Planilha de assassinatos
O lamentável clube dos 100
Apenas três cidades tiveram mais de cem mortos em 2012, além da Capital: Alvorada, Canoas e Viamão
A contagem de homicídios feita pelo Diário Gaúcho constatou que três cidades, além da Capital, extrapolaram a barreira dos cem mortos em 2012: Alvorada, Canoas e Viamão. Em 2011, só Porto Alegre teve três dígitos na lamentável estatística entre as 19 cidades da Região Metropolitana e Vale do Sinos. Juntas, Alvorada, Canoas e Viamão tiveram quase 30% dos casos. A maior parte deles, conforme órgãos da área de segurança, ligada ao tráfico.
Recontamos o assassinato de Priscila Dornelles, em Canoas, cujos familiares apontavam o ex como mandante do crime.
Em Viamão, Anderson Soares Siqueira foi atingido por um tiro porque não quis entregar o moletom novo a ladrões. E o fim de Igor Rodrigo Maciel e de Dionatan Pereira de Medeiros, em Alvorada: baleado quando fugiam de um perseguidor.
Das 19 cidades, 12 tiveram aumento, cinco caíram e houve empate em duas. Embora a ausência do Estado seja visível, três grandes cidades apresentaram queda na violência: Cachoeirinha, Gravataí e Sapucaia do Sul. No segundo dia da série do balanço da planilha do DG, mostramos a dor de familiares e as ações que estão dando certo.
"Destruíram os sonhos dele"
É no olhar do motorista de empilhadeira desempregado Luis Henrique Barcellos Siqueira, 47 anos, que se esconde a tristeza de ter perdido o único filho homem, em maio do ano passado. A cada balbuciar do nome de Anderson Soares Siqueira, morto aos 20 anos no Centro de Viamão, o pai não consegue conter as lágrimas.
- Morávamos só nós dois na casa. Meu filho era meu parceiro e tinha planos. Mas destruíram os sonhos dele - lamenta o pai.
Na tarde de 2 de maio, o jovem caminhava pela Rua José Garibaldi em direção à parada de ônibus onde encontraria o pai. No caminho, três assaltantes o abordaram e exigiram o moletom novo usado por ele. Anderson lutou para não ter roubada a peça de roupa comprada por R$ 140. Acabou morto com um tiro na barriga.
Assaltantes não foram identificados
As investigações da 1ª DP de Viamão não chegaram ao autor do disparo e aos comparsas. Segundo o delegado Édison Frade, nenhum suspeito foi localizado:
- Apesar do nosso esforço, o que parece é que foi um latrocínio típico. A única motivação foi o patrimônio do rapaz.
Como se não bastasse desconhecer quem matou Anderson, Luis Henrique ainda aguarda a liberação do laudo cadavérico do filho para ter direito ao seguro de vida deixado pelo rapaz. É com este dinheiro que pretende dar continuidade ao maior sonho de Anderson: comprar uma casa.
- Ele dizia que, juntos, compraríamos a nossa casinha. E este sonho viraria realidade porque estávamos trabalhando e juntando dinheiro. Infelizmente, o dinheiro de entrada será o do seguro. Mas preferia continuar morando de aluguel e ter ele vivo - desabafa Luis Henrique.
Bairros mais violentos: Viamão
Augusta: 11
Santo Onofre e Gaúcha: 7
Santa Isabel: 6
Lanza, São Jorge e São Lucas: 4
Último presente
No porta-retrato sobre a estante da sala, Sheila Oliveira Dornelles, 47 anos, mantém uma das últimas imagens da filha Priscila Oliveira Dornelles, 23 anos, morta em 29 de janeiro, no Bairro Harmonia, em Canoas.
- Dias antes de morrer, ela fez fotos num estúdio e me deu esta. Parecia saber o seu destino - recorda a mãe.
Priscila levou dois tiros na cabeça após ser arrastada pelos cabelos por um homem que desceu da carona de uma moto. O delegado da 1ª DP, Erick Seixas, prendeu um suspeito. Reconhecido por testemunhas, ele aguarda julgamento.
O ex-namorado de Priscila, André Luis Martins Figueiredo, o Deco, a ameaçou de morte em mais de uma ocasião e foi indiciado como mandante. Porém, jamais foi preso. Em 25 de julho, acabou executado com cinco tiros quando atuava como taxista no Bairro Ipanema, em Porto Alegre.
- Não queria que ele tivesse morrido, mas preso e pagando pela morte da minha filha. Com este outro, espero que seja feita justiça - pede Sheila.
Bairros mais violentos: Canoas
Mathias Velho: 33
Harmonia: 17
Rio Branco: 12
Guajuviras: 11
Niterói: 8
Quem é o "vingador"?
Ao observar o toco em frente ao minimercado da família, Elisabete Silva dos Santos, 47 anos, do Bairro Maria Regina, em Alvorada, recorda a confusão da noite de 30 de abril, que acabou na misteriosa morte de dois assaltantes.
