Polícia



Novos rumos

Delegacias de homicídios turbinadas

As DHPPs, criadas em janeiro, já esclareceram mais da metade dos crimes deste ano

09/07/2013 - 07h35min

Atualizada em: 09/07/2013 - 07h35min


Em seis meses, a nova estratégia da Polícia Civil para combater os homicídios na Capital mostra resultados - ao mesmo tempo, deixa claro que a medida deveria ter sido colocada em prática muito antes. Em janeiro, foram criadas as Delegacias de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPPs). Desde então, as especializadas já esclareceram mais da metade dos crimes deste ano. No ano passado, no mesmo período, o índice não chegava a 10%.


Nova forma de atuar deixa claro: faltava estruturar melhor!


Em menos de um dia, a polícia descobriu o provável autor da morte de Cláudio Renato Soares Medeiros, 28 anos, e, antes de 48 horas após o crime, os primeiros pedidos à Justiça já haviam sido solicitados pelo titular da 4ª DHPP, delegado Gabriel Bicca. A probabilidade de que isso acontecesse na Capital, se o crime tivesse ocorrido antes de janeiro seria pelo menos cinco vezes menor.


Pelo levantamento do Diário Gaúcho, foram 197 homicídios na Capital no primeiro semestre de 2013. Pelos dados da Polícia Civil, até o fim de maio, 52,2% dos casos estavam esclarecidos - autores e circunstâncias conhecidos - e 40% remetidos à Justiça. No mesmo período do ano passado, sem as DHPP, o índice ficava em 9,5%.


A marca do "sangue novo", como descreve o diretor do Departamento de Homicídios, delegado Odival Soares, para enfrentar os homicídios, foi percebida dia 2, no Beco Paladino, Bairro Campo Novo, Zona Sul da Capital.


O corpo de Cláudio Renato ainda estava no Escort crivado de balas e dezenas de curiosos se aproximavam. Três agentes da 4ª DHPP e o delegado Bicca circulavam pelo cenário. Pode parecer óbvio, mas antes das DHPP, criadas em janeiro, era raro encontrar no local do assassinato o delegado que conduziria o inquérito. Este ano, só até maio, eles estiveram em 452 cenas de crime.


- É diferente de conduzir um inquérito baseado em relatórios. No local, se pode trabalhar com sequência e contexto do crime para garantir precisão na investigação - aponta Bicca.


Para Odival, a presença do delegado diminui em 80% a chande de impunidade a um homicídio. No caso de Cláudio Renato, em uma hora a polícia já tinha suas primeiras suspeitas.


Na cena


Uma testemunha-chave do homicídio de Cláudio Renato foi ouvida ainda na noite do crime. Munida de pranchetas, máquina fotográfica e filmadora, a equipe de investigação cercou a cena do crime.


Nomes de suspeitos, de rivais e de aliados de uma guerra do tráfico travada desde o final de 2012 começaram a pipocar. Até o Escort no qual ele foi morto já era conhecido pelos policiais. Uma pequena reconstituição com a testemunha foi possível.


- Já temos elementos suficientes para solicitar os primeiros mandados à Justiça - disse Bicca na manhã seguinte.


Ele acompanhou o trabalho dos peritos, duas horas após a morte. Ali mesmo, pôde, preliminarmente, determinar a ordem dos fatos e o que a perícia precisaria esclarecer.


Simultaneamente, o delegado adjunto Rodrigo Pohlmann confirmava no HPS que um amigo de Cláudio Renato fora baleado e estava em atendimento. No dia seguinte, o rapaz de 18 anos foi preso com uma pistola e um colete à prova de balas.


A nova escola no comando


- Precisávamos de fôlego e de um estilo novo na investigação de homicídios.


O diagnóstico foi feito pelo delegado Odival Soares no momento em que o Departamento de Homicídios desvinculou-se do Deic, em janeiro deste ano. A maior prova de fogo foi em abril, na série de assassinatos a taxistas.


Uma semana depois dos crimes, uma ação isolada da Delegacia Regional de Porto Alegre prendeu um foragido, apontado como suspeito. Motivo: seu histórico de crimes.


