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Armadilhas que fiscais não veem

A situação das casas noturnas da Capital

O Diário Gaúcho visitou seis estabelecimentos e encontrou situações preocupantes

02/02/2013 - 12h06min

Atualizada em: 02/02/2013 - 12h06min


Uma casa noturna pode ter a situação regularizada junto à prefeitura, mas não oferecer segurança aos clientes. Projeto arquitetônico inadequado, falta de sinalização de emergência e barreiras físicas são armadilhas que podem ser fatais para a evacuação rápida da multidão, como ocorreu na boate Kiss, em Santa Maria. Na madrugada de quinta-feira, o Diário Gaúcho visitou seis estabelecimentos no Centro, Cidade Baixa, Santana e Cristo Redentor. Encontrou motivos que deveriam preocupar autoridades e o público que frequenta baladas.

"ESTÃO TODOS APAVORADOS"

Na Avenida Princesa Isabel, o taxista que transportava parte da equipe do Diário era o termômetro da noite de quarta, três dias após a tragédia de Santa Maria:

- Estão todos apavorados, desconfiados com o que podem encontrar nas festas. A noite  está muito devagar.

Ele acabara de sair com clientes de uma casa noturna no Bairro Menino Deus. Disseram como reagiram ao chegarem na festa.

- Entraram e já foram procurando onde tinha saída de emergência e extintores. Acho que essa tragédia vai fazer mudar muita coisa na nossa noite - disse o taxista.

Foi para mostrar como estão as casas noturnas da Capital, e onde podem estar possíveis armadilhas aos frequentadores em situações de pânico, que a reportagem do Diário Gaúcho percorreu boates à noite.

STUTTGART - Av. Princesa Isabel, 827, Bairro Santana

A noite de quarta tinha entrada liberada na Cervejaria Stuttgart. Passava da meia-noite quando a fila começou a se formar na calçada. Com duas das mais conhecidas bandas de  pagode da Capital, a Louca Sedução e a Pyração, essa é uma das noites mais tradicionais da casa.

Até as 2h, o público girava em torno de 200 pessoas sem aperto em uma casa noturna que parece ter passado por adaptações recentes. A adequação é notada na pista de dança,  dividida com cadeiras. O mobiliário é de metal, o que, em incêndio, não propagaria as chamas.

Saída de emergência é larga

O palco, naquela noite em formato de roda de samba, deixava bom espaço para a pista. Em shows maiores, outro palco é acionado e a pista fica ainda maior, o que aumenta a capacidade da casa e evita possíveis "atrolhos".

Os sinais luminosos se estendem por toda a área interna. Servem para indicar as saídas de emergência e evitar que o ambiente fique ainda mais escuro. Sem muito  esforço, é possível notar, ao lado dos dois bares, seis extintores de incêndio.

Além da porta da entrada, também há uma saída de emergência larga e uma porta corta-fogo na lateral da casa.

Problemas

- Um cartaz anunciasse na porta a obrigatoriedade de apresentar documento com foto, mas ninguém precisou.

- Dificuldade de evacuação da área vip, em dois mezaninos, durante uma confusão. Setor  tem cadeiras, divisórias de barreiras metálicas e pouco espaço para circulação. A única saída é por escadaria estreita e íngreme.

- Falta de sinalização luminosa indicativa da área de sanitários pode confundir clientes em caso de necessidade de  evacuação urgente. O corredor onde ficam os banheiros fica ao lado de uma das portas. O risco das pessoas se confundirem e acabarem presas no banheiro é grande.

- Divisórias decoradas e corrimões na entrada do prédio formam uma espécie de labirinto. Poderiam causar transtorno durante a desocupação do imóvel.

- Cortinas no palco podem ser fonte de propagação de chamas em caso de incêndio.

O que diz o dono

A reportagem tentou contato telefônico com o proprietário da casa, sem sucesso. O advogado Carlos Freitas diz que, desde 2010, o prédio passa por adaptações para  obtenção do alvará. Diz que há dois meses solicitaram uma nova vistoria ao município.

