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Depois do susto

Conheça a vida de pessoas que escaparam por pouco da morte

Zero Hora conta histórias de quem sobreviveu ao que parecia ser o fim do trajeto

23/08/2012 - 05h33min

Atualizada em: 23/08/2012 - 05h33min


O aposentado José Fernando Pires, o seu Zé, 81 anos, escapou da morte ao ser submetido a uma traqueostomia de urgência, no salão de um restaurante, após se engasgar com um naco de filé.

No Rio, um operário atingido no crânio por um vergalhão de 2m que despencou de uma obra se salvou, provavelmente sem sequelas. Já o caminhoneiro Renato Varela de Oliveira, 43 anos, sobreviveu por cinco dias comendo apenas as laranjas da carga que transportava após ficar preso nas ferragens.

Como é a vida de pessoas que renasceram após sentir o bafo quente da morte? Continuam valorizando as pequenas realizações diárias ou transformam radicalmente as suas trajetórias?

Para encontrar essas respostas, Zero Hora entrevistou um músico (resgatado desfalecido das águas de Cidreira), um médico (vítima de um acidente aéreo), um publicitário (salvo quando uma caneta, no bolso esquerdo da camisa, absorveu o impacto de um projétil durante um assalto) e um bioquímico (único sobrevivente de uma tragédia que vitimou seis pessoas a bordo de uma van).

Todos submetidos a experiências limite, eles viveram para contar suas histórias.

Músico conquistou a independência

Com os lábios roxos e os olhos revirados, o músico Marcelo Nasareno Santos da Rosa estava desfalecido quando salva-vidas o retiraram do mar bravio de Cidreira, no Litoral Norte, em fevereiro de 2004.

- Lembro-me apenas de ver a luz do sol desaparecendo - recorda Rosa, hoje com 30 anos.

A situação era tão crítica que, em meio a uma das três paradas cardiorrespiratórias seguidas de massagens cardíacas, alguém telefonou para a sua mãe:

- O filho da senhora acaba de falecer.

Instantes depois, como num milagre da ressurreição, a retificação em nova chamada:

- O filho da senhora acaba de ser reanimado.

Três dias em coma, uma semana internado no Hospital de Pronto Socorro e dois meses de recuperação transformaram-se num divisor na vida de Marcelo. O namoro com a morte o fez revisitar o passado, repensar o futuro.

- Passei a valorizar a família e os amigos e decidi recuperar o tempo perdido - detalha.

A formação média, que o atormentava como uma ferida não cicatrizada, deixou de ser incompleta. Uma década após abandonar os estudos, voltou aos bancos escolares para concluir o Ensino Médio. Conquistou a independência, começou a compor músicas próprias, abriu uma empresa em parceria com a mulher e amealhou um pequeno patrimônio: uma casa confortável, onde mora com a mulher, um carro e uma moto "toda estilosa".

- Se não tivesse acontecido aquilo, talvez continuasse na mesma vidinha até hoje - aposta.

No ano passado, uma tristeza abalou a sequência de conquistas pós-afogamento.

- A gestação da Caroline foi interrompida no segundo mês. Queremos muito um filho - lamenta o jovem, que mantém no horizonte a esperança de um herdeiro.

Bioquímico repensou a vida


Luís Otávio perdeu colegas de trabalho num acidente na
rodovia Rio Grande-Pelotas, em março deste ano
Foto: Nauro Júnior

O bioquímico Luís Otavio Lobo Centeno, 35 anos, tem ótima memória, mas dos instantes que precederam a colisão frontal da van em que estava com um caminhão, na rodovia Rio Grande-Pelotas (BR-392), em março deste ano, lembra-se apenas da voz de um socorrista:

- Não se preocupe, ninguém morreu.

Era mentira. A inverdade, justificável sob qualquer aspecto, visava a ocultar a dimensão da tragédia. Naquele momento, perdia cinco colegas de trabalho no Hospital da Universidade Federal do Rio Grande. Uma sexta vítima, também de seu convívio, morreria horas mais tarde.

- Todo o dia 16 agradeço por estar vivo e lamento a perda dos meus colegas - confidencia.

