Entrevista
"Delegado disse que era Deus e veio prender Satanás", relata líder de templo após ser solto
Silvio Rodrigues recebeu reportagem de GaúchaZH na manhã desta quinta-feira (8), na Capital, após 46 dias encarcerado. Polícia, agora, descarta ligação do mestre com magia em crime
Após 46 dias preso por um crime que não teria cometido, Silvio Rodrigues conversou com GaúchaZH, por mais de uma hora na manhã desta quinta-feira (8). Ele ficou preso por suspeita de coordenar um suposto ritual satânico que teria envolvido a morte de duas crianças, encontradas esquartejadas em Novo Hamburgo, em setembro do ano passado.
Na quarta-feira (7), a polícia descartou a ligação dele e de outras seis pessoas com o crime e pediu para que todos deixassem a prisão, o que foi aceito pela Justiça. Agora solto, o homem nega ser "bruxo", como passou a ser chamado pelo delegado Moacir Fermino, responsável pela investigação inicial que o levou à prisão.
— Sou mestre de magias, que trabalha com várias doutrinas de origem africana. Nunca fui bruxo, sou religioso — conta Rodrigues, mesmo que na página dele na internet, o Templo de Lúcifer, haja um item intitulado "O Bruxo".
Na cadeia, dividia a cela com outros cinco presos em uma galeria com mais de 200 pessoas. Apesar de temer por sua vida, nega ter sofrido ameaça de outros detentos. No local, encontrou o acolhimento de "problemáticos", como ele chama os presos já condenados.
— É muito complicado tu saber que não tem envolvimento com os fatos, a tua família sofrendo, teus amigos sofrendo e tentando entender como se formou toda a situação. Foram dias duros — observa Rodrigues.
A prisão dele ocorreu em sua casa, em Gravataí, em 27 de dezembro. Da varanda da residência, ouviu o delegado Moacir Fermino vociferar, com o dedo em riste: "Eu sou Deus e vim prender Satanás".
Dali, foi levado à carceragem da Central de Polícia de Novo Hamburgo, onde fica a Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Permaneceu por sete dias em uma cela sem janelas, junto com outros presos, até ser levado à Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ), em Charqueadas, na Região Carbonífera.
Para ele, a ida para aquele presídio lhe poupou a vida.
— Imagina se tivesse caído no Presídio Central. Certamente, teria virado estatística e não estaria aqui para dar entrevista — conta Rodrigues.
Como foi esse período na prisão?
Não queira imaginar. Pela psicologia, pelo psicológico. Em saber que a tua família está na rua, que tu está ali dentro, preso, e não vai sair. Vai ter de esperar pelo sistema, pelos advogados resolverem, pela Justiça. Fiquei preso de duas questões: pela acusação errada de minha pessoa e pela preocupação com minha família. Com as possibilidades de linchamento da minha família na praia, na rua. Então, imagina como estava meu psicológico, sendo acusado de algo que não fiz. Chegam na tua vida, derrubando tudo e tu não tendo direito de explicação. Não desejo isso nem para o meu pior inimigo.
Houve em algum dia algum tipo de ameaça? Alguém chegou a fazer referência à morte de crianças ou algo assim?
A mim, diretamente, não. Mas à minha família, fora do sistema, sim. A coação, o medo. Da minha família não poder ir no supermercado, da minha família não poder dar uma caminhada, fazer um exercício na volta da quadra. Isso está sendo muito complicado. Quem é que vai juntar esses cacos? Como é que vão restaurar essa integridade da minha família, da minha esposa, do meu filho? Imagina se eu tivesse caído no Presídio Central, ou em outro sistema carcerário. Ia virar somente uma estatística? Vocês só iam publicar: "Morre o mestre de magia assassinado no presídio"? Como é que isso seria reconstruído na minha vida? Porque os fatos estão aí, a investigação está aí. Em momento algum me neguei a colaborações, até porque não tive essa chance. Não tive chance de defesa, fui trancado numa cela. Simplesmente chegaram na minha casa: "O senhor está preso".
O senhor tem medo de sair à rua?
Tenho medo de sair na rua. Não sei como fazer. Mas tenho de viver, tenho de continuar. Se a sociedade vai ter o entendimento ou não, se sou culpado ou inocente, a própria investigação está provando isso. A desorganização da organização criminosa — como disseram que era uma organização criminosa e que eu sou o chefe. Nunca vi uma organização ser tão desorganizada.
