do inquérito, e pode ingressar em maio com ação judicial para obrigar os responsáveis a realizarem o conserto da ponte, sob pena de interditar o trecho para o tráfego de veículos.
Cartão Postal
A ponte ferroviária de Marcelino Ramos foi construída sobre o rio Uruguai em 1910, ligando com a linha de trem, o sul ao centro do país. A ponte de madeira, provisória, foi levada por uma enchente seis meses depois. Em 1913 foi concluída a ponte definitiva, de estrutura metálica. Em 2000, com a construção da Usina Hidrelétrica Itá, e a formação do lago que elevou o nível das águas no local, a estrutura foi levantada por macacos hidráulicos, para impedir que ficasse submersa. Com a desativação das linhas de trem, o espaço entre os trilhos foi assoalhado com madeira, para permitir que os carros transitassem pelo local.
Contraponto:
O que diz o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (Dnit):
"A extinta RFFSA antes da privatização da malha, em apoio ao município, fez o assoalho de madeira para que a mesma pudesse ser utilizada por automóveis. Com a privatização, a ponte está sob a responsabilidade da concessionária que é quem tem de mantê-la, para seu próprio uso - isto da parte ferroviária. A parte rodoviária que foi um benefício concedido pela extinta RFFSA deve ser acompanhado pelo próprio município.
O DNIT não pode atuar na ponte por não se tratar de parte de uma rodovia federal. Nem na parte ferroviária, que é responsabilidade da concessionária. A prefeitura deve então pedir apoio da própria concessionária, ou fazer a manutenção da parte rodoviária da ponte com recursos próprios".
O que diz a América Latina Logística (ALL):
"A ponte ferroviária de Marcelino Ramos, que está sob concessão da ALL, situa-se em um trecho de baixa densidade de tráfego, por onde circulam apenas trens de serviço, que fazem a manutenção da via. A parte não utilizada da ponte foi cedida pela antiga RFFSA para o tráfego rodoviário, por meio de um protocolo de intenções, que liberava a circulação de veículos leves no local, o que não vinha sendo respeitado. Atendendo a um pedido da ANTT, Agência Nacional de Transportes Terrestres, órgão que regulamenta o setor, a ALL vai ingressar com uma ação para impedir a circulação de veículos até que os reparos necessários na ponte sejam realizados, bem como o município atenda a solicitação de restrição de veículos pesados, sob risco de danos à estrutura da ponte".