25 anos depois
Como vive o primeiro bebê de laboratório do Rio Grande do Sul
Jovem que completa 25 anos domingo é o símbolo de uma conquista da medicina gaúcha

- Eu sou o primeiro bebê de proveta do Rio Grande do Sul.
É assim que Álvaro Luis Gonçalves Santos se apresenta em situações que considera convenientes. A frase abre portas, quebra gelos e já derreteu corações. O jovem que completa 25 anos no domingo o símbolo de uma conquista da medicina gaúcha.
O termo "proveta", Álvaro o adotou para simplificar. Ele foi concebido, em 1988, pelo método GIFT (Transferência Intratubária de Gametas, em português), ou seja, a fertilização dentro do corpo da mãe com a ajuda de especialistas em reprodução assistida. Já o bebê de proveta é aquele concebido em um tubo de ensaio. O GIFT já caiu em desuso, mas a técnica hoje obsoleta foi suficiente para superar a infertilidade e realizar o sonho do casal Iara e João Luis Santos, com 25 anos à época, de ter um filho.
Do pai, empresário, herdou a destreza com os números. Da mãe, que chegou a lançar um livro em 2008 (Flores de Papel), a paixão por poesias. Em 2008, Alvinho, como é chamado em casa, deixou Imbé, no Litoral Norte, para morar em Porto Alegre sozinho e cursar a Faculdade de Economia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Formou-se em 2012 e, há três anos, trabalha como analista de investimentos, na Capital. Nos primeiros dias na empresa, contou para um colega sobre o feito. O amigo duvidou, pediu o nome completo de Alvinho e encontrou reportagens na internet sobre o caso. Na hora, um e-mail foi disparado para toda a equipe. "Trabalha conosco um mito", descrevia a correspondência virtual irreverente.
O chefe considerou a história tão divertida que, em uma viagem dos colegas para a praia, passou a persegui-lo com uma filmadora. A ideia era montar um vídeo e inscrevê-lo no Big Brother Brasil 13. Alvinho o demoveu da ideia.
Assista ao vídeo com o depoimento de Alvinho e as cenas gravadas pelo chefe:
Nos tempos de estudante universitário, emendava festas. Perdeu as contas das oportunidades em que se aproveitou a condição científica para conquistar mulheres.
- Eu ia sempre às festas de Bixo da Medicina e da Biologia. Sabia que, por afinidade da profissão, elas teriam interesse em mim. Era uma cantada pronta. Para as que duvidavam, eu já deixava a matéria que fizeram quando eu completei 20 anos engatilhada no celular - revela, às gargalhadas.
Mas a folia terminou há sete meses, quando começou a namorar a dentista Nicolle Madruga Ramos Ferreira, 24 anos. Anda mais comportado e não descarta casamento. Com ela, só não usou a tática de despertar a curiosidade pela condição em que nasceu porque ela já conhecia a história por amigos. Desde que começou o relacionamento sério com Nicolle, trocou a foto do jornal da época do nascimento, que estampava o perfil nas redes sociais, pela imagem do casal.
Reconhecimento à luta dos pais
A inauguração da reprodução assistida nos pampas foi sempre motivo de orgulho. Em casa, a família guarda como relíquia o recipiente onde Alvinho foi "fabricado" e o tip-top usado na maternidade.
Nas atitudes do jovem bem-humorado e de um largo sorriso metálico (por conta do aparelho dentário), o exibicionismo passa longe de parecer petulância. Ele se emociona ao contar o porquê de tanto orgulho:
- Por causa da história do meu pai e da minha mãe, que foi tão bonita. Eles lutaram muito para eu nascer - diz.
Na altura do coração, carrega tatuado os dizeres: "Uma boa mãe vale mais que uma centena de professores. Obrigado, mãe", em italiano, feita para dar de presente a Iara no último Dia das Mães. Para João, no Dia dos Pais, fez o mesmo: "Pai, muito mais do que grandes amigos ".
Este ano, a festa de aniversário será em família. Na noite de hoje, reunirá os mais chegados em um bar da Cidade Baixa e, neste domingo, continuará os festejos. A leveza e o alto astral não devem faltar na celebração do economista de 1m68cm, que até no ambiente formal onde trabalha não perde uma piada, tampouco fica contrariado com provocações divertidas. Ao término da sessão de fotos para Zero Hora, quando surge a brincadeira de que a próxima reportagem dele será quando completar 30 anos, uma colega lança um chiste:
- Não pensa que ele vai estar diferente, nem mais alto. Esqueceram de colocar mais células do crescimento na fórmula dele.
A conquista de uma equipe
Quando o exame de gravidez de Iara Santos deu positivo, uma onda de comemoração se espalhou. A notícia emocionou o chefe da equipe responsável pelo nascimento, Álvaro Petracco, a médica Mariangela Badalotti, a mãe, o pai, dezenas de candidatos à técnica e toda a família.
Na época e durante parte da infância de Alvinho, foram muitos os comentários e perguntas embaraçosas.
- Uma vez, uma conhecida se aproximou no carrinho e disse "ele é igualzinho a todo mundo". Respondi: "Não, ele tem antenas, mas estão escondidas debaixo da toca". As pessoas olhavam na rua, não sei se elas esperavam um carimbo na testa - diz Iara.
Alvinho deu provas de uma sensibilidade incomum desde pequeno. Do nada, aos quatro anos, passou a mão na barriga de Iara e disse: "Tá grávida, mamãe".