Enquanto a prisão repercutia, os delegados encarregados pela investigação na Homicídios silenciaram.


- A lógica como trabalhamos é invertida. Partimos do fato, dos elementos de prova que se consegue pelo local ou pelas provas técnicas para chegar ao homicida. É isso que dá consistência ao inquérito para resultar em denúncia - explica o diretor de investigações, delegado Cristiano Reschke.


Mas o suspeito era inocente. Na semana seguinte, a polícia chegou ao verdadeiro assassino em série. E as provas periciais foram essenciais. Tudo, de acordo com Odival Soares, parte do local do crime.


Equipamentos foram incorporados


Basicamente, o estilo dos novos delegados quebra burocracias que historicamente emperraram o trabalho policial. São ferramentas que vão desde a filmagem e o mapeamento dos locais de homicídios até o uso de tablets pelas equipes que atendem as ocorrências - os agentes que acessam as fichas de suspeitos ou da vítima e, no próprio local, já têm condições de fazer reconhecimentos.


A diretoria do departamento lista sete grandes casos, desde o começo do ano, que foram resolvidos e tiveram seus inquéritos remetidos à Justiça em menos de dois meses.


O caso número 1


Está na cadeia o suspeito pela morte de Ubiratan Santos Viana Rosa, o Ratão, dia 3 de janeiro, no Beco do Rio Tejo, Bairro Nonoai, Zona Sul. Foi o primeiro caso atendido pelas novas delegacias. Até o final de maio, as DHPPs prenderam 58 pessoas e apreenderam 28 armas.


De acordo com o delegado Gabriel Bicca, apesar de resolvido o homicídio, os desdobramentos do caso continuam mobilizando investigadores da 4ª DHPP.


Idéia é alimentar banco de dados de homicidas


- Há um confronto entre grupos rivais do tráfico local. Então, partimos desse homicídio para entender o contexto daquelas mortes - aponta.


Conforme o delegado Cristiano Reschke, o objetivo em todas as investigações é gerar dados para um banco de homicidas e de quadrilhas que atuam em cada área. E, com isso, fortalecer o material que chega à Justiça após finalizado o inquérito.


Entenda como funcionam:


(*) Levantamento do Diário Gaúcho, que não relacionou os latrocínios (roubo com morte).


OS NÚMEROS:


- Foram 197 homicídios* na Capital entre janeiro e junho deste ano.


- No mesmo período de 2012, ocorreram 218 casos*.


- Até maio, foram 52,2% dos casos esclarecidos contra 9,5% dos casos no ano passado.


- Foram presas 58 pessoas e apreendidas 28 armas.


AS DELEGACIAS: 


1ª DHPP


- Local: Zona Leste (Rua Barão do Amazonas, 2625, Partenon)


- Delegado: Wagner Dalcin


- Agentes: 10 na investigação


- Homicídios: 48*


- Dor de cabeça: Em maio, estourou a guerra do tráfico na Vila Maria da Conceição, Bairro Partenon. No intervalo de um mês, foram pelo menos quatro homicídios no confronto. O maior obstáculo é a lei do silêncio. Como a delegacia fica praticamente dentro da vila, muitas pessoas temem testemunhar.


2ª DHPP


- Local: Zona Central (Rua Vitor Valpírio, 101, Anchieta)


- Delegado: Felipe Bringhenti


- Delegada Adjunta: Daniela da Silva Duarte


- Agentes: 10 na investigação


- Homicídios: 30*


- Dor de cabeça: A região dos "inferninhos" do Centro. Há confrontos violentos, em geral, envolvendo pessoas que não são do bairro e chegam de diversas áreas. Provas testemunhais, mesmo descrevendo os suspeitos, pouco valem, já que dificilmente o envolvido é conhecido nas proximidades.


