Violência em Canoas
Vivia para o trabalho e queria comprar casa: quem é a vítima do primeiro latrocínio do ano na Região Metropolitana
Eliseo de Oliveira Trajano foi atingido por um tiro no peito na frente da namorada e do enteado
A rotina de Eliseo de Oliveira Trajano, 38 anos, no último domingo (6), foi semelhante ao de muitos outros finais de semana. Funcionário do açougue de um mercado na Avenida Antônio de Carvalho, no bairro Jardim Carvalho, na zona leste de Porto Alegre, trabalhou até as 13 horas. Depois, resolveu tirar o restante do dia de folga. Foi passear com a namorada, com a qual mantinha um relacionamento de pouco mais de um ano, e o filho dela, de oito anos. Foram até Canoas, na Região Metropolitana. Nas redes sociais, o passeio foi registrado: uma foto publicada mostrava a felicidade da família.
O fim do domingo, no entanto, não foi nem de perto como