Inocência em perigo
Adoções suspeitas: gaúchos na rota
Uma série de adoções de crianças, suspeitas de irregularidades, no interior da Bahia, pode ter ligação com a Região Metropolitana de Porto Alegre
A Justiça baiana avalia a possibilidade de a prática (viabilizar adoções de um dia para o outro) ser um elo de uma rede de tráfico de menores. A principal investigada no caso é uma gaúcha que viveu em Gravataí. Ela nega qualquer envolvimento criminoso.
Há suspeita de que menores estejam sendo levadas do Rio Grande do Sul para o Nordeste, e também no caminho inverso, há uma década. As autoridades baianas não revelam, contudo, o número de crianças que podem ter sido levadas de suas famílias gaúchas.
Carmem Kieckhofer Topschall, 47 anos, e o marido, o alemão Bernard Michael Topschall, 55 anos, são o centro da investigação nos casos de Monte Santo.
Chega em um dia, leva no outro
Nascida em Porto Alegre e com raízes em Gravataí, Carmem é apontada pelo Judiciário como intermediária em todos os processos de entrega das crianças da cidade para casais de Campinas, interior de São Paulo.
- Vamos intensificar buscas a endereços e pessoas na Região Metropolitana de Porto Alegre. A investigação aponta que há contatos e uma suposta estrutura de fachada no Sul para sustentar uma rede com objetivos, a princípio, de facilitar adoções de crianças - aponta o juiz baiano.
A estratégia para "agilizar" as adoções na Bahia teria incluído ameaças a famílias pobres e promessas de que elas receberiam uma mesada por entregar suas crianças, conforme denunciou o Fantástico, da Rede Globo, há duas semanas. O caso ainda inclui possível facilitação por parte do então juiz de Monte Santo, Vitor Manoel Xavier Bizerra, já que os processos ocorridos nos últimos três anos teriam acontecido em tempo incomum. Casais interessados chegaram à cidade em um dia e levaram as crianças no outro. As famílias não teriam sido sequer ouvidas pela Justiça.
Sequestros são cogitados
A investigação em andamento há mais de dois meses já teria, ainda sob sigilo, relatos de sequestros nos casos em que famílias pobres se negaram a entregar os filhos. E o destino? O juiz não descarta ser o Exterior.
- Não me surpreenderá se for confirmada a presença de Gravataí em alguma rota criminosa de tráfico de crianças. Há alguns anos já mapeamos o município como alvo desse tipo de quadrilha e, agora, teremos atenção redobrada nas investigações - garante a ministra Maria do Rosário, que já solicitou à Polícia Federal para investigar conexões do grupo baiano.
Ministra fala em disfarce e tráfico
O mais preocupante nos casos apurados na Bahia, para a ministra, é a forma adotada pelo grupo suspeito. Disfarçando adoções legais, eles podem estar traficando crianças.
Gravataí no circuito
Monte Santo (BA) - A Justiça apura a retirada supostamente irregular de até dez crianças de suas famílias para adoção por famílias paulistas nesta região. As primeiras crianças teriam deixado a cidade há três anos. Outras quatro, de uma mesma família, há pouco mais de um ano. A gaúcha Carmem Topschall, 47 anos, é investigada como intermediadora das adoções. Ela teria agido junto com outra comerciante de Monte Santo, supostamente facilitando os contatos dos paulistas.
Pojuca (BA) - É a cidade onde Carmem vive há cerca de dois anos com o marido, o alemão Bernard Michael Topschall, e três filhos adotados. Fica a 77km da capital, Salvador. Eles teriam ido morar lá para manter um frigorífico, mas ela atuava como empresária em uma loja de aluguel de roupas de festas. Seu advogado alega que Carmem ia quase semanalmente a Monte Santo, de onde eram seus filhos adotivos.
Campinas (SP) - Os casais que adotaram crianças nos últimos anos em Monte Santo são do interior de São Paulo, a 96km da capital. Ao Fantástico, a advogada deles garante que não houve irregularidade. Sustentam que o contato com Carmem foi casual.
