Um bairro com medo
Moradores do Rubem Berta sofrem com a violência
O Diário Gaúcho mostra a aflição de quem vive no bairro mais violento da Capital
Por que o Rubem Berta é a prioridade do governo em iniciativa emergencial no combate a homicídios? Os números ajudam: já são 24 mortes no ano, o que dá liderança disparada entre bairros da Região Metropolitana.
O que esta reportagem do Diário Gaúcho escancara é a aflição de quem vive lá e tem esperança de dias melhores com o reforço de 50 brigadianos, que já circulam na região desde sexta-feira. Uma mãe chega a dizer que cria seus filhos como presidiários, dentro de casas protegidas por grades e até câmeras de segurança.
"A gente tem de criar os filhos como presidiários"
O chimarrão do fim de tarde, com direito a cadeiras de praia na calçada e à cuia passando da mão de uma vizinha para a da outra, não é mais uma cena comum nas ruas do Bairro Rubem Berta, em Porto Alegre.
- A gente não tem mais a tranquilidade para conversar no portão como fazíamos anos atrás - contou a dona de casa Jaqueline Carneiro da Silva Bertagnolli, 40 anos.
Ela nasceu na Nova Gleba, uma das 23 comunidades do Rubem Berta, o bairro campeão em homicídios na Capital e prioridade da ação do Estado para frear a onda de mortes na Região Metropolitana. Até a tarde de sexta-feira, o bairro registrava 24 homicídios no ano.
Restrições para brincar
- Eu não troco (o bairro) por nenhum outro. Só que a gente tem de viver e criar nossos filhos como presidiários, atrás de grades. Se um filho quer brincar com um amiguinho, tem de ser dentro do pátio - desabafa Jaqueline.
No início do ano, ela teve qe socorrer o filho de 17 anos, assaltado perto de casa às 20h.
Vizinha chega comentando
- Brigadiano é coisa que não tem por aqui - disse a vizinha Glória Andrade, 56 anos, que há 35 anos reside no bairro.
Do pátio, ela conta o caso de um garoto da vizinhança que foi assaltado na saída do colégio. Ela assistiu à cena, registrada por uma câmera de segurança que instalou há três anos. E graças ao equipamento Glória se sente mais tranquila quando a filha chega de noite em casa.
- Ontem (quinta-feira), bem na hora da novela, entraram na casa de uma vizinha aqui da outra quadra. Entraram na cozinha dela e levaram os botijões - contou Glória, lembrando que bandidos já levaram quatro botijões da mesma vizinha.
Segundo a polícia, roubos deste tipo são típicos de viciados, que trocam objetos por droga.
O temor de andar nas ruas
Duas vizinhas conversando entre grades, vigiadas por câmeras, parece ter se tornado cotidiano no Rubem Berta.
Na outra ponta do bairro, no Jardim Leopoldina, a auxiliar de serviços gerais Rosaura Aguiar, 50 anos, fala do medo de voltar para casa depois do trabalho. Morando perto da Avenida Baltazar de Oliveira Garcia, onde para o ônibus que a traz do hospital no qual trabalha, ela precisa caminhar duas quadras até sua casa. No percurso, já foi assaltada.
- A gente anda olhando para tudo que é lado - explica Rosaura, enquanto deixa um mercado.
Tem horário livre no salão
A menos de uma quadra dali, a manicure Nara Regina da Silva, 44 anos, revela a estratégia de comerciantes para evitar roubos: abrir e fechar no mesmo horário. E basta anoitecer que o movimento cai na Avenida Juscelino Kubitschek de Oliveira. Por isso, por volta das 18h, há sempre vaga.
-Dificilmente as clientes querem, pois têm receio de andar na rua quando escurece - avaliou Nara.
Mutirão em locais pobres
Moradora do Rubem Berta há 15 anos, Nara faz com amigos de uma igreja um trabalho voluntário nas vilas mais pobres de seu bairro e do vizinho, Mario Quintana.
- É perigoso, mas a gente tem que ajudar de algum jeito, né?
BRIGADIANOS JÁ CHEGARAM
Sob olhares curiosos de quem passava, um micro-ônibus escoltado por duas viaturas começou a distribuir PMs na Zona Norte da Capital no final da tarde de sexta-feira. Os 50 homens que reforçarão a região foram divididos em dois pelotões de 25, liderados por um tenente cada.
Eles se revezarão no horários das 16h às 22h e das 20h às 2h. Com isso, o efetivo do bairro terá aumento de 100% entre 20h e 22h, com cem homens nas ruas. Da primeira turma, apenas três já haviam estado na Capital. Para o soldado Elisandro Machado, 29 anos, de Santa Maria, o desafio da força-tarefa é forte:
- Em Porto Alegre, a movimentação de pessoas é o desafio.
Em duplas, os soldados foram distribuídos em pontos estratégicos. Na primeira semana, ficarão perto de avenidas de maior circulação. A partir de segunda-feira, a tropa avançará nas vilas.
