Polícia



A sangue frio

Polícia e comunidade tentam entender execução de três jovens na Zona Sul de Porto Alegre

Cassiano Gomes Ferraz, 28 anos, Lucas de Deus da Silva, 17 anos, e Henrique Schultz da Silva, 14 anos, foram alvejados por atirador com habilidade para atirar, diz polícia

02/04/2014 - 08h54min

Atualizada em: 02/04/2014 - 08h54min


Cassiano, Lucas e Henrique eram amigos desde a infância

Três jovens executados a sangue-frio por um matador que ainda deixou outros dois feridos. Familiares, amigos e vizinhos desesperados, tentando descobrir os motivos da matança. Esse é o saldo da chacina ocorrida na noite de segunda-feira, no Bairro Teresópolis, na Zona Sul da Capital.

A dúvida que aumenta a dor dos parentes também intriga a polícia, que não tem pistas para resolver o mistério.

Assassino é um perito atirador

De acordo com o adjunto da 4ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (4ª DHPP), delegado Rodrigo Pohlmann Garcia, a única certeza, por enquanto, é que o assassino tem muita habilidade no manejo da arma, uma pistola .40, de uso restrito das forças de segurança.

- Essa arma tem 15 disparos. Ele acertou 11 nas vítimas, vários na cabeça, à noite, de cima da moto e sem tirar o capacete. É alguém com muita precisão - comenta o delegado.

Bandidos estavam de moto

Henrique Schultz da Silva, 14 anos, Lucas de Deus da Silva, 17 anos, e Cassiano Gomes Ferraz, 28 anos, estavam na Rua Miriam Gress, por volta das 22h30min, quando foram baleados. Uma dupla em uma moto chegou e o carona efetuou os disparos. Os três morreram no local.

Outros dois jovens, de 17 e 18 anos, também foram atingidos, mas o Samu socorreu a dupla. Na manhã de ontem, eles tiveram alta do Hospital de Pronto Socorro (HPS). Os investigadores da 4ª DHPP suspeitam de que outras duas pessoas estavam com o grupo no momento do ataque e conseguiram escapar.

Porém, ainda não foi possível localizá-las.

Amigos desde a infância

Os jovens assassinados moravam a menos de 50m uns dos outros, perto do local onde ocorreu a chacina. Amigos de infância, eles cresceram juntos e tinham como principal diversão as reuniões que faziam naquele ponto da Rua Miriam Gress.

Terça-feira pela manhã, outros jovens ocupavam a esquina. No local onde se costumava ouvir a conversa e os risos dos rapazes, restou apenas silêncio.

Sem pistas do matador

Conforme a polícia, apenas um dos jovens, que sobreviveu, tem antecedente por envolvimento com drogas.

- Entre os cinco, não há nada que possa apontar uma motivação para o crime - afirma o delegado.

A rua é tranquila e não há pontos de tráfico nas proximidades.

- Nossa hipótese é de que os criminosos estivessem atrás de alguém, mas isso também não está confirmado. Agora, vamos ouvir os sobreviventes e testemunhas para tentar descobrir se esse alguém está entre mortos, se é algum dos que escaparam, ou, ainda, se foram mortos por engano - explica Rodrigo.

O cenário da chacina

Por volta das 22h30min de segunda, os amigos se reuniram, como de costume, na esquina das ruas Miriam Gress e Adão Gomes Peixoto. Uma dupla chegou em uma moto. O carona disparou 15 tiros contra o grupo, com uma pistola .40.

Henrique foi atingido na cabeça e próximo da axila. Cassiano levou um tiro na cabeça e um na altura dos ombros. Os dois morreram na hora. Lucas conseguiu correr cerca de 20m, mas levou um tiro nas costas e, em seguida, foi executado com um disparo nas costelas e outro na cabeça.

Dois jovens, de 17 e 18 anos, também foram feridos: o mais velho levou dois tiros, um em cada perna, e o menor foi atingido na boca e em um dos ombros.

Ficou só o caderno

Na sala, sobre uma cadeira de metal, ficou o caderno sujo de sangue. Nele, Cassiano Gomes Ferraz, 28 anos, escreveria mais uma de suas letras de rap. Sonhava em virar MC. Morreu com a caneta na mão.

Nascido e criado na Rua Adão Gomes Peixoto, Cristiano morava com a avó, de 76 anos - ele perdeu a mãe aos três anos. Religioso, buscava apoio no grupo de jovens que frequentava semanalmente, em um templo da Igreja Universal.

A falta de emprego fixo era compensada pelo talento para arte. Criava estampas para camisetas, bonés e moletons. Mandava confeccionar as peças para, depois, vendê-las. O objetivo era juntar dinheiro para investir na dupla de rap que mantinha com o amigo Cristiano Lima, 19 anos.

- O sonho dele era criar uma marca para as roupas e viver da nossa música - declarou Cristiano.

Solidariedade dos vizinhos

Na manhã de ontem, o irmão mais velho de Lucas de Deus da Silva, 17 anos, iria acompanhá-lo para fazer matrícula. O jovem queria voltar a estudar. Em vez disso, o rapaz, de 23 anos, recolhia dinheiro doado pela comunidade para custear o enterro de Lucas.

O jovem vaidoso, alegre, havia se alistado e, enquanto aguardava para saber se iria servir, procurava emprego. Quando deixou a escola, no primeiro ano do ensino médio, a intenção era trabalhar para ajudar no sustento da casa e, depois, concluir os estudos.

Todos os dias, Lucas fazia questão de acompanhar a mãe, que trabalha das 18h à 0h como telefonista de uma radiotáxi. Na segunda, fez isso pela última vez. A despedida ficou na memória da mãe, de 40 anos:

- Ele me deu um beijo na testa e disse: "Tchau mãe, te cuida". Quando voltei, encontrei meu filho morto.

Choro dos amigos

Pela porta da cozinha, na casa da Rua Miriam Gress, Maria Clara dos Santos, 55 anos, enxergava o neto reunido com os amigos na esquina, alguns metros rua abaixo. Ontem pela manhã, a avó fitava o grupo de amigos que lamentava a ausência de Henrique Schultz da Silva, 14 anos.

Nascido no Bairro Rubem Berta, na Zona Norte, Henrique foi criado pela avó desde pequeno, e mudou-se com ela para o Bairro Teresópolis aos seis anos. Ali, conquistou amizades entre vizinhos e colegas de escola.

O mais novo entre as vítimas, cursava o primeiro ano do ensino médio no Colégio Estadual Protásio Alves pela manhã. À tarde, fazia um curso profissionalizante de padeiro.

- Ele gostava muito de se arrumar e de cuidar das coisas dele. Estava sempre querendo trabalhar para ganhar dinheiro e comprar os tênis e bonés que queria - conta a avó.


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