Gravataí - Carmem saiu deste município para o Nordeste há cerca de uma década, mas manteria até hoje vínculos com a cidade. A suspeita das autoridades baianas, e que agora será investigada pela Polícia Federal, é de que os contatos tenham relação com processos irregulares de adoção.
Ela está convocada a depor em Brasília
Carmem Kieckhofer Topschall está convocada para, na manhã de terça-feira próxima, prestar depoimento à CPI do Tráfico de Pessoas, na Câmara dos Deputados, em Brasília. De acordo com a assessoria da comissão, a presença dela é obrigatória. Até a tarde de sexta, no entanto, o advogado Maurício Vasconcelos garantiu que sua cliente não havia sido notificada.
Mulher agredeceu contato, mas...
Na sexta, a reportagem entrou em contato com Carmem. Limitou-se a dizer:
- Agradeço a vocês por me procurarem, por me darem a chance de falar. Mas quem fala sobre o assunto é meu advogado.
Desde a publicação da primeira reportagem sobre o caso no Fantástico, no dia 14, ela teria fechado a loja de aluguel de roupas de festa que mantinha no centro da cidade. De acordo com o advogado, temia represálias:
- Isso é uma loucura, o casal (Carmen e Bernard) não tem nenhuma relação com isso (adoções ilegais). Não estamos com medo.
Ao Fantástico, Carmem admitiu que conversou com os casais paulistas interessados nas adoções. O fato, segundo o advogado, pode ter sido mera coincidência. Segundo ele, Carmem teria "se afeiçoado" à cidade de Monte Santo e chegou a cogitar abrir uma ONG para ajudar em casos de adoções. Na segunda, o advogado pretende ir a Monte Santo para ter detalhes das investigações.
Estratégia atingiria até familiares
As relações de Carmem Kieckhofer Topschall com adoções suspeitas teriam começado em 2002, em Gravataí. E tendo a própria família como possível alvo. Na época, ela teria tentado a guarda de duas meninas de oito e dez anos, filhas de um parente dela. Ela não teve sucesso e o caso acabou se arrastando na Justiça da cidade até 2004, quando a mãe das gurias a processou por calúnia.
É que o argumento usado por Carmem para levá-las a Camaçari, interior da Bahia, onde estaria morando na época, era de que a mãe não tinha condições psicológicas e financeiras para criar as duas. Aqui, um detalhe intrigante: conforme os registros judiciais da Bahia, este foi o mesmo argumento usado por ela na ação na qual requereu a guarda das crianças que hoje vivem em Campinas.
Na ação judicial de dez anos atrás, Carmem admite a tentativa de adoção e justifica que as crianças queriam viver com ela.
Por ora, suas adoções não são questionadas
Naquela época, Carmem havia recém voltado da Alemanha, onde viveu por oito anos e casou-se com Bernard - ela tem cidadania alemã. Os dois planejaram ir para a Bahia onde abririam uma empresa no ramo de frigoríficos. Há mais de cinco anos, mesmo morando em Pojuca, ela teria percorrido 300km até Monte Santo para encontrar um menino que viria a adotar. Desde então, adotou mais duas meninas. De acordo com o juiz Luis Roberto, até o momento não lhe chegaram informações que indiquem irregularidades nas três adoções feitas por Carmem.
Outros casos com crianças
- Em 2007, uma investigação da 2ª DP de Gravataí recuperou, no interior de Minas Gerais, uma menina de 12 anos levada da família por um casal que prometia a carreira de modelo a ela e uma mesada à família. Dez dias depois, ela conseguiu fugir, acionando o Conselho Tutelar.
- O casal agia na Região Metropolitana e levava as meninas para São Paulo e Minas Gerais, de onde seguiam para uma outra etapa, com o objetivo de exploração sexual no Rio de Janeiro, na Bahia e em Pernambuco. Segundo a polícia, o bando também traficava bebês.
- A apuração chegou a levantar a hipótese de ser encontrada a menina Graziela de Souza Godoy Pereira, que tinha 11 anos em 2006, quando sumiu do Bairro Morada do Vale 2, em Gravataí. Até hoje a menina não foi encontrada.