1, 2, FEIJÃO COM ARROZ - Av. Assis Brasil, 3941, C. Redentor

Por volta das 2h30min, o baile funk reúne mais de 200 pessoas no salão. A mobilidade é  quase impossível com este público. É um ambiente escuro, em que apenas um funcionário
de segurança foi visto. Nenhum documento é pedido na entrada. Não há controle do número de pessoas que ingressam.

Sinais luminosos são limitados a duas plaquinhas pequenas sobre as portas. A visualização desses sinais é dificultada pela falta de luminosidade. Nas quintas e sextas, um palco é montado para show de bandas.

Problemas

- Há cortina no fundo da casa. Numa evacuação rápida, a saída é só pela frente, e os frequentadores podem esbarrar em obstáculos.

- Além da ampla portaria principal, há uma segunda saída, de emergência, com portas largas, mas há um estreitamento no caminho. Na quarta, a porta era obstruída por dois engradados de cerveja.

- O acesso ao banheiro não é dos melhores. Em caso de pânico, as pessoas facilmente podem acabar sufocadas no pequeno ambiente.

- Havia apenas um extintor de incêndio visível, ao lado do bar.

- A divisória de vidro a entrada pode causar ferimentos se for derrubada.

O que diz o dono

Segundo o dono, Dalvan Alex Rosa, a casa tem alvará da prefeitura. Em setembro, foi  feita a última vistoria por bombeiros, que aprovaram a estrutura. A capacidade é para  500 pessoas.

Ele diz que há extintores na copa, cozinha e área de botijões de gás. O forro não é inflamável - de gesso, é revestido por lã de vidro.

A estrutura do palco, conforme ele, é de caixas de cerveja empilhadas. A porta de emergência segue a norma: 1,20m de largura. Ele não pretende retirar as divisórias de vidro perto da saída. "Ali é o fumódromo".

"INFERNINHOS ADAPTADOS"

Assustados com o incidente de Santa Maria, donos de casas noturnas no Centro fizeram reformas. Extintores de incêndio se tornaram comuns, às vezes até há excesso.

- Temos cinco, que é mais do que a lei exige - confirma o gerente do Sobradinho, Jorge Batista de Assis.

Novos avisos de saída também foram colocados nas boates. Mas presença de menores, pessoas fumando em ambientes fechados e ausência de notas fiscais ainda persistem.

Na Cidade Baixa, num dos pontos de maior movimentação, a casa noturna La Bodeguita funciona, aparentemente, com documentação irregular.

Mais do que não fiscalizar, a prefeitura deixa claro que sequer sabia que o estabelecimento estava em atividade.

ENCONTROS - Praça Pereira Parobé, 10 - Centro

O estabelecimento é pequeno e possui um mezanino. Os dois extintores encontrados pela reportagem ficam ao fundo do salão. Luzes indicam a direção da saída. O local possui duas portas de emergência, lado a lado, que pegam praticamente toda a fachada da casa.

Situação divulgada pela prefeitura: regular.


Casa Blanka - R. Mal Floriano Peixoto, 271 - Centro

A casa possui três extintores bem à vista, dois na lateral direita da entrada e um à esquerda. Além disso, duas caixas bem novas com mais extintores. Existem sinalizações luminosas no local. A porta (única) da saída tem cerca de 1,20m. Atende à lei, mas certamente iria gerar atropelos em caso de emergência.

Situação na prefeitura: regular.

SOBRADINHO - R. Mal Floriano Peixoto, 175 - Centro

A reportagem identificou três extintores na casa: atrás do balcão da copa, na parte dos fundos e próximo à entrada. O estabelecimento também possui sinalização luminosa de saída. Antes de chegar à porta de cerca de 1,60m de largura, é preciso passar por uma escada com cerca de 1,80m de largura.

O que diz o dono

Gerente da Sobradinho, Jorge Batista de Assis conta que ele e outro funcionário fizeram  curso com bombeiros sobre como agir em incêndios.

