Feminicídios
Bruna: mesmo com medida protetiva, foi arrastada e morta em Santo Augusto
Diferente da maioria das vítimas de feminicídio, Bruna Danieli Pereira, 29 anos, tinha decisão judicial que, em tese, impediria aproximação do ex
Ao contrário da maioria das vítimas, Bruna Danieli Pereira, 29 anos, tinha medida protetiva contra o ex. Decisão que não impediu de ser atacada em Santo Augusto, município de 13 mil habitantes, no Noroeste, arrastada pelos cabelos e esfaqueada.
As duas filhas órfãs vivem agora com a avó. A caçula completou dois anos no dia 25 de outubro. A relação que terminaria com o assassinato da mulher durou cerca de quatro anos. No início, o relacionamento parecia ir bem. Mas, logo após o casamento, a família soube das agressões.
— Ele batia, ela ia para a casa da mãe, ele pedia para voltarem, ela voltava, e assim sucessivamente. Ela não queria dar parte na polícia por medo — recorda a irmã, Márcia Francieli Pereira, 31 anos.
Após uma série de agressões, Bruna precisou ser hospitalizada e decidiu se separar. Outros episódios de violência voltaram a acontecer, o que levou a mulher a registrar ocorrência - apesar do medo. Em fevereiro, conseguiu medida protetiva contra o ex-companheiro e voltou a morar com a mãe.
— Ele a ameaçava todos os dias. Eu dizia: "Ele vai matar a Bruna". Ela não tinha mais paz. Um dia, antes de matá-la, ele ligou, pediu para ela voltar. Ela disse não. Ele disse que a amava — relata Márcia.
Na madrugada de 25 de junho, gritos romperam o silêncio no bairro Santo Antônio, mas não impediram o assassinato. Bruna retornava de um baile quando encontrou com o ex. No meio da rua, foi atingida por facadas no peito e no pescoço.
Em depoimento, Adair Santos da Silva, 37 anos, que segue preso, confessou o crime. Disse que discutiu com a ex e teria se defendido de agressões. O réu foi denunciado pelo Ministério Público, e o caso tramita em segredo de Justiça. A família discorda da versão do suspeito.
— Ele a pegou, espancou na rua, arrastou pelos cabelos quase uma quadra. Ela correu, pediu socorro, gritou pela vida. Ninguém ajudou. Ninguém teve coragem de ajudar, de, pelo menos, sair na janela e gritar para parar — critica a irmã.
A vida de Bruna foi encerrada a poucas quadras da casa da mãe, na rua onde costumava passear com as filhas. Foi a segunda perda trágica de Vânia Salete Pereira, 49 anos, em menos de dois anos. Em dezembro de 2016, outro filho havia sido assassinado durante uma briga.
— Tem de levar a vida adiante. Não há o que fazer. Só sentir saudades e chorar. E criar as netas que ela me deixou — resigna-se.
Dentro de casa, precisou guardar as fotos da filha, pois chorava muito. Toma antidepressivos e passa por tratamento psicológico. Tenta ainda entreter as duas netas, que chamam pela mãe todos os dias. A caçula caminha até a rua, aponta com o dedinho e balbucia: "A mama? A mama?". Pede pela mãe e também pelo pai. Já a menina de oito anos adotou um silêncio incomum para a idade.
— A Bruna se envolveu com ele e não conseguia sair daquele relacionamento. Quando conseguiu, teve a morte como recompensa da própria liberdade. Isso devastou nossa família — conclui Márcia.
Proteger é preciso
Em 2017, foram concedidas 38,6 mil medidas protetivas a mulheres gaúchas. O número é o maior do país, conforme o Conselho Nacional de Justiça. Mas não dá conta de todos os episódios de violência contra a mulher: apenas em dois dos 60 casos de feminicídio analisados por ZH, foi identificado que a vítima tinha medida protetiva contra o agressor.
- Mais de 70% das mulheres mortas sequer tinham efetuado um registro de ocorrência. Dessas, mais de 70% não tinha medida protetiva. A gente salva vida, sim - argumenta a juíza Madgéli Frantz Machado, titular do 1º Juizado de Violência Doméstica de Porto Alegre.
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