3ª DHPP


- Local: Zona Norte (Avenida dos Gaúchos, 628, Sarandi)


- Delegado: Leônidas Cavalcante


- Del. adjunto: João Paulo de Abreu


- Agentes: 10 na investigação


- Homicídios: 45*


- Dor de cabeça: O Bairro Rubem Berta, mesmo com queda nos homicídios em relação a 2012, ainda é o recordista de assassinatos da Capital e um dos pontos fortes da facção dos Bala na Cara. Concentra diversos confrontos por bocas. E também há a lei do silêncio.


4ª DHPP


- Local: Zona Sul (Rua Nunes, 114, Glória)


- Delegado: Gabriel Bicca


- Del. adjunto: Rodrigo Pohlmann


- Agentes: 10 na investigação


- Homicídios: 74*


- Dor de cabeça: Há pelo menos duas guerras entre traficantes nos bairros Vila Nova e Restinga. Sem contar com muitas provas testemunhais, a polícia se esforça no mapeamento da dinâmica dos bandos. A região concentra 30% do território da Capital, e equipe de investigadores é igual a das outras áreas.


Confira as mudanças nas delegacias de homicídios da Capital


Estrutura


- Como era: duas delegacias especializadas em homicídios, ligadas ao Deic, atendiam todas os casos da Capital e os inquéritos passados, até 2008.


- Como ficou: O Departamento de Homicídios foi desmembrado do Deic, criando quatro delegacias especializadas, que dividem a cidade em áreas. Os casos antigos ficaram com outras duas especializadas.


Locais de crime


- Como era: a cada homicídio, equipes volantes da Polícia Civil eram designadas para atender os locais e fazer os primeiros levantamentos. Em alguns casos, também eram acompanhados por uma equipe de plantão da Delegacia de Homicídios. Na maioria dos casos, as informações só chegavam ao delegado responsável a partir de relatórios.


- Como ficou: A presença do delegado titular do caso é obrigatória no local do homicídio. Ele é acompanhado por pelo menos dois agentes da delegacia que, até o final do inquérito, mantêm a troca de informações com o delegado. Conhecer o ambiente é fundamental na produção de provas e encaminhamentos do inquérito.


Organização


- Como era: as duas delegacias atendiam a cidade inteira. O trabalho das equipes era dividido por dia e a comunicação entre as duas especializadas era mínima. Muitos casos diretamente ligados eram apurados por equipes diferentes e sem troca de informações.


- Como ficou: as quatro DPs atendem áreas específicas. As equipes têm conhecimento dos contextos e do mapeamento de quadrilhas e de homicidas de cada região. O delegado acaba se tornando um interlocutor entre equipes que estejam investigando homicídios relacionados.


Pessoal


- Como era: com uma demanda de mais de um homicídio por dia na Capital (ao menos desde 2008 Porto Alegre convive com essa situação), as duas delegacias especializadas (até 2010, era só uma) tinham, juntas, menos de 20 policiais encarregados pelas investigações de crimes de homicídio e de tentativas.


- Como ficou: a demanda continua praticamente a mesma, mas agora são 40 agentes encarregados pelas investigações na Capital.


Casos passados


- Como era: equipes dos cartórios dividiam o tempo entre os encaminhamentos dos inquéritos em andamento e dos casos passados. O resultado foi o acúmulo de inquéritos não remetidos à Justiça.


- Como ficou: foram criadas a 5ª e 6ª DHPPs, encarregadas pelo passivo, com cerca de 3,5 mil casos, acumulados desde 2008. Em seis meses, conforme levantamento do Diário Gaúcho, em torno de 700 inquéritos tiveram encaminhamentos.


Provas técnicas


- Como era: longe da cena do crime, o delegado encaminhava pedidos de perícias específicos a partir de ofícios. O contato era mais burocrático e, em geral, demorado. Com isso, para agilizar o inquérito, as provas técnicas perdiam importância e a denúncia poderia ficar fragilizada.


- Como ficou: o delegado tem contato direto com os peritos que fazem o levantamento da cena do crime. No momento, já tem condições de encaminhar perícias específicas e ele próprio é capaz de fazer levantamentos técnicos diferenciados, como fotos, filmagens ou reconhecimentos.


MAIS SOBRE

Últimas Notícias