- Como o prédio é listado pelo patrimônio histórico, não posso abrir outras saídas, mas existe saída alternativa por baixo do telão, uma porta de 0,9m de altura por 1,20m de largura, aprovada pelo Corpo de Bombeiros. Nunca deixo vencer o alvará, sempre encaminho pedido de vistoria um mês antes - garante.

Jorge disse que "a orientação para os seguranças é não deixar entrar menores". Segundo ele, alguns vem com pai e mãe, mas só é permitida a entrada se o jovem for maior de 16 anos.

LA BODEGUITA - R. Gen. Lima e Silva, 426 - Cidade Baixa

A casa tem três salões embaixo e outro na parte de cima. Ao menos oito extintores ficam bem à vista, assim como placas indicativas de saída - a casa possui só uma, com cerca de 1,20m.

Na entrada, há um espaço com entulhos. Em caso de tumulto, pessoas poderiam se ferir. A entrada custa R$ 7. A reportagem pediu nota fiscal, a pessoa que atendia no balcão disse que havia esquecido o bloco e pediu para pegar no dia seguinte - a atitude é ilegal.

No site da Secretaria Estadual da Fazenda, a casa consta como fechada desde 18 de maio de 2011. No site da Receita Federal, porém, ela consta como ativa.

O que diz o dono

Derso Raphaelli Junior, dono da casa, se disse surpreso sobre o problema cadastral. Garantiu jamais ter fechado a empresa, que funciona no local dede 2002:

- Vou o mais rápido possível na prefeitura. Isso não existe. Tenho todos os documentos.

O alvará que ele apresenta é provisório. Ele comprometeu-se com a fiscalização a fazer
outra porta na entrada. O projeto foi aprovado com oito extintores e 12 sinalizações de saída.

- Pode contar, coloquei 17 extintores e 27 sinalizações - diz, mostrando cada um. Sobre a nota fiscal, ele mostrou talões e assegurou que não ter dado nota para a reportagem foi um lapso.

O que diz a prefeitura

1, 2, Feijão com Arroz - em situação regular. A Secretaria de Urbanismo (Smurb) informa que o estabelecimento não poderia funcionar à noite e não tem habite-se para casa noturna, e sim para restaurante, obtido em 2009.

Stuttgart - funciona com liminar concedida pela Justiça. Tem alvará da Smic. Segundo a Smurb, o habite-se é para atividade comercial, e não para casa noturna. Desde 2010 o processo de atualização do imóvel está parado.

Sobradinho, Encontros e Casa Blanka - alvará legal na prefeitura e demais órgãos.

La Bodeguita - A prefeitura sequer sabe que no local funciona uma casa noturna. Com isso, sequer fiscalizou.

Bombeiros se esquivam

A reportagem foi ao 1º Comando Regional de Bombeiros (CRB), na Capital. O comandante, tenente-coronel Adriano Krukoski, informou que não poderia fornecer a situação dos  Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PCCI) das casas. Pediu para que fosse  enviado e-mail com os nomes das casas e os endereços. Porém, o oficial não soube dizer quando enviaria as informações.

Em análise

Funcionam sob liminar as casas Café Moinhos, Stuttgart, Divina Comédia e Strike 410. O Opinião tem sentença da Justiça favorável em primeiro grau.

Como denunciar

O cidadão pode denunciar inconformidades com as normas de prevenção de incêndio ao Corpo de Bombeiros. As denúncias devem ser feitas presencialmente, para não congestionar a linha telefônica de emergência (193). Em Porto Alegre, o atendimento ocorre de segunda a sexta, das 13h às 18h, na sede do 1º CRB (Rua Aureliano Figueiredo Pinto, 345 - Praia de Belas).

*** PARTICIPARAM DESTA REPORTAGEM, COM FOTOS E TEXTOS CARLOS ISMAEL MOREIRA, EDUARDO RODRIGUES, EDUARDO TORRES, JOSÉ AUGUSTO BARROS E RENATO GAVA


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