Depois de renderem o motorista de um Gol na sinaleira da Avenida Getúlio Vargas com a Rua Fernando Ferrari, Igor Rodrigo Maciel, 18 anos, e Dionatan de Medeiros, 21 anos, pegaram o carro e seguiram em alta velocidade pela Avenida Flores da Cunha. Até colidirem no tronco.
- Mesmo atordoados, saíram correndo a pé. Pareciam nervosos. Um deles tinha uma arma na mão. Nem imaginávamos o que viria - diz Elisabete.
Menos de dez minutos depois, na Rua Ângelo Silveira, no Bairro Salomé, a dupla foi morta a tiros, a 500m do local do acidente.
A saraivada de balas continua registrada na frente da casa do motorista Vilmar Marques Ferreira, 53 anos. Ele aponta as marcas na cerca, no portão e na lixeira.
- Estávamos jantando quando o tiroteio começou. Só deu tempo de abaixar. Uns 20 minutos depois, saímos e vimos os corpos quase do lado um do outro. Ninguém viu quem matou - comenta Vilmar.
Mistério não teve solução
O "vingador" não foi identificado pela polícia.
- Remetemos o caso à Justiça sem a autoria dos crimes. É possível que, daqui a algum tempo, investigando outros casos, a gente acabe chegando aos autores. Só sabemos que os mortos eram criminosos e usuários de entorpecentes - disse o chefe do setor de investigações da 1ª DP, Felintho Santos.
Para tentar mudar o quadro, o 24º BPM mudou a forma de atuação este ano. Segundo o comandante do Batalhão, major Marcelo Couto de Souza, no lugar de barreiras nas vias mais movimentadas, estão sendo realizadas operações surpresas nas vilas e bairros.
Bairros mais violentos: Alvorada
Umbu: 16
J. Algarve: 10
J. Porto Alegre: 9
Americana: 8
Maria Regina: 7
Trinca do bem: onde a mortandade caiu
Cachoeirinha está entre as cidades que diminuíram o número de assassinatos. Foram 26, índice de queda de 27% em relação a 2011. Entre as ações está a instalação de 32 câmeras que monitoram a área central e alguns bairros. A cada três ocorrências, ao menos uma é flagrada, o que auxilia a polícia.
A prefeitura ainda banca o conserto de viaturas. Este ano, a Guarda Municipal será treinada para policiamento ostensivo, com o uso de armas de fogo - hoje, são utilizadas 50 armas de choque.
A iniciativa mais recente da prefeitura foi acordar com o Estado a formação de soldados. A cidade gastou R$ 175 mil na estrutura para uma turma de 31 PMs, cujo curso termina em abril. Eles estão alojados na Igreja Matriz.
- Nossa condição foi que nenhum dos novos PMs seja transferido em cinco anos - diz o prefeito Luiz Vicente Pires.
Gravataí segue os mesmos passos: teve baixa no crime de 15%. A Secretaria de Segurança trabalha integrada com Polícia Civil, Brigada e Ministério Público. Os 183 guardas municipais foram treinados para usar revólveres e atuam assim desde outubro de 2010.
Prefeitura paga gasolina de viatura
O município ainda contribui com o combustível de carros da Polícia Civil e paga aluguel de dois dos três prédios.
Em Sapucaia do Sul, o comandante do 33º BPM, major Ronie Coimbra, ressalta que números vêm caindo desde 2010. Planilha do DG aponta queda de 20%. Entre as ações destacadas está a intensificação na busca de foragidos e procurados. O oficial reforça a tese das autoridades: a maioria das mortes está ligada ao tráfico. Também tiveram queda Nova Santa Rita e Estância Velha.
Cidades onde a violência aumentou
Porto Alegre
476 (+15%)
413 em 2011
Alvorada
118 (+26%)
93 em 2011
Canoas
106 (+23%)
86 em 2011
Viamão
105 (+20%)
87 em 2011
Novo Hamburgo
92 (+37%)
67 em 2011
São Leopoldo
85 (+34%)
63 em 2011
Guaíba
32 (+18%)
27 em 2011
Esteio
26 (+100%)
13 em 2011
Sapiranga
14 (+180%)
5 em 2011
Portão
7 (+75%)
4 em 2011
Eldorado do Sul
6 (+50%)
4 em 2011
Barra do Ribeiro
3
Zero em 2011
Cidades onde a violência diminuiu
Gravataí
64 (-15%)
76 em 2011
Sapucaia do Sul
27 (-20%)
34 em 2011
Cachoeirinha
26 (-27%)
36 em 2011
Nova Santa Rita
3 (-66%)
9 em 2011
Estância Velha
1 (-50%)
2 em 2011
Onde houve empate
Glorinha
1
Campo Bom
6
Balanço
Em 2012, foram 1.198 mortos. Média diária de 3,27.