Grêmio



Os vira-casacas

Conheça a história de torcedores que trocaram de lado na dupla Gre-Nal

15/02/2014 - 15h02min

Atualizada em: 15/02/2014 - 15h02min


Ricuerto Majolo e Rudinei Cima eram colorados e viraram gremistas

Três torcedores colorados do Vale Taquari profanaram a lei máxima do torcedor de Grêmio e Inter e em 1995 trocaram o vermelho pelo azul inconformados com a eliminação do time na Copa do Brasil em pleno Beira-Rio.

O sacrilégio no começo lhes rendeu glórias, amizades desfeitas, tratamento duro e ameaça de vida. No caminho contrário, duas gremistas arrebatadas pela Libertadores do Inter em 2006 se tornaram coloradas incondicionais, com vantagens: são campeãs do mundo e não sofrem o bullying da cobrança.

Se cometeram traição, não importa. Os vira-casacas encaram o assunto mais com leveza, menos com fanatismo.

Eles nunca foram campeões do mundo
O representante comercial Riquerto Majolo, 54 anos, morria de emoção nos três títulos brasileiros do Beira-Rio dos anos 1970, hoje conhece as cadeiras da Arena do Grêmio. O supervisor de vendas Rudinei Cima, 50 anos, acompanhava o Inter em excursões, hoje só assiste a jogos do tricolor na tv. O mecânico Hélio Hemsing, 60 anos, vestia a camisa 5 de Falcão como um troféu, hoje usa azul.

De início, o trio se viu compensado com a Libertadores, o Brasileirão de 1996 e a Copa do Brasil de 1997. Depois disso, o único título nacional foi a Copa do Brasil de 2001. A partir daí, além do degredo da Segunda Divisão em 2005, os vira-casacas vem sofrendo o escárnio dos colorados, que se cobriram de faixas até o título do Mundo.

Majolo reencontrou Rudinei no início de janeiro e comentou com uma decepção humorada:

- A gente mudou, Rudi, e nunca fomos campões do mundo. Que azar.

Na época de colorados, foi o Grêmio que venceu em Tóquio o Hamburgo em 1983; na época de gremistas, foi o Inter que liquidou o Barcelona no Japão, em 2006. Rudinei concordou com o amigo.

- Parece castigo - disse rindo.

As razões da mudança vinham num crescendo desde os anos 1980 e estouraram na noite de 25 de abril de 1995. Majolo e Rudinei eram funcionários de Nestor Muller, representante da Antarctica no Vale do Taquari e cônsul do Grêmio na região. Rodeado pela maioria gremista na empresa, os dois colorados enfrentavam calados as bravatas dos colegas campeões da Libertadores e do Mundo. Suportaram passíveis seis anos seguidos de títulos tricolor no Gauchão, até 1990, além da pioneira Copa do Brasil de 1989.

Houve uma desforra pela queda do Grêmio à Segundona em 1991 mais a Copa do Brasil do Inter em 1992, mas a eliminação prematura na Libertadores de 1993 fez reaparecer o estigma carimbado pelos gremistas: o Beira-Rio só vivia de Gauchão. De fato, o Inter festejou o estadual em 1994 e o Grêmio se recompôs e levantou o bi da Copa do Brasil com a tríade Fábio Koff, Luiz Felipe e Cacalo, que agora prometia a Libertadores em 1995.

E olha que o Inter venceu por 2 a 1 o Gre-Nal do dia 2 de abril no Beira-Rio, gols de Nando, Leandro Machado. Paulo Nunes descontou. O então zagueiro Argel declarou: "Fora de campo, eles eram favoritos; dentro, a superioridade foi nossa", parodiando Mauro Galvão que dissera em 1983: "Eles mandam só da fronteira para lá", referindo-se ao título mundial do rival.

Portanto, na terça-feira de 25 de abril uma eletricidade contagia o antigo bar da rodoviária de Estrela.

Um grande grupo de amigos ouve pela Rádio Gaúcha Inter e Paraná Clube disputado no Beira-Rio pelas oitavas da Copa do Brasil - o time havia perdido o primeiro encontro em Curitiba, por 1 a 0. Na mesma hora, o Grêmio encara o Olímpia no Defensores del Chaco pelas oitavas da Libertadores.

