Crime vence Sus na corrida
Ajuda médica a crianças envolvidas com violência pode demorar até um ano em Porto Alegre
Com equipes desfalcadas, auxílio psicológico oferecido pelo poder público é precário
Entrar para o mundo do crime antes dos 12 anos insere a infância não apenas no contexto policial. Escancara um problema social e de atendimento médico. Afinal, menores de 12 anos pegos em atos infracionais não entram na Fase - são encaminhados ao Conselho Tutelar.
Pelo Sus, a demora para um menor fazer uma consulta com especialista em saúde mental (a quem cabe acompanhar estes casos) pode chegar a um ano em Porto Alegre. Isso porque, de oito equipes exclusivas, a prefeitura admite ter só duas completas - em área que requer urgência e monitoramento frequente.
Um longo e sinuoso caminho
O reflexo desta agrura é visto nos conselhos tutelares.
- A maior dificuldade da rede de proteção à criança e ao adolescente é a área de saúde - frisa o coordenador do Conselho Tutetar da 6ª Microrregião (Centro Sul/Sul), Elton Fraga.
O caminho é sinuoso para quem precisa desse serviço. Quando o Conselho Tutelar, ou até mesmo a escola, identifica que um menor necessita de atendimento em saúde mental (com psicólogo, psiquiatra ou outro profissional), orienta a família a procurar o posto mais próximo.
Após consultar com um médico, o jovem é encaminhado ou para atendimento em hospitais ou para as equipes de saúde mental de crianças e adolescentes.
- A demora depende de cada região. Tem algumas com fila de duas, três semanas, e outras em que pode levar até um ano - admite a coordenadora da área técnica de saúde mental da Secretaria da Saúde de Porto Alegre, Loiva dos Santos Leite.
Algumas regiões são preteridas
Segundo a coordenadora Loiva dos Santos Leite, Porto Alegre conta com oito equipes especializadas em atendimento em saúde mental para pacientes de zero a 17 anos. Uma para cada região. Mas apenas duas equipes estão completas.
- Muitos profissionais foram nomeados (após concurso), mas se exoneraram. Eles não querem trabalhar, por exemplo, na Restinga ou na Zona Norte - afirma Loiva.
Elas desenvolvem atividades variadas, desde atendimento com psicólogo e neurologista até oficinas esportivas e culturais.
Para completar o quadro, a área fez um levantamento dos profissionais que estão em falta e encaminhou essa demanda ao secretário da Saúde. O andamento desse pedido não foi informado ao jornal.
Demora leva à reincidência
A conselheira tutelar Priscilla Erich Marques Ramires, da 9ª Microrregião (Lomba do Pinheiro) enxerga no dia a dia o quanto a falta de agilidade para o atendimento em saúde mental pode ser prejudicial:
- Toda criança que está precisando de atendimento psicológico fica muito vulnerável. E a experiência que nós temos é de que, em menos de 60 dias, isso (consulta) é raro de ocorrer.
Ela lembra de situações em que, muitas vezes, a criança ou o adolescente acaba reincidindo em atitudes violentas. Afinal, precisaria de atendimento com urgência. E os pais retornam a pedir ajuda ao Conselho Tutelar.
- Nós fazemos o que é possível, mas a gente precisa que a rede funcione como um todo - alerta Priscilla.
Saiba mais
Em Porto Alegre, são oito equipes especializadas para atendimento em saúde mental de crianças e adolescentes.
Só duas estão completas, com psicólogo, terapeuta ocupacional, assistente social, psiquiatra, pediatra, fonoaudiólogo, neurologista, nutricionista e monitor.
A Capital conta ainda com três Centros de Atendimentos Psicossociais (Caps) para infância e adolescência, voltados a casos mais severos de saúde mental. Porém, o encaminhamento aos Caps só pode ser feito depois do atendimento em um posto de saúde.
Para atendimento em hospitais, a fila para consulta de crianças de zero a 12 anos com psiquiatra tem 248 pacientes (em média, 11 meses de espera) e para neurologista tem 464 pacientes (um mês e meio, em média).
Uma consulta particular com psicólogo custa, em média, R$ 120, segundo o Conselho Regional de Psicologia.
Expulsos do lar, desistem do filho
O desespero de uma mãe e de um padrasto, que não conseguiram socorro do Estado para evitar que um guri de 14 anos sucumbisse ao assédio de criminosos, resume a ineficiência do poder público, da sociedade e da família frente ao envolvimento crescente de crianças e adolescentes com a violência. Na 7ª DP, no Belém Novo, o vendedor de loterias desabafou ontem:
- O perdemos. Somos incapazes de cuidar dele.
O homem, deficiente visual, se referia ao enteado envolvido com drogas desde os 11. Na DP, pedia proteção pois, desde sábado, é ameaçado de morte por traficantes para quem o guri estaria devendo R$ 200.
- Vamos ter que sair de casa, sem ter para onde ir - lamentou o vendedor.
Na segunda-feira, o garoto foi entregue ao Conselho, que solicitou à Justiça o encaminhamento a um abrigo. A mãe acredita que, estando sob proteção, o garoto não morrerá. Desesperada, ela assinou um termo afirmando não ter condições de cuidar do filho. Se aceito pela Justiça, ficará sob guarda do Estado. O guri está em lar de passagem.
Ele já sumiu por seis meses
Rebelde, o piá já ficou seis meses longe de casa. Até hoje, não saiu da terceira série do ensino fundamental.
- Há anos, temos avisado o Deca, o Conselho Tutelar de Sapucaia do Sul e de Porto Alegre, a BM, a Polícia Civil. Todos dizem que ele não cometeu nada para ser punido. Acho que esperam ele matar alguém - disse o padrasto.
O vendedor diz que o menino não consome, só vende drogas. Para fugir de ameaças, a família peregrinou por três lugares em dois anos: tem um piá de 16 anos e uma guria de dez.
- Saímos de Sapucaia, da Tinga e, agora, de novo. Quem paga pela falência de tudo somos nós - afirmou o padrasto.
Ontem, a DP fez buscas por suspeitos de aliciar o menor. Ninguém foi pego.