- Nos primeiros dias transmitimos a eles as características da nossa área. Reforçamos o lema abordar, revistar e identificar. Eu sou o técnico e eles são meus jogadores - frisou o comandante do 20º BPM, tenente-coronel Paulo Ricardo Quadros.
Falta definição da Civil
A promessa do secretário Airton Michels de reforçar também as equipes das duas Delegacias de Homicídios do Deic ainda não saiu do papel - não há definição de quando os policiais civis vão completar as equipes das DHDs. Ao contrário dos PMs que, desde sexta-feira, já trabalham nas ruas.
O titular da 1ª DHD, delegado Cléber Lima, tem uma tese sobre a violência crescente:
- São vários grupos disputando os pontos de venda e clientela.
- Situação é grave no entorno
O fato de o Rubem Berta ser o bairro mais populoso da Capital faz com que essa disputa aumente. O delegado lembra que "não se pode olhar o Rubem Berta apenas, é preciso olhar os bairros em volta, porque os duelos ocorrem também com quadrilhas desses locais".
Homicídios ocorridos nos bairros Sarandi, Mario Quintana, Passo das Pedras podem estar ligados a disputas no Rubem Berta. Nos primeiros quatro meses do ano, foram 12 mortes no Mario Quintana, sete no Sarandi e quatro no Passo das Pedras.
Crianças reproduzem o clima bélico
O sentimento de que o Rubem Berta é um bom bairro, mas afetado pelo tráfico está no discurso de vários moradores. A maioria conta que a noite traz a preocupação com tiroteios entre traficantes que disputam pontos ou que cobram as dívidas de usuários.
O Diário Gaúcho procurou a família de uma vítima de assassinato no bairro. Por medo, os familiares decidiram não falar.
A violência que dizima famílias é tão banal que virou brincadeira de criança. Na quinta-feira, a reportagem flagrou a seguinte cena na Vila Nova Santa Rosa: guris, com não mais do que sete anos, brincavam em volta de um muro. Um deles levantou uma arma de brinquedo, feita de cano de plástico, mirando o amiguinho. Outros dois, com armas de plástico colorido, miravam de volta. Cena típica de "bandido x polícia" na vida real.
Território ainda em guerra
Foi por registrar o recorde de homicídios que, no ano passado, o governo escolheu o Rubem Berta para ser um local do programa RS na Paz. Além dele, Restinga, Santa Teresa e Lomba do Pinheiro foram contemplados na Capital. Ao contrário desses locais, onde houve estabilização ou queda da violência neste primeiro quadrimestre, o Rubem Berta teve crescimento.
De acordo com o levantamento feito pelo Diário Gaúcho, o bairro passou de 17 para 24.
Tenente-coronel faz uma promessa
E é por causa disso que Secretaria de Segurança Pública montou um plano de ação que inclui o reforço das equipes das Delegacia de Homicídios e DPs da região, além de contar com o reforço de 200 PMs. Só para o 20º BPM, que atende a área, serão mais 50 brigadianos.
- Esse reforço é fundamental, principalmente nesse complexo do Rubem Berta, que inclui Sarandi e Mario Quintana, que representa mais de 100 mil moradores. A população verá a Brigada na rua - avisou o tenente-coronel Quadros.
Territórios da paz
Fonte: planilha do Diário Gaúcho
Santa Teresa Restinga Lomba do Pinheiro Rubem Berta Raio-x dos 24 assassinatos:
- Domingo (dois), segunda (dez), terça (um), quarta (dois), quinta (três), sexta (dois) e sábado (quatro)
- Da 0h às 6h (oito), 6h às 12h (três), 12h às 18 (três) e 18h às 0h (dez)
Vilas e conjuntos habitacionais que compõem o Bairro Rubem Berta:
- Nova Gleba, Santa Rosa, Dois Diques, Pôr-do-Sol, João Paris, Fraternidade, Beco dos Maias, Nova Santa Rosa (ex-Vila Ramos), Páscoa, São Borja, União, Paris, Dutra Jardim, Diamantina, Varig, Alexandrina, Max Guess, Parque Santa Fé, Fernando Ferrari, Guapuruvu, Parque dos Maias, Rubem Berta e Ícaro
Dados do bairro, segundo censo de 2010:
- População - 87.367 moradores
- Domicílios - 23.243
- Área - 851 hectares
Até abril de 2011: 6
Em todo 2011: 21
Até abril de 2012: 6 (último caso registrado em 31/3)
Até abril de 2011: 11
Em todo 2011: 50
Até abril de 2012: 6 (outros dois casos foram registrados em maio)
Até abril de 2011: 12
Em todo 2011: 26
Até abril de 2012: 5 (último caso registrado em 21/4)
Até abril de 2011: 17
Em todo 2011: 43
Até abril de 2012: 24 (último caso registrado em 30/4)