Centeno é um caso clássico de alguém que "nasceu de novo", como o próprio define. Considerando o impacto da van com o caminhão que invadiu a pista contrária e levando-se em conta que ele estava no banco da frente, saiu praticamente ileso. Para ser preciso, fraturou a mão direita e sofreu arranhões no corpo. As feridas, que ainda não estão completamente curadas, são emocionais.

- Às vezes, volta à lembrança o momento em que liguei para a mulher do motorista (Roni Ilmar de Ávila Voltz) e ela me disse que todos estavam mortos - recorda.

Nos cinco meses que se passaram, Centeno permaneceu 112 dias afastado do trabalho. Abalado, preferia ônibus ao carro. Dirigia apenas na cidade, se fosse inevitável.

Com o acidente, o processo de transferência de Rio Grande para Pelotas, onde vive, foi agilizado. Hoje, trabalha na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e não precisa mais enfrentar o trânsito pesado todos os dias. Desde a tragédia, passou a repetir uma frase que resume o novo significado que conferiu a sua vida:

- Procuro valorizar o que tenho e não ficar correndo atrás do que não tenho.

Médico abandonou a aviação

Quantas pessoas você conhece que sobreviveram a um acidente aéreo? Quantos pilotos são capazes de pousar uma aeronave na copa de árvores, evitando danificar prédios e reduzindo riscos de explosão?

O médico João Aydes de Almeida encaixa-se nas duas categorias. Natural de Getúlio Vargas, o ginecologista, que desde a infância é apaixonado por aviação, voltava de Florianópolis para Canela, em abril de 2001, pilotando o seu monomotor PT-DFL, quando o mau tempo fechou o aeroporto no município serrano.

- Decidi pousar em Porto Alegre - recorda.

No caminho para a Capital, porém, uma tempestade o apanhou. Foram 15 minutos "lutando" contra o vento, até ser vencido pela intempérie e decidir pela manobra de emergência.

Como recomendado em situações análogas, o médico procurou árvores altas e frondosas, capazes de amortecer a queda no interior de Santa Maria do Herval.

- Foi tudo como o planejado - detalha João Aydes, na época piloto com 25 anos de experiência.

Com o acidente, fraturou a coluna cervical e, por sorte, não ficou paraplégico. O avião, utilizado para passeios com a família, ficou destruído. A iminência de uma tragédia abalou familiares e fez João Aydes abandonar a paixão pela aviação.

O vácuo deixado pela ausência dos voos foi ocupado pelas viagens familiares e pela dedicação a outra paixão: a medicina. Aproveitou para aprofundar seus conhecimentos sobre cirurgia por vídeo, que exige habilidade "tão singular quanto pilotar um avião". Para quem, como ele, escapou da morte, o médico de 75 anos recomenda:

- A gente deve viver mais intensamente a vida porque a morte é completamente inesperada.

Publicitário passou a valorizar a família

O publicitário Luciano Giovannini fala com frequência com o pai, José Giovannini, mas há duas datas em que o bancário aposentado jamais esquece de ligar para o filho.

- No meu aniversário e no dia 29 de julho - conta Luciano.

A segunda data é quando Luciano escapou da morte, nove anos atrás. A história vale ser recontada. Naquela noite, o publicitário aguardava pela mulher na Rua Felicíssimo de Azevedo, na zona norte de Porto Alegre, quando um homem, arma em punho, tentou abrir a porta do seu Kadett branco, ano 1998. Como o veículo estava trancado, o bandido atirou. O projétil rompeu o vidro, que continha uma película protetora, transfixou um casaco de lã e alojou-se numa caneta colocada no bolso esquerdo da camisa, na altura do coração. Comprada horas antes, a esferográfica que salvou a vida de Luciano havia custado R$ 9.

No Hospital de Pronto Socorro, um médico explicou:

- Não vamos nem suturar porque ficou só um arranhão.

Nove anos depois, Luciano conta que a história que foi notícia internacional mudou sua vida.

- Passei a valorizar mais meus amigos e minha família.

Por via das dúvidas, o publicitário anda sempre com uma caneta no bolso esquerdo.

Marcelo foi retirado do mar de Cidreira desfalecido em fevereiro de 2004, mas sobreviveu com a ajuda de salva-vidas

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