Desceu o delegado e me disse que em nome de Deus... que ele era Deus e veio prender Satanás. Eu disse: 'Como assim, prender Satanás?'. 'Bota ele no camburão'. E aí eu já fiquei ali dentro do camburão, sem ter o entendimento necessário, sem saber o que fazer.
Queria que o senhor me falasse do momento de sua prisão. Como foi a abordagem do delegado Moacir Fermino?
Fiquei bastante assustado. Foi muito rápido. Adentraram no templo, no pátio, na minha casa. Já desceram, perguntaram o meu nome e disse: "Meu nome é Silvio Fernandes Rodrigues". "O senhor está preso". "Sob qual a acusação?". "É segredo de Justiça. Na delegacia o senhor vai saber". E aí desceu o delegado e me disse que em nome de Deus... que ele era Deus e veio prender Satanás. Eu disse: "Como assim, prender Satanás?". "Bota ele no camburão". E aí já fiquei ali dentro do camburão, sem ter o entendimento necessário, sem saber o que fazer, pedindo para minha esposa entrar em contato com os meus advogados para ver o que estava acontecendo. Minha casa começou a ser depredada. As minhas coisas de religião foram em parte destruídas. Quem é que vai reparar isso? Cabe à Justiça o que é que vai se arrolar. Como religioso, cabe somente dizer uma coisa para o senhor Fermino. Que perdoo ele, pela ignorância. Agora, quanto à parte técnica da coisa, da investigação, do que ele disse, do que ele fez ou deixou de fazer, isso deixo a cargo dos meus advogados e o jurídico tomar conta.
Quando ele lhe disse essa frase, o que o senhor pensou na hora?
Até por um momento, achei que pudesse ser uma pegadinha. Não pode, é uma pegadinha, porque nunca vi isso acontecer, uma forma de identificação assim.
O senhor conhecia o delegado?
Não, nunca ouvi falar dele. Conheci no dia que adentrou no meu sítio.
O senhor conhecia os empresários que foram apontados como supostos mandantes do crime, ainda que informalmente?
Não, nunca vi essas pessoas, nem pessoalmente, nem por telefone, nem por nada. O meu primeiro contato com essas pessoas foi dentro da cela, na chegada à delegacia, e somente isso. Eu desconheço essas pessoas, não sei de onde vêm, quem são, por que estão envolvidas nisso. Eu não tenho nenhuma informação a dar sobre isso.
O senhor acredita que pode haver aspectos de sua religiosidade que tenham sido incompreendidos pela polícia?
Creio que houve um mal entendido. Porque, através do meu trabalho, eu sou muito conhecido no mundo inteiro, no Brasil inteiro. E eu não sei dizer como apareci em torno dessa acusação, desse fato ocorrido. E cabe até a mim salientar a vocês o meu repúdio a essas questões que as pessoas utilizam da religiosidade para sacrificar pessoas, seres humanos. Eu não faço parte disso, nunca fiz. Então quero deixar meu repúdio a isso, porque isso não é religiosidade. Porque a maldade não está na religiosidade, e sim nas pessoas que conduzem a religiosidade.
O delegado que ordenou a sua prisão falava bastante em sacrifícios. O senhor já fez algum ritual desse tipo, ou utilizando animais?
Dentro da minha filosofia e minha doutrina eu não utilizo sacrifícios de animal, de forma alguma. Existem pessoas ligadas à religiosidade que sacrificam galos, galinhas, coisas assim. Em minha situação em especial, estava na minha residência a minha ex-esposa, que fazia essas ritualísticas de aves, de cabrito. Eu não utilizo essa forma ritualística. Eu trabalho com outra linhagem, com frutas, com invocações, com evocações. Não utilizo do sangue.
Se partirmos por esse preceito de que quando mencionamos magia é o mal, eu acho que as pessoas têm que buscar o conhecimento e o entendimento antes de fazer essa crítica. Meu trabalho não é do mal, nunca foi do mal.
Gostaria que o senhor me explicasse um pouco de seu trabalho.
Eu trabalho com a linha de quimbanda, que é associada ao Exu. Eu trabalho como um mestre de magia. Eu quero salientar e deixar bem claro que eu não sou bruxo, nunca fui bruxo. Eu trabalho com quimbanda, trabalho com magia, sou um mestre de magia. Mas ao contrário do que as pessoas pensam. Falam em magia e associam à magia negra. A magia não tem cor, a magia é uma só. Então, se partirmos por esse preceito de que quando mencionamos magia é o mal, eu acho que as pessoas têm que buscar o conhecimento e o entendimento antes de fazer essa crítica. Meu trabalho não é do mal, nunca foi do mal.
