Golpes
RS tem 55 vítimas de estelionatários por dia
Entre janeiro e setembro deste ano, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública, foram 15.032 casos registrados no Estado
"Será que isso não é golpe?". Quando essa dúvida surgiu já era tarde para uma aposentada, moradora da Região Metropolitana. Uma dupla tinha escapado com seus R$ 5 mil. Em média, por dia, 55 vítimas de golpistas procuram a polícia no Rio Grande do Sul. Entre janeiro e setembro deste ano, segundo a Secretaria da Segurança Pública, foram 15.032 registros — 1,2 mil a mais do que no mesmo período de 2017.
Marisete de Fátima de Oliveira, 47 anos, aposentada há quatro meses, é autora da inquietação que abre esse texto. Na terça-feira, pretendia pagar algumas contas no centro de Sapiranga. Passou no banco e sacou pagamentos atrasados da aposentadoria. Estava ansiosa por receber a quantia. Caminhava pela rua quando viu um rapaz passar apressado e deixar cair um envelope com dinheiro. Outro homem pegou rapidamente..
— Vamos dividir? — sugeriu para a aposentada.
— Não, é dele. Tu tem de entregar. Não se deve ficar com o que não é da gente — repreendeu Marisete.
Enquanto discutiam, o suposto dono do dinheiro retornou e a aposentada fez o homem devolver o envelope. Grato, o jovem disse que trabalhava próximo dali e daria uma gorjeta aos dois. O homem foi o primeiro a buscar a recompensa e voltou dizendo à mulher que era a vez dela. A aposentada atravessava a rua, quando se deu conta que tinha deixado a bolsa. Voltou correndo, mas era tarde. Os dois tinham sumido com seus R$ 5 mil. Só restou o malote que o rapaz deixou cair.
— Meu Jesus amado, e agora? — lamentava Marisete.
A aposentada pegou o pacote, acreditando que havia dinheiro dentro. No trajeto para casa, contou a história a um taxista que lhe alertou: "o malote deve estar vazio". Quando abriu, só encontrou jornal enrolado. A aposentada procurou a Polícia Civil, e o caso é investigado.
— Fiquei desatinada. Me levaram tudo. É duro saber que um dinheiro que tu sofreu para ganhar te levam assim. Dói na gente isso. Não quero que aconteça com outras pessoas — diz.
Entre os golpes mais comuns, além do falso pacote de dinheiro, que a aposentada foi vítima, está o conto do bilhete premiado. A trapaça também envolve uma espécie de teatro por parte dos golpistas, que inserem a vítima em um enredo. Mulheres idosas costumam ser os principais alvos.
A principal orientação é não dar chance para o estelionatário começar a falar porque depois fica bem difícil se livrar disso
LARISSA FAJARDO
Titular da Delegacia do Idoso
— O idoso é uma vítima muito fácil para crimes de estelionato, por ser uma pessoa crédula e pelo fato de que gosta de conversar. Tem vergonha de ser mal educado — explica a delegada Larissa Fajardo, titular da Delegacia do Idoso de Porto Alegre.
A Capital concentra quase um quarto dos estelionatos no Estado (24%). Acostumada a atender casos esse tipo, a delegada diz que o poder de convencimento do estelionatário é alto. Aproveitam que a vítima não tem a mesma capacidade de raciocínio, por conta da idade, e falam sem parar. O golpe, em geral, envolve promessa de recompensa.
— Tem casos em que as vítimas andam de carro com pessoas que nunca viram. Levam dentro de casa. Entregam dinheiro, joias. Um deles é sempre alguém bem vestido, que fala bem, tem profissão de vulto. E outro diz ser do Interior, fala errado — relata Larissa.
Envolvidas na trama, as vítimas demoram até mesmo para acreditar que é um golpe. Nos casos em que são interceptadas por policiais ou algum funcionário de bancos, muitos não aceitam a verdade. Quando se convencem, surge a vergonha e o receio de contar aos familiares.
— Às vezes, inventam que foram extorquidos, ameaçados com armas, dopados. Não querem admitir que caíram no golpe. Alguns choram. A principal orientação é não dar chance para o estelionatário começar a falar porque depois fica bem difícil se livrar disso — alerta a delegada.
Para a polícia Passo Fundo é o berço dos golpistas
Um dos pontos que desafia a investigação é o fato de esses criminosos mudarem com frequência de município e de aparência. Em setembro, duas mulheres e um homem foram presos no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre, enquanto tentava enganar uma vítima com o conto do bilhete. Os três eram naturais de Passo Fundo.
O município da Região Norte é considerado berço dos estelionatários especializados no golpe do bilhete. Está em 10º no ranking estadual entre os que mais registram esse tipo de crime em 2018. De lá, os golpistas partem para diferentes cidades ou até outros Estados.
— Criminosos envolvidos com tráfico e roubo migraram para o conto do bilhete porque têmesse sentimento de impunidade. Eles viajam, ficam uma a duas semanas fora. Passam uma semana em Cascavel, Foz, São Paulo e vão indo. São meio que professores nisso — afirma o delegado da Defrec de Passo Fundo, Diogo Ferreira.
Em junho, megaoperação da Polícia Civil contra o golpe do bilhete recolheu no município veículos, barcos, dinheiro e joias, entre outros. Foram bloqueados mais de R$ 30 milhões em bens. A apreensão evidencia que esse tipo de crime revela outra face do delito: a lavagem de dinheiro. Foram abertos mais de 60 inquéritos, que seguem em andamento para investigar a rede de golpistas.
— Alguns dos investigados são milionários, com apartamentos no litoral catarinense, em Passo Fundo, lanchas, moto aquática. Tem padrão de vida luxuoso, com ostentação — afirma.
Campanha alerta moradores
Em Santa Cruz do Sul, a prefeitura, em parceria com o Ministério Público e as forças de segurança, lançou campanha com objetivo de orientar as pessoas para que reconheçam possíveis tentativas de golpe e saibam como agir. O material educativo inclui um vídeo, panfletos e cartazes. O município esteve em 14º no ranking dos municípios que mais registraram estelionatos no ano passado e está em 22º neste ano.
Vídeo com orientações:
Como se proteger:
- A principal orientação é não acreditar em desconhecidos que lhe abordam na rua ou por telefone. Desconfie.
- Não faça depósitos bancários e nem recargas de celulares para quem não conhece.
- Se o contato for por telefone, questione a pessoa sem dar nomes de familiares e converse com outros parentes para se certificar sobre a possibilidade da história ser real.
- Depósitos só são confirmados pelo banco após a conferência do envelope. Então, aguarde para entregar a mercadoria.
- Se for vítima, chame a Brigada Militar ou vá até a Polícia Civil. Tente descrever aos policiais o máximo de características físicas dos golpistas.