Declaração polêmica
Em carta, antropólogos cobram prefeito de Caxias por chamar imigrantes negros de "bando"
Além de pedir explicações, Associação Brasileira de Antropologia pediu políticas específicas para haitianos e senegaleses na Serra
Entidade com atuação nacional em políticas públicas voltadas para a educação, os direitos humanos e a defesa de minorias étnicas, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) cobrou explicações do prefeito de Caxias do Sul, Alceu Barbosa Velho (PDT), em carta enviada ao Executivo na última quinta-feira. No documento, os antropólogos se dizem consternados e indignados com a declaração de Alceu, que chamou os imigrantes haitianos e senegaleses de "bando".
– Ninguém pode achar que o poder público pode tudo. Agora vem esse bando de imigrantes e a prefeitura tem de dar trabalho e comida para todo mundo? Não é assim – afirmou o prefeito ao Pioneiro no dia 4 de maio.
A manifestação ocorreu depois de o Pioneiro relatar ao pedetista casos de desemprego, exclusão e racismo – apresentados na série de reportagens Ilusões Perdidas –, e denúncias feitas por entidades ligadas às populações africanas e caribenhas à Comissão de Direitos Humanos do Senado. Dois dias depois, o Ministério Público Federal (MPF) abriu investigação para analisar um possível ato discriminatório do prefeito. Confira abaixo a íntegra da carta encaminhada pela Associação Brasileira de Antropologia:
Senhor Prefeito
Queremos registrar a nossa consternação e indignação às suas declarações em recente entrevista ao Pioneiro, jornal que vem publicando reportagens sobre os contingentes de imigrantes provenientes do Caribe e da África que nos últimos cinco anos se deslocaram para Caxias do Sul,em resposta à crescente demanda por mão de obra.
Intitulada Ilusões Perdidas,essa série retrata, com sensibilidade, os dramas e histórias de superação dessas mulheres e homens imigrantes, assim como a mobilização de suas lideranças por direitos básicos, num cenário marcado por crise econômica e política, perda de emprego, racismo e exclusão social. São estórias que trazem à tona a dignidade humana desses homens e mulheres que, em procura de uma vida melhor e que inclui a possibilidade de envio de remessas para os seus familiares, se fixaram nessa cidade historicamente formada por imigrantes e descendentes de imigrantes.
É notório que Caxias do Sul se tornou um importante polo industrial graças ao trabalho e empreendimentos de diferentes gerações de imigrantes. Causa, portanto, redobrada apreensão a sua caracterização preconceituosa sobre essas novas populações africanas e caribenhas da cidade como "um bando de imigrantes" para os quais a prefeitura teria que "dar trabalho e comida para todo o mundo".
Infelizmente, esse seu modo de perceber os imigrantes insere-se numa longa história de violência, xenofobia e discriminação. Basta lembrar que o período de colonização implicou, primeiro,na expulsão dos indígenas do local. Posteriormente, imigrantes europeus conseguiram arduamente, com seu trabalho, estabelecer uma prospera localidade para confrontar a "campanha de nacionalização" do governo Vargas baseada na assimilação forçada dos estrangeiros e, portanto, na repressão violenta de sua cultura, tradições e língua.
Imigrantes e descendentes de imigrantes, assim como toda a população local, têm deveres e, ao mesmo tempo, direitos básicos- ao trabalho, à educação, à saúde e à moradia, aparentemente omissos na sua gestão, conforme denúncias feitas à Comissão de Direitos Humanos. Diante desse cenário, apoiamos a iniciativa do Ministério Público Federal pedindo esclarecimentos pertinentes às suas declarações e políticas em relação a esses contingentes de imigrantes.
Atenciosamente,
Profª Drª Bela Feldman-Bianco, Comitê Migrações e Deslocamentos da Associação Brasileira de Antropologia (ABA)
Prof. Dr. Antonio Carlos de Souza Lima, presidente da Associação Brasileira de Antropologia