As pessoas procuram o senhor em que situações?
Diversas situações. Desde uma busca de um emprego, de um trabalho, desde um favorecimento dentro da família para que a pessoa possa ter sucesso nos estudos, recompor uma relação através de um resgate emocional.
Há cobrança de algum valor? Como funciona?
Dentro do meu site, está escrito ali: "O templo agradece por suas doações". É claro que hoje em dia nada é de graça, as pessoas vivem em um mundo capitalista. Até para eu poder fazer o ritual em si para as pessoas eu preciso dos materiais. Então são cobrados os materiais e a gratificação fica por conta das pessoas.
Em um dos depoimentos, o senhor afirma que morava no templo com seu filho. Há quanto tempo?
Moro entre sete e oito anos lá, tempo corrido. Lá é a base onde eu faço os meus trabalhos, porque eu sou contra totalmente a largar despachos em encruzilhada, a largar as coisas na rua, fazer sujeira na rua. Eu acho que isso é injusto com a espiritualidade e também com a sociedade. É uma área rural, e eu tinha tudo de que eu precisava ali para fazer os meus rituais. Tranquilidade para não incomodar ninguém com barulho do tambor. Tranquilidade para poder receber o cliente e fazer o ritual dele.
E nunca se incomodou com os vizinhos?
Com vizinho, não, nunca. Eu nunca tive nenhuma forma de incomodação com quaisquer pessoas quanto à minha religiosidade, exceto agora.
Por que aquele local? O senhor comprou...
Não, ali é arrendado. Eu pago aluguel mensal.
A localização da propriedade tem algum significado para o senhor?
Eu gosto da área rural, eu gosto da vida do campo, sempre gostei. Eu preciso ter uma tranquilidade para eu fazer os trabalhos e as coisas acontecerem. Então ali é um lugar mágico, vamos dizer assim.
A polícia foi à propriedade posteriormente para verificar um caso de furto de energia. Na ação, a sua esposa, Aline Mello, foi presa. O que o senhor sabe disso?
É uma questão totalmente à parte do que está ocorrendo na minha vida. Vou te dar meu entendimento sobre isso. Aline não tem nada a ver com isso. Foi uma armação da polícia. Se tu andar pela cidade, te dou três referências. Vai achar mais de mil gatos. Ninguém faz nada. Armaram uma situação para minha esposa junto com a mídia, junto com a imprensa. Ela foi de sangue doce. Ligaram para ela para abrir o portão e para que eles pudessem prosseguir com a perícia dentro do sítio. E ela chegou de bom coração para poder abrir e deixar a Justiça fazer o trabalho dela. Soube pelo advogado que ela tinha sido presa. Imagina o desespero.
Vou fazer o possível e o impossível para poder ajudar a Justiça a elucidar essa barbárie desse caso. O que eu puder fazer, estou à disposição da Justiça para isso. Eu quero que achem os culpados.
Vocês sofreram ameaças?
Uma nação inteira querendo te matar. A notícia correu o país inteiro, no Exterior. Eu tenho amigos na Argentina. Como eu vou entrar nas fronteiras? Como vou chegar no aeroporto e fazer um embarque com a minha família? Quem vai reparar isso? Você imagina o Brasil inteiro querendo me matar. Sua esposa é presa, encarcerada, humilhada.
O sentimento é de revolta?
Eu não diria de revolta, mas de tristeza, muita tristeza. Porque o que eu construí em 21 anos, em 46 dias foi devastado. Ninguém vai me reparar isso. A minha integridade, a minha moral, quem vai reconstruir?
Vocês pensam em se mudar?
O Brasil é grande. E isso repercutiu nacional e internacionalmente. Não sei o que fazer. Não conversamos sobre isso ainda, não tivemos tempo para organizar isso tudo. Não sei ainda que atitude vamos tomar, mas vamos elaborar alguma coisa, com certeza, e vamos ver o melhor destino, o melhor caminho a se trilhar. A única certeza que lhe dou é que eu vou andar de cabeça erguida e ela também. E vou fazer o possível e o impossível para poder ajudar a Justiça a elucidar essa barbárie desse caso. Quero que achem os culpados.