Polícia



Lucrando com a morte

Vigaristas vendiam túmulos ilegalmente em Esteio

Túmulos eram vendidos ilegalmente no Cemitério Municipal de Esteio. Ex-diretora é investigada em esquema que pode ter rendido milhares de reais aos envolvidos

16/04/2014 - 10h01min

Atualizada em: 16/04/2014 - 10h01min


Funcionários do Cemitério Municipal 2 de Novembro, em Esteio, acompanhados por policiais civis, abrem o túmulo da família de Nicolau de Campos Zambarda, que reclama de irregularidades no túmulo da sua família

Uma equipe de policiais da DP de Esteio foi até o Cemitério Municipal da cidade, na tarde de ontem, com uma missão pouco comum. Tinham uma ordem judicial para abrir um túmulo no qual, supostamente, estaria sepultada uma criança natimorta (nascida morta). Pelo menos era isso que estava registrado nas fichas oficiais. Mas não havia nada ali dentro.

Foi então que o aposentado Nicolau de Campos Zambarda, 70 anos, teve certeza de ser mais uma vítima de um esquema de vendas ilegais de túmulos no cemitério público. Ele comprou a sepultura em 2009, sem saber que a venda é proibida.

Há cinco anos, Nicolau se assustou com os valores que a família teve de pagar pelo arrendamento do túmulo no qual a irmã foi sepultada - em torno de R$ 2 mil. Segundo ele, a então diretora do cemitério, Jacira Ávila da Cunha, apareceu para negociar. Fez a venda de um túmulo - como se fosse um plano funerário - por R$ 600. Ele arcou com outros R$ 450 para o serviço dos pedreiros.

- Todo esse processo é ilegal. A venda de túmulos é proibida, porque o terreno é do município. O que acontece são os arrendamentos, por um período de tempo, mas com pagamentos de taxas à prefeitura - explica o delegado Leonel Baldasso.

Segundo ele, Jacira, que foi afastada do cargo há cerca de seis meses, é suspeita de ser a cabeça de um esquema que pode chegar a milhares de reais. Há túmulos negociados por até R$ 12 mil.

Em setembro do ano passado, ela já foi indiciada por peculato (funcionário público que se apropria de dinheiro favorecendo-se do cargo). Agora, o delegado quer conseguir judicialmente a quebra do sigilo bancário dela. Pelo menos outras 11 vítimas do esquema se apresentaram à polícia. Os crimes de peculato, falsidade de documentos públicos e falsidade ideológica são apurados.

Depois do primeiro indiciamento, Jacira, que é concursada na área de serviços gerais do município, foi transferida para o setor de varrição e limpeza. Atualmente, está licenciada.

No papel, túmulo era ocupado

Se, por um lado, Nicolau ficou aliviado ao ver que não havia corpo no túmulo que ele julgava ter comprado, por outro, teve a certeza de que teve um prejuízo de mais de R$ 1 mil entre compra e reforma do túmulo.

- No fim do ano passado, eu vi uns casos na tevê de venda de túmulo e me preocupei. Vim no cemitério e perguntei pelo meu. Me responderam que eu não tinha túmulo nenhum - conta.

Pior do que isso. Na ficha, constava apenas um registro: "Natimorto Zambarda", com a assinatura de Nicolau falsificada. A data do suposto sepultamento seria de agosto de 1977.

- Nunca tive nenhum natimorto na família - ele garante.

Ele não sabia, mas a presença de um corpo - ao menos no papel - naquele túmulo, garantia o drible em qualquer fiscalização. Até que se provasse o contrário, o espaço no cemitério não estaria vago. E sim arrendado a uma família.

Suspeita tinha documentos em casa

A ex-diretora do Cemitério Municipal chefiou o local por 17 anos. Com a saída dela, há cerca de seis meses, pelo menos 90 relatórios  a relacionam a casos de vendas e transferências ilegais de túmulos. Todos os pagamentos, constatou a polícia, eram feitos a ela, e no próprio cemitério.

- É um esquema de grandes proporções e provavelmente ela não agiu sozinha. Agora vamos apurar o alcance disso. O crime já está configurado - sustenta o delegado Leonel Baldasso.

Nesta semana, os agentes da DP de Esteio cumpriram um mandado de busca na casa de Jacira. Havia centenas de documentos do cemitério guardados lá. Entre eles, algumas fichas semelhantes a que foi usada para mascarar a venda do túmulo a Nicolau Zambarda.

Ontem, a reportagem fez contato com Jacira Ávila da Cunha. Ela prometeu retornar a ligação depois de conversar com a sua advogada, mas até o final da noite, não havia feito contato.

No ano passado, informalmente, ela disse que não ficava com dinheiro algum. Agia como intermediária na venda de túmulos para particulares - o que também é ilegal.

O cemitério
-  Não há túmulos à venda no Cemitério Municipal de Esteio.
- Para manter um jazigo perpétuo, as famílias precisam manter em dia o pagamento de uma taxa ao município. Quando essa taxa deixa de ser paga, o município notifica a família em edital. Sem retorno, o jazigo fica vago, à disposição do município.
- Nestes casos, um túmulo pode ser arrendado pelo município no prazo de três anos. O que também exige pagamento de taxas ao poder público.
- Um arrendamento, no entanto, só pode acontecer quando há um corpo. Não existe a venda na forma de "plano funerário".

Como era o esquema
- A venda de túmulos era oferecida a famílias, com valores que iam de R$ 600 a até R$ 12 mil.
- Os pagamentos eram feitos diretamente à então diretora do cemitério.
- Para maquiar a ocupação de túmulos, as fichas eram preenchidas, inclusive com falsificação de assinatura dos supostos compradores, em geral informando um natimorto como ocupante da sepultura.
- Túmulos podiam ser, ainda, revendidos neste esquema.
- Quando os supostos donos dos túmulos - ou seus parentes - reivindicavam o espaço, descobriam que nenhuma venda pode ser feita pelo município.


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