Homicídio no Bom Fim
Após três anos, família quer solução para assassinato em Porto Alegre
Instrutor de tiros Jorge Vicente Goulart da Silva foi morto na Capital, em abril de 2015. O caso foi arquivado sem identificar autor do crime
Sirlei Goulart da Silva, 77 anos, lembra com detalhes da última vez que viu Jorge Vicente Goulart da Silva, o filho do meio de uma prole de seis. Em jantar na casa onde mora com a primogênita e uma neta, em Porto Alegre, em meados de abril de 2015, recebeu Jorginho, como era chamado, na época com 42 anos. Apesar de ter passado mais de três anos do encontro, a mãe ainda consegue recordar o cardápio preparado por ela naquela noite: arroz com linguiça.
— Aquele dia foi diferente. Parecia uma despedida. Jantou comigo, não se queixou. Não queria me preocupar — conta Sirlei.
Dias depois do encontro com os parentes, Jorginho foi assassinado. Ele chegava a sua casa, na Rua Santo Antônio, no bairro Bom Fim, área central da Capital, por volta da 1h de 25 de abril de 2015, um sábado, quando foi atingido por três disparos, um deles perfurou o pulmão. Jorge, que trabalhava como instrutor de tiros, estava em sua Harley-Davidson quando um Fiesta prata parou ao lado – o carro nunca foi identificado. Um dos ocupantes atirou. Depois, os criminosos fugiram sem levar nada. A mulher dele ainda ouviu os pedidos de socorro. Jorginho chegou a receber atendimento no Hospital de Pronto Socorro, mas morreu.
Passados três anos e sete meses, o crime ainda é um mistério. O caso foi investigado pela 2ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). No primeiro momento, o delegado Filipe Bringhenti comandou a apuração. No ano seguinte, o inquérito foi remetido à Justiça pela delegada que assumiu a 2ª DHPP, Roberta Bertoldo, sem indiciamentos. Cerca de 20 pessoas foram ouvidas, mas não foi encontrado nenhum suspeito ou motivação para o homicídio.
Segundo a delegada, esse é mais um crime que a Polícia Civil não conseguiu elucidar, ainda que tenham sido realizadas diversas diligências. No Ministério Público, o caso acabou sendo arquivado em junho deste ano. O promotor responsável se aposentou. A substituta, que assumiu após o arquivamento, não conhece o caso e não quis falar com a reportagem.
Lamento não ter estado com o meu filho quando ele mais precisou de mim.
SIRLEI GOULART DA SILVA
Mãe de Jorge
Ainda que faça parte da rotina dos investigadores não desvendar todos os crimes, a falta de resposta aumenta a dor dos familiares. Os parentes chegaram a contratar advogado para acompanhar o caso junto à Polícia Civil.
—Não vou morrer sem ver preso quem fez isso com meu filho. Quero justiça — desabafa a mãe.
Postagens feitas pelo instrutor de tiros em redes sociais antes do crime intrigam a família, que acredita que ele estivesse sendo ameaçado. “Agora vou constituir um advogado e buscar meus direitos na Justiça”, escreveu Jorge em uma publicação. Apesar das supostas intimidações, ele não chegou a registrar boletim de ocorrência.
Doença fez com que parasse de trabalhar
Em camisetas, a família exibe a foto de Jorge Vicente Goulart da Silva com sorriso no rosto. Ao lado, o xodó dele: uma Harley- Davidson – a motocicleta que pilotava no dia do crime. Uma frase resume o apelo: queremos justiça. Ao redor, o pequeno Jorginho se mostrava alheio à dor. Uma das sobrinhas, Luciana Goulart, deu ao filho de pouco mais de um ano o nome do tio.
— Decidi quando soube que estava grávida — conta Luciana.
Segundo os familiares, Jorginho tinha duas paixões: a profissão de instrutor de tiros e a moto, que comprou depois de ter descoberto ter esclerose múltipla – mal que ataca o sistema nervoso central e pode provocar perdas na capacidade motora e na fala. Foi em razão da doença que precisou deixar o trabalho em 2010.
— Foi fazer uma apresentação, mas sentiu formigamento na mão. Depois disso, parou de trabalhar — conta a sobrinha Karina Goulart.
Com orgulho e nostalgia, uma das irmãs de Jorge, Izabel Cristina Goulart, mostra placas, medalhas e menções honrosas que ele recebeu como instrutor de tiros. Conta que era colaborador da polícia e sonhava ser agente federal.
— Não me convenci com o fato de ele ter sido assassinado em frente de casa, na Rua Santo Antônio, e ninguém ter descoberto nada. A gente não sabe o que fazer. Só temos vontade de gritar, de pedir ajuda — complementa a irmã Izabel Cristina.
Depois do último encontro e antes do dia do crime, Jorginho chegou a ligar para a mãe dizendo que precisava lhe contar algo. Não teve tempo de dizer o que era. A dúvida sobre qual seria o desabafo sufoca dona Sirlei.
— Lamento não ter estado com o meu filho quando ele mais precisou de mim — afirma a mãe, sem conseguir conter as lágrimas.
O Ministério Público e a Polícia Civil não têm previsão de reabrir a investigação sobre o caso.Lamento não ter estado com o meu filho quando ele mais precisou de mim.