Polícia



Região Metropolitana

Lixo, ratos e policiais longe de suas funções: um retrato da superlotação de delegacias

Por falta de vagas no sistema prisional, oito DPs da Grande Porto Alegre abrigam 83 detentos — 10 deles algemados no interior de um micro-ônibus

21/11/2018 - 21h50min


Leticia Mendes
Leticia Mendes
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Camila Domingues / Agencia RBS
Na DPPA de São Leopoldo, detidos são confinados junto a lixo e restos de comida apodrecidos

— Tudo que a gente quer é uma vaga no sistema.

O apelo de um dos presos em disputa pelo pouco espaço nas celas e num micro-ônibus da Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) de São Leopoldo evidencia a realidade que transformou DPs em presídios improvisados. Nesta quarta-feira (21), chegou a 83 o número de detentos mantidos em oito delegacias da Região Metropolitana.

Em São Leopoldo, pela manhã havia 25 encarcerados na DPPA, segundo a Polícia Civil.  À noite, o número havia baixado para 17. Da mesma delegacia, oito presos tentaram escapar em outubro, mas acabaram contidos pelos agentes. No meio da tarde desta quarta-feira (21), em quatro celas escuras, com cerca de dois metros cada, 12 presos se acotovelavam — cinco deles adolescentes com idades entre 14 e 16 anos.

— Tô aqui há 15 dias — responde um dos detentos, que está ali há mais tempo.

A maioria, no entanto, relata estar há quatro ou cinco dias. Cerca de 70% dos presos, conforme o Departamento de Polícia Metropolitana, é mantido por, pelo menos, mais de 24 horas nessas celas, com alimentação e higienes precárias. O período de permanência no local deveria somente para fazer o flagrante e encaminhar em seguida ao sistema prisional. A falta de vagas, no entanto, força a estadia prolongada.

— Estão descumprindo a lei, é um deboche — critica o vice-presidente do sindicato que representa escrivães e inspetores da Polícia Civil, a Ugeirm, que esteve na DPPA nesta tarde.

Em frente às celas, restos de comida apodrecem espalhados pelo chão, junto com embalagens descartadas pelos presos. O odor se espalha pelos corredores do prédio, mesmo local onde vítimas de crimes aguardam sentadas por atendimento. Aos fundos, no pátio, em um micro-ônibus antigo outros 10 homens algemados nos bancos do veículo. Três já tinham sido transferidos para o sistema prisional no meio da tarde.

— Essa situação é muito perigosa. Já teve algumas tentativas de fuga que poderiam ter acarretado em algo mais grave — relata um agente, que trabalhou na delegacia. 

A gente não tem estrutura para controlar isso. Esse período de permanência não deveria passar de 24 horas. E não é o que está acontecendo. Boa parte está ali há mais tempo, sem banheiro, sem cama.

DELEGADO FÁBIO MOTTA

Diretor do Departamento de Polícia Metropolitana

A situação se reflete na saúde dos policiais, que deixam o trabalho da investigação, para o qual foram treinados, para exercerem a função de carcereiros, em um ambiente sem estrutura. Em outubro do ano passado, o sindicato chegou a se reunir com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) no Uruguai para expor a situação.

— Aqui tem rato e barata. Tem risco o tempo todo. Inclusive de contrair uma doença. Os policiais precisam atender as pessoas e os presos. Não dão conta disso e a população nos cobra. Qual a condição de atendimento aqui? É desumano — critica Isaac Ortiz, presidente da Ugeirm. 

Camila Domingues / Agencia RBS
Com falta de vagas dentro da carceragem da DPPA de São Leopoldo, detentos foram algemados em micro-ônibus

"Deveria estar resolvido" 

Segundo o diretor do Departamento de Polícia Metropolitana, delegado Fábio Motta, a situação mais crítica atualmente ocorre justamente nas delegacias do Vale do Sinos. São Leopoldo e Novo Hamburgo tinham o maior número de presos nesta tarde. Na terça-feira (20), o número de detentos nas delegacias da Região Metropolitana chegou a 93.

— Não é o quadro caótico que tivemos no final do ano passado, com até 200, mas é uma situação que deveria estar resolvida. E quando os números começam a aumentar outra vez é sempre preocupante. É um problema que está conosco, mas a solução não depende da Polícia Civil — avalia.

O policial afirma que os agentes precisam ser deslocados das funções para transportar e custodiar os presos. Policiais militares também permanecem nas delegacias. Com a presença de familiares e advogados, a rotina nas delegacias também se altera.

— A gente não tem estrutura para controlar isso. Esse período de permanência não deveria passar de 24 horas. E não é o que está acontecendo. Boa parte está ali há mais tempo, sem banheiro, sem cama — diz o delegado. 

Contraponto 

A Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP) informou que a capacidade da carceragem das delegacias da Região Metropolitana é de 112 presos e que, portanto, não há superlotação. Já a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) afirmou que a permanência ocorre por conta da superlotação nas cadeias, mas que gerencia diariamente a abertura e o encaminhamento de vagas para reduzir o índice de presos que aguardam nas delegacias. Em relação a São Leopoldo, o órgão prometeu encaminhar todos (exceto os adolescentes) para unidades prisionais até o fim do dia, conforme a disponibilidade de vagas. GaúchaZH aguarda retorno do Tribunal de Justiça (TJ) sobre a situação dos adolescentes. 

Confira a nota da Susepe na íntegra: 

"A Susepe, por meio do Departamento de Segurança e Execução Penal (DSEP), é quem gerencia a abertura e o encaminhamento de vagas diuturnamente  para reduzir o índice de presos que aguardam vagas em Delegacias de Polícia da Região Metropolitana. 

Além do encaminhamento de vagas, o DSEP monitora dezenas de estabelecimentos prisionais, cujo processo se inicia a partir da análise de iminentes progressões de regimes. Após esse trâmite, a Susepe solicita autorização junto ao Poder Judiciário para a soltura de preso, assim permitindo a disponibilização de uma nova vaga.

Quando  há a disponibilidade dessa vaga, é realizada a pesquisa nas Delegacias e nos Centros de Triagens,  para posterior encaminhamento dos detentos para as casas prisionais compatíveis com o seu perfil. A busca é incessante para que presos não fiquem nas Delegacias de Polícia, o que ocorre devido à superlotação dos presídios.

Dos 24 detentos que estavam na Delegacia em São Leopoldo: três já foram encaminhados a estabelecimentos prisionais ainda ontem (20/11); cinco são menores e, portanto, não são responsabilidade da Susepe; e dois já foram encaminhados na manhã de hoje. Os 14 detentos que ainda permanecem na Delegacia devem ser encaminhados ainda hoje, conforme disponibilidade de vagas."

A situação por município

  • Porto Alegre: 10 detentos em delegacias (2ª DPPA e 3ª DPPA)
  • São Leopoldo: 25
  • Canoas: 17
  • Novo Hamburgo: 13
  • Gravataí: 8
  • Viamão: 7
  • Alvorada: 3
  • Total: 83

Fonte: Departamento de Polícia Metropolitana, em levantamento na manhã desta quarta-feira (21)


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