Com o ardil de cônsul do Interior, havia muito Muller tentava persuadir funcionários para seu rebanho. Ondulava da brincadeira repetitiva à insistência e jocosas sugestões de mudança de time.

Agora, no bar, o cônsul retoma uma aposta dos últimos dias: se o Inter for eliminado pelo Paraná dentro de casa, os colorados renunciam ao clube. Se passar, não serão mais incomodados. Em torno do rádio em alto volume, o acordo fica no ar. Mas está fechado.

Então o Inter de Cesar; Marcão, Argel, Ricardo e César Prates; Anderson, Élson, Caíco; Nando, Zé Alcino e Leandro sofre um gol de Oberdan aos 11 minutos de jogo e sofregamente corre atrás do empate, que não vem. Vaias no Beira-Rio, Rudinei e Majolo perdem a aposta.

Para completar, o Grêmio faz 3 a 0 no Olímpia, em Assunção. Gols de Dinho, Jardel e Paulo Nunes são festejados no bar pela plateia de ouvido na transmissão dupla da Gaúcha - aquela vitória fora era passagem virtual às quartas-de-final de mais uma Libertadores. É grande a pressão. Num rompante, Majolo desabafa aos gritos:

- Eu troco. A partir de agora sou gremista!

Rudinei não acredita naquilo, se vê sozinho. Logo acompanha o amigo:

- Cumpro a promessa. Sou gremista também.

No outro dia, o assunto estoura nas vizinhas Estrela e Lajeado, e o barbeiro Hermes Lizot, amigo próximo de Muller, corre para a máquina de escrever Olivetti e redige um bizarro documento de troca de paixão.

Dizia assim:

"Declaro por meio desta que, a partir desta data, eu, Rudinei Cima e Riquerto Majolo passamos a torcer pelo Grêmio Futebol Porto-Alegrense, abdicando de todas as glórias coloradas e queimando a bandeira do antigo clube. Elejo o Fórum de Estrela (RS) para dirimir quaisquer dúvidas existentes."

Majolo e Rudinei assinam na folha de ofício que fica em poder do barbeiro. Colorados incrédulos e gremistas vibrantes fazem peregrinação no salão de Estrela. Querem ver o documento, que jamais é apresentado no cartório.

Hermes avisa a Rádio Gaúcha, e o cronista Kenny Braga comenta no programa Sala de Redação: "Se trocam de time, o que podem ser?"

Dias depois Majolo recebe um telefonema perturbador.

- Te prepara, vamos te buscar.

O que era meio gracejo meio sério fica ameaçador. Mais: alguns amigos colorados não os cumprimentam, outros lhes impõem duras cobranças. Por onde andam a exposição é exagerada, de festa ou condenação, e a função perde a graça e Rudinei e Majolo evitam aparecer no estádio Florestal.

Ao longo de 19 anos depois, Majolo pouco apareceu no Olímpico e assistiu a um só jogo na Arena, Grêmio x Lajeadense. Por ironia, Rudinei acompanhou os colegas de trabalho quando o Grêmio disputava a Segundona em 2001. Depois, nunca mais entrou em um estádio.

- Mas somos gremistas de coração, não é Rudi? - diz Majolo, e ambos riem de tudo diante de uma reprodução gigante da página de Zero Hora da época da conversão.    
Sobre o documento bizarro, de tanta exibição, acabou extraviado.


Irmão de cônsul colorado muda de lado

O mecânico Hélio Hemsing vivia em Estrela com a 5 de Paulo Roberto Falcão. Sonhava com o autógrafo do ídolo na camiseta, embora nunca tivesse encarado o jogador no portão 8 do Beira-Rio. Estava lá quando o Inter fez 2 a 1 no Atlético-MG pela semifinal do Brasileirão de 1976, o da tabela de cabeça entre Falcão e Escurinho. Aí Falcão foi para a Roma em 1980, e parte da paixão de Hélio se esfarelou. Não se desfez da camiseta. Usou, gastou, desbotou e conservou até os anos 1990.

