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Governanta de Brizola conta suas histórias

Com um sorriso acolhedor, Cacilda Guedes de Andrades recepcionou velhas raposas políticas e líderes da esquerda em ascensão

05/01/2013 - 12h07min

Atualizada em: 05/01/2013 - 12h07min



Com Paulo César, filho de Neuzinha
Foto: Arquivo Pessoal


Cacilda anima a família com suas histórias
Foto: Arquivo Pessoal


Com João Otávio
Foto: Arquivo Pessoal


Cacilda durante o recadastramento eleitoral no Rio, observada pelo casal
Foto: Arquivo Pessoal

Ela foi testemunha de célebres encontros num amplo e famoso apartamento de Copacabana, no Rio de Janeiro. Encontros que poderiam ter mudado a história do Brasil. Homens de terno e gravata que depois se tornariam figuras marcantes.

Enquanto eles festejavam a anistia e discutiam a redemocratização, num ambiente regado a café e sonhos de mudança, ela esquentava água na cozinha de uma das residências mais movimentadas da Avenida Atlântica - quiçá do país - na década de 80.


Brizola com o deputado federal Miro Teixeira: pausa para o famoso café
Foto: Arquivo Pessoal


 

Cacilda, hoje com 89 anos, foi governanta de Leonel de Moura Brizola e Neusa Brizola  durante oito anos no Rio. Entre 1980 e 1988, esta simpática senhora de cabelos brancos serviu mais políticos, artistas, reis, príncipes e presidentes que o cerimonial do Itamaraty. Conheceu Lula antes da consagração e  madrugou para servir café a Oscar Niemeyer (1907- 2012) durante a conclusão do projeto do Sambódromo nas salas espaçosas do apartamento do casal.

- Foi muito gostoso para mim, até hoje não esqueço. Conheci tanta gente importante que  ia lá conversar com o doutor Brizola. Eu sempre os recebia na porta e depois servia o cafezinho - lembra a ex-governanta da família Brizola.

Vive em Taquara com a família

Cacilda mora há muitos anos com a família numa casa de madeira no tranquilo Bairro Jardim do Prado, em Taquara, município da encosta da Serra a 72km da Capital.


Último encontro, em abril de 2004
Foto: Arquivo Pessoal


A última vez que viu o antigo patrão foi no aniversário de 80 anos dela, dia 8 de abril de
2004. Ao levantar os olhos e avistar a velhinha que o aguardava na porta do carro, Brizola afirmou surpreso:

- Dona Cacilda, mas é a senhora. Olha, eu quero que tu volte pra lá!

Dois meses e treze dias depois, Brizola morreria aos 82 anos. Naquele 21 de junho de 2004, parte da história de dona Cacilda se foi também.

Mas na memória da exgovernanta, o único homem na história do Brasil eleito pelo povo para governar dois estados diferentes (Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, este por duas vezes) continua vivo em fotos, lembranças e histórias.

Presidente nacional do PDT e ex-ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, que conheceu Brizola nos anos 80, quando ainda era jornaleiro, lembra da gaúcha:

- Ela cuidava de tudo.

DA SERRA GAÚCHA PARA A ORLA CARIOCA

Tudo começou por acaso, após o retorno da família de Brizola do exílio, em setembro de 1979. Na época, o sobrinho de Cacilda, Manoel Castilhos, procurava uma fazenda em São  Francisco de Paula, a pedido do líder trabalhista, interessado em adquirir terras na Serra. Durante um churrasco de recepção ao casal, no CTG  Rodeio Serrano, em São Francisco, Neusa pediu a indicação de uma senhora de confiança para trabalhar como governanta da família no Rio. O sobrinho sugeriu a tia, que prontamente aceitou.

- Era uma grande oportunidade e a chance de andar de avião, que eu sempre sonhei - disse Cacilda.

Em março de 1980, o telefone do escritório de contabilidade de um irmão de Laura Fagundes Prestes, nora de Cacilda, em Taquara, tocou. Era Neusa Brizola, pedindo para falar com dona Cacilda que, na época, tinha 56 anos, era viúva e trabalhava numa  fábrica de calçados. Quando Décio, filho de Cacilda, atendeu, Neusa disse: pergunta qual o número do manequim dela, para mandar fazer a roupa, e quando ela pode vir?

A partir daí, teve início uma longa e bonita história de amizade, confiança e fidelidade. Anos depois, a família descobriu que a vida de Cacilda havia sido investigada meses antes de receber o convite e embarcar para o Rio de Janeiro.

Estrelas da política nacional...

De Ulisses Guimarães a Tancredo Neves e Lula, estrelas da vida política brasileira se reuniam nos salões de sofás e poltronas confortáveis. Antes de ser conhecido e se consagrado na presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva esteve algumas vezes no apartamento, mas não deixou boa impressão.

- Ele entrou e não me cumprimentou - recorda Cacilda.

...e chefes de Estado foram recebidos por ela

Trabalhista histórico e  presidente de honra da Internacional Socialista, Brizola vez por outra recebia no apartamento chefes de Estado, como François Mitterrand, da França, Fidel Castro, de Cuba, e Mário Soares, de Portugal. A presença de presidentes de nações na residência do casal também ficou gravada na memória da governanta. Anos depois, em casa, ao lado da família em Taquara, ela reconhecia uma autoridade sempre que esta aparecia na tevê.

- Ela dizia: aquele ali esteve lá em casa - diz a nora, Laura Fagundes.

A emoção de João Otávio

Único filho vivo de Leonel e Neusa Brizola, João Otávio, 60 anos, lembra de Cacilda no Rio:

- Temos o maior carinho por ela. Ajudou muito meu pai e minha mãe após o exílio. Mesmo com ajuda de uma cozinheira e de uma faxineira, Cacilda cozinhava, fazia as compras e zelava pela casa. Brizola trabalhava mais em casa do que no Palácio das Laranjeiras.

- Eu perguntava para o Doutor Brizola, porque ele não morava lá? Ele dizia: Dona Cacilda, aquilo lá acostuma mal e o governo termina.

Realeza também viu o café no bule

Era difícil guardar o nome de tanta gente, mas alguns dona Cacilda jamais esquecerá. O rei Juan Carlos e a rainha Sofia, da Espanha, e o príncipe Charles e a princesa Diana, da Inglaterra, provaram do famoso café, que também foi experimentado por um rei nacional: Pelé, o Atleta do Século.

- Ele me cumprimentou, mas a princípio não queria. Quando retornei com a bandeja para servi-los, Brizola disse: toma que esse da dona Cacilda tu vai gostar - lembra a octogenária, orgulhosa com o aval do patrão.

Quem foi?

Um dos políticos mais importantes e influentes da história do Brasil, Leonel Brizola herdou o legado do trabalhismo de dois expresidentes, Getúlio Vargas e de João Goulart (o Jango). Ex-governador do Rio Grande do Sul, onde iniciou a carreira política, e do Rio de Janeiro, onde fixou residência, Brizola nasceu em 1922, no povoado de Cruzinha, que pertencia a Passo Fundo (RS). Formouse em engenharia civil e foi deputado estadual. Casouse com Neuza Goulart, irmã de Jango. Em 1961, liderou a campanha da Legalidade, movimento que garantiu a posse de Jango na presidência após a renúncia de Jânio Quadros. Brizola foi candidato a presidência duas vezes e a vice, uma.


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