- Eu dei risada. Era impossível, eu não poderia engravidar por causa da endometriose. Mas os enjoos começaram e fui ao médico. E não é que estava mesmo? Aí, pensei, "o gurizinho tem antenas mesmo, só não está aparente" - diverte-se a mãe.
De ciúmes, quando Gabriela nasceu, há 20 anos, o menino passou um mês grudado em Iara. Álvaro foi o nome escolhido para homenagear Petracco. Luis, o segundo nome, o pai.
- Parecia que o filho era nosso. O significado foi este, uma gratificação pessoal, orgulho da conquista científica - vibra Mariangela.
- E tu imaginas a expectativa da gente no parto. Não sabíamos o que poderia acontecer. Era tudo muito empírico, não havia caso concreto aqui perto de nós para compararmos. O Alvinho é o símbolo de uma nova era para os casais que sonhavam em ter filhos - completa Petracco.
Frutos do método GIFT, existem poucos agora. De 26 mil tentativas de fertilização, apenas sete utilizaram a técnica em toda a América Latina em 2011. Os casos foram no Chile e na Argentina.
O avanço da reprodução assistida
1978 - Na Inglaterra, nasce o primeiro bebê concebido fora do corpo. Louise Brown foi apelidada de "bebê milagre". Até alcançar o sucesso da experiência, os médicos haviam realizado cerca de 200 tentativas fracassadas de concepção em proveta.
1984 - Anna Paula Caldeira, o primeiro bebê fertilizado em laboratório do Brasil, nasce no Paraná.
1989 - Nasce, em 23 de fevereiro, o primeiro bebê de laboratório do Rio Grande do Sul. A técnica usada foi o método GIFT (Transferência Intratubária de Gametas, em português), que começou a ser utilizada em meados da década de 1980 nos Estados Unidos e acenava com maiores chances de sucesso.
1990 - Nascimento dos primeiros gêmeos concebidos por meio de fertilização in vitro do Estado.
1991- Pesquisadores da Bélgica desenvolvem a Injeção Intracitoplasmática de Espermatozoide (ICSI), permitindo que mesmo homens com poucos espermatozoides tenham filhos.
1991 - A fertilização in vitro começa a ter melhores respostas, e o método GIFT fica obsoleto. O avanço da tecnologia tornou a técnica mais precisa e menos invasiva.
2005 - Governo federal cria a Política Nacional de Atenção Integral à Reprodução Humana, passando a liberar verbas para hospitais conveniados realizarem gratuitamente à população a reprodução assistida. Hoje, estão disponíveis, no Estado, no Hospital das Clínicas de Porto Alegre e no Hospital Fêmina. Em geral, recebem pacientes com menos de 38 anos porque a demanda é grande e os resultados são piores depois desta idade. A fila de espera é de dois a quatro anos.
2007 - Começaram a surgir, em Porto Alegre, clínicas de baixo custo voltadas a pessoas com baixa renda. O valor médio do procedimento in vitro é de R$ 10 mil e a inseminação artificial, de R$ 2 mil, mas o custo pode cair à metade nestas clínicas.
TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA
Saiba quais são os métodos mais usados no Brasil
Inseminação artificial
O espermatozoide é preparado em laboratório e colocado, por dentro do útero, na entrada da trompa, onde ocorre a fertilização. A chance de gravidez, em média, é de 18%. A indicação é para mulheres com problema no colo do útero que impeça a subida do espermatozoide e para homens com menor produção de esperma, além de infertilidade sem causa aparente. A técnica é adotada em 20% dos casos.
Fertilização in vitro
- Convencional: um óvulo e mais de 100 mil espermatozoides vivos são colocados em placas de laboratório. O espermatozoide penetra sozinho no óvulo. A técnica adotada desde 1978 é indicada em casos de obstrução das trompas e homens com produção de espermatozoides moderada. A chance de sucesso é de 50% para mulheres com menos de 35 anos e de 20% acima dos 41 anos. Corresponde a 20% dos casos de reprodução assistida.
- Injeção Intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI): O esperma é introduzido no óvulo com uma micro agulha em laboratório. O procedimento, que começou a ser adotado em 1991, também é feito em uma placa de laboratório. A indicação é para quem tem baixa quantidade de espermatozoides ou para homens com vasectomia que não desejam revertê-la. Também é indicado para mulheres acima dos 40 anos, com endometriose grave ou quando o tamanho dos óvulos é menor do que o desejável. A chance de sucesso é de 60%.
Fonte: Mariangela Badalotti, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana
Como era o método GIFT?
- Bastante artesanal, a técnica necessitava de anestesia geral. Por meio de laparoscopia (visualização do interior do abdômen com o uso de um aparelho introduzido pela barriga), o médico aspirava o óvulo do ovário e avaliava em laboratório se ele era maduro (pronto para ser fertilizado). Ao mesmo tempo, era feita a separação dos espermas saudáveis do homem. Os óvulos e espermatozoides mais aptos para a fertilização eram colocados em um cateter e inseridos na trompa por um segundo orifício no abdome. A diferença é que a fecundação ocorria dentro do corpo da mulher. A prática levava cerca de duas horas.
- Os métodos atuais são menos invasivos. Hoje, a mulher recebe uma medicação para dormir e os óvulos são retirados pela via vaginal e sem dor, em cerca de 15 minutos. Eles se encontram com os espermatozoides em laboratório e formam o embrião (óvulo fecundado) fora do corpo da mulher. De dois a cinco dias depois, um ou mais embriões são colocados diretamente no útero em um procedimento que se assemelha a um exame ginecológico que dura mais cerca de 15 minutos.