Especializado em caminhões truck, requisitado no Vale Taquari, ele não era dos mais fanáticos colorados entre os cinco irmãos. Sentia-se minoria entre Ito, Asta, Eleti e, principalmente, Ilvo, um fundamentalista cônsul do Inter em Teutônia e hoje representante regional do clube. Hélio, por exemplo, cometia a extrema infidelidade de torcer para o Lajeadense quando o Inter jogava no velho estádio Florestal.

- Sou sempre a favor do Lajeadense, não adianta - justifica-se, embora sejam de Arroio do Meio.

E como explicar isso em reunião de família em que o cônsul do Inter está na mesa com uma trupe de manos colorados? Aos poucos, isolou-se, pouco aparecia no estádio da cidade. E a febre do Grêmio de Luiz Felipe Scolari crescia. Era o bi da Copa do Brasil em 94, o título brasileiro de 95, tudo isso apimentado com o recente escândalo da desistência dos colorados na região. Então, após a Libertadores de 1995 silenciosamente Hélio passou a torcer pelo Grêmio no Mundial de Tóquio contra o Ajax.

- Torcia para um time gaúcho - explica-se.

Aquilo era sacrilégio demais para os vermelhos Hemsing, e a cobrança foi dura. Em desacato, Hélio usou azul desde então e provocou o desespero do mano cônsul colorado.

- Ele não sabia o que queria. E se não sabe o que quer é melhor que não seja dos nossos - diz Ilvo, com a autoridade de representante do Inter.

Ao que Hélio rebate:

- Sou apenas torcedor, não sou fanático: o Ilvo é capaz de dormir e sonhar com o Inter. Eu sei perder, os outros também querem ganhar - defende-se o gremista adotado.

Com a rusga, o mecânico não visita Ilvo, cuja casa em Teutônia é toda em vermelho. O símbolo do Inter é visível no fundo da piscina. E Ilvo jamais procura Hélio, que vive entre bandeiras tricolores. Encontro de família, só em local neutro.


Professora e colegial têm nova paixão

Se o cônsul do Inter em Teutônia viu o irmão cair nas garras do Grêmio, ele acabou, digamos, recuperando-se e conquistando duas gremistas. Pouco depois da euforia da Libertadores de 2006, Ilvo Hemsing tomou a palavra diante de uma plateia vermelha numa reunião dos consulados da região:

- Ela era torcedora deles, ela deixou essa humilhação de torcer para um time da Segunda Divisão, ele preferiu deixar o passado de lado. Ela agora vai vestir a camiseta do Inter. Eu chamo aqui a nova colorada Aline Grees.

E a professora de português, então com 22 anos, meio assustada diante do barulho, vestiu pela primeira vez a camiseta colorada, uma branca, ensurdecida com a peroração de outros cônsules e torcedores.

Na plateia, o marido Márcio Grasz assistia a tudo sem fazer um comentário. Gremista, ele estava ali calado, com um sorriso sem graça. Recém-casados, desde março de 2006, fazia questão de acompanhar a mulher que, a partir de então, não mais torceria com ele à frente da televisão.

O que levou Aline a deixar o passado tricolor dos pais Beno e Célia?

- Simples. Eu passei a prestar mais atenção no futebol e simpatizei com o jeito do Inter, do clube e do time - explicou ela, de uma forma um tanto subjetiva.

O fato é que episódio em que o Inter disputou o título do Brasileirão de 2005 até o final com o Corinthians e a conquista da América em 16 de agosto de 2006, reaviveu no Vale do Taquari o mosquito do vira-casacas. Antes mesmo do título mundial em Tóquio no final do ano.

A garota Larissa Locatelli se recusou a ser uma das raras gremistas da Segunda Série do Ensino Fundamental da escola pública Nicolau Mussnich, em Estrela. Ouvia muita brincadeira quando o seu time jogou a Segundona e resolveu, primeiro, renunciar ao Grêmio. Tinha oito anos. Mas naquele 16 de agosto, ao final do jogo no Beira-Rio, a torcida em festa na cidade, os fogos estourando na frente de casa, ela anunciou sua decisão à irmã Linara, 10 anos mais velha:

- Chega. Sou colorada e pronto!

Depois disso, Larissa passou a colecionar fotos com jogadores do Inter e, é claro, ganhou pontos nas turmas do colégio.


MAIS SOBRE

Últimas Notícias