Polícia



Violência doméstica

Mulheres sob o domínio do medo

Casas-abrigo acolhem mulheres e seus filhos que fogem das agressões de maridos e pais. Apavoradas, abandonam suas vidas e se submetem a uma prisão voluntária

08/06/2013 - 09h21min

Atualizada em: 08/06/2013 - 09h21min


Escondidos entre grades e com um vigilante no portão de ferro que dá para a rua, vivem mães e filhos, em 12 casas-abrigo espalhadas pelo Estado. Estão fugindo de maridos e pais agressores. A abrigagem é a ação mais extrema entre as medidas protetivas.


Hoje, são 27 mulheres e 42 crianças forçadas pela violência doméstica a deixarem suas casas, roupas, seus empregos, a escola dos filhos. Elas abandonam as próprias vidas.


Em Porto Alegre, pelo menos seis famílias estão sob proteção na casa Viva Maria. O endereço não é divulgado por segurança.


É lá que, pela quarta vez, Tatiane, 24 anos, encontrou ajuda para fugir do ex-marido, com quem foi casada por quase cinco anos. Com ela, estão os três filhos (de 11 meses, de dois e de quatro anos).


"Aqui estou segura"


- As drogas acabaram com ele (o ex-marido). Nas duas reconciliações, ele havia prometido que iria se tratar. Mas isso não ocorreu, e as agressões só pioraram - recorda.


Separada desde agosto de 2012, quando ficou quase quatro meses na casa de apoio, Tatiane voltou a ser perseguida pelo ex no início de maio. Depois de descobrir onde ela morava, ele a surpreendeu quando chegava do trabalho. Agredida a socos e ameaçada de morte, Tatiane, mais uma vez, buscou ajuda em um dos Centros de Referência de Assistência Social.


- Saí de casa só com os meus filhos e as roupas do corpo. Deixei o emprego. Mas aqui estou segura - resume.


Desde que voltou para o abrigo, ela não pôde mais visitar ou ver o restante da família. Por conta própria, conseguiu um novo emprego. Os filhos ainda aguardam uma nova creche.


- Minha vontade era ir embora para bem longe com os meus filhos, mas tenho família aqui. Só não é justo eu estar presa e ele (ex-marido) solto - desabafa.


Vítima apanhava até dos pais do marido


Aos 23 anos, mãe de duas filhas, Márcia (nome fictício) pediu demissão do emprego e chegou ao Viva Maria apenas com a mochila escolar da filha mais velha, de cinco anos. Casada há nove anos, mentiu à família do marido que iria ao médico e saiu de casa com as duas filhas. Era maltratada até pelos pais do companheiro.


- Nos últimos dois anos, ele ficava drogado o dia inteiro. Ameaçava eu e as crianças com faca e machado. Tive medo de morrer - recorda.


Sem ir à rua há duas semanas, desde que chegou ao abrigo, Márcia ainda tenta se adaptar às regras do local. Quando for liberada pelo serviço de apoio para sair, vai procurar um novo emprego.


- É difícil viver num lugar onde eu não conheço ninguém. Minhas filhas têm alergia ao cobertor, mas não posso voltar em casa para pegar o edredom delas. Me sinto isolada - afirma.


Medida extrema


De acordo com a coordenadora do Escuta Lilás, Érica Kern Lopes, do Centro de Referência Vânia Araújo Machado, o principal objetivo do abrigamento é refazer a vida das vítimas.


- Enquanto se encontram abrigadas, elas são atendidas para a reorganização pessoal e social - explica.


Para a titular do Juizado da Violência Doméstica e Familiar de Porto Alegre, Madgéli Frantz Machado, o abrigo é a medida mais extrema das ações de proteção:


- Muitas vezes, a mulher não tem noção do risco que corre, pois está acostumada com a violência, e a banaliza. É preciso a orientação para que entenda a necessidade de deixar aquela vida.


Mais antiga do Brasil


Segundo a coordenadora da casa Viva Maria, Luciane Ferreira Machado, as mulheres chegam ao lar revoltadas e traumatizadas pela violência. No abrigo, o choque inicial é com as regras estabelecidas, como horário para acordar, comer e dormir. Muitas, relata Luciane, acabam se sentindo aprisionadas.


Com capacidade para receber até 11 famílias, a Viva Maria existe há 21 anos, e é o serviço mais antigo em funcionamento no Brasil.


Como funcionam os abrigos


- Cada casa-abrigo está em um município diferente. Porém, os encaminhamentos das mulheres em situação de risco de morte em função de violência doméstica e familiar se dão por meio dos centros de referência municipais de atendimento às mulheres, coordenadorias municipais da mulher, delegacias de polícia, Brigada Militar, Judiciário, Creas/Secretaria Municipal da Assistência Social, Unidades de Saúde/Secretaria Municipal da Saúde, Ministério Público e Conselho Tutelar.


- As mulheres devem acessar os serviços que compõem a Rede de Atendimento Municipal e, a partir deste acolhimento, devem receber os encaminhamentos necessários para sua proteção.


- Outra alternativa que o Estado dispõe é o Escuta Lilás, programa que integra o Centro de Referência Estadual da Mulher Vânia Araújo Machado, que faz o acolhimento e fornece orientações às mulheres. As ligações, gratuitas, podem ser feitas para o telefone: 0800-5410803.


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