Vale do Sinos
Fã de música gaúcha, apaixonado por motos e recém-empregado: quem era o jovem assassinado no hospital
Gabriel Vilas Boas Minossi, 19 anos, foi executado por engano na casa de saúde, em São Leopoldo, na madrugada desta sexta-feira (9)
No meio da madrugada desta sexta-feira (9), o celular começa a tocar incessantemente. Ainda sonolento, o empresário Marcelo Minossi tateia os móveis próximos até encontrar o aparelho. Era sua irmã, Márcia Minossi, 45 anos, que estava acompanhando o filho dele, Gabriel Vilas Boas Minossi, 19 anos, internado no Hospital Centenário, em São Leopoldo.
"Vem para o hospital que atiraram no Gabriel", alertou Márcia, com a voz embargada, sem dar muitos detalhes.
— Eu comecei a tremer — lembra o pai.
Minossi colocou a primeira roupa que encontrou e saiu da casa da namorada, em Cachoeirinha, na Região Metropolitana. Em 20 minutos, chegou ao hospital. Já era quase 5h e ele ainda não sabia da morte do filho.
— Uma mulher que trabalha no hospital se aproximou e me perguntou: "tu que é o pai do jovem que morreu baleado?". E eu nem sabia de nada. Em seguida, um porteiro do hospital veio me abraçar — relata Minossi.
Apesar de ter recebido conforto, ele não teve coragem de ver o filho sem vida. Por volta do meio-dia, ainda esperava ser chamado para fazer a identificação do corpo no Instituto-Geral de Perícias (IGP).
— Acho que aí vai cair a ficha — lamentou.
Chamado desde criança de Gordinho por amigos e familiares, ele estava internado desde 1º de novembro na casa de saúde. O jovem havia sofrido um acidente de trânsito. A motocicleta em que estava colidiu em um Nissan Versa, na BR-116, em São Leopoldo.
No dia do acidente, voltava do serviço, em Campo Bom, e ia para a casa de seu pai, em Cachoeirinha. O jovem era mecânico de uma multinacional de bebidas e tinha sido contratado há cerca de dois meses, após ficar um ano desempregado. Durante o tempo que ficou sem trabalhar, fazia bicos de cuidador de crianças em festa infantis.
Devido ao acidente, o jovem fraturou as duas pernas, passou por uma cirurgia e estava prestes a receber alta nessa quinta-feira (8). Só não deixou o hospital por ter sido constatada pressão alta e falta de ar. Para o pai, o quadro clínico era reflexo da apreensão do jovem de ficar no hospital.
— Era nervosismo do que acontecia na volta — acredita.
Durante a semana que permaneceu na casa de saúde, os pais do jovem se revezam para pernoitar no local. A mãe Indianara Villas Boas, 40 anos, veio de Santa Catarina para ajudar, onde mora há cerca de dois anos.
Na quinta-feira (8), o pai viu o filho com vida pela última vez. A visita no hospital durou 1h. A fotografia que ilustra essa reportagem, feita ainda no leito da casa de saúde, agora serve como uma lembrança para Minossi.
— Estava alegre, falante. Eu lembro de fazer cócegas nos pés dele e ele ficar reclamando — diz o pai, com os olhos cheios de lágrimas.
Minossi pediu para uma irmã dele pernoitar no hospital naquela que seria a última noite de Gabriel internado. O pai queria arrumar a casa. Antes de sair dali, soube que Gabriel dividia quarto com um criminoso, Alex Junior Abreu Tubiana, 28 anos — o verdadeiro alvo dos atiradores desta sexta-feira. Soube ainda que uma mulher procurou Tubiana no hospital antes de trocar de quarto e que criminosos estariam rondando o local desde as 16h.
No momento que os assassinos entraram no quarto, Gabriel estava na primeira cama de quem acessa o cômodo: no leito 23. Após os tiros, a tia dele ainda correu na sua direção. Assustou-se ao ver o sobrinho com o peito todo ensanguentado.
— Ele deu o último suspiro no pé dela — conta o pai.
Apaixonado por música gauchesca
O jovem era um apaixonado pela música tradicionalista gaúcha e, desde os seis meses de idade, já frequentava com o pai a Sociedade Gaúcha da Lomba Grande, em Novo Hamburgo. Desde que retornou de Santa Catarina, há cerca de um ano, voltou a frequentar o grupo tradicionalista com a família.
Desde o começo da manhã desta sexta-feira, o pai começou a receber mensagens de integrantes de bandas tradicionalistas, lamentando a perda. Para homenagear o gosto pela cultura gaúcha, a família decidiu sepultar Gabriel com bombacha, chinelo campeiro e camiseta do grupo que ele fazia parte. O enterro deve ocorrer no Cemitério Municipal de Cachoeirinha.
— Ele era um guri ímpar. Tocava violão e cantava. Apreendeu tudo no coral da igreja — detalha o pai.
Quando criança, Gabriel foi criado entre a casa do mãe e do pai. Os dois não chegaram a casar. Eram amigos e tiveram um breve relacionamento. Três semanas depois, Marcelo descobriu que seria pai.
Apaixonado por motos, o jovem pretendia abrir uma oficina com o pai. Mas com o emprego recente, ainda não tinha planejado frequentar uma faculdade.
— Ele estava feliz de estar trabalhando. Recebeu o primeiro salário desse emprego e já queria comprar uma televisão. E eu disse: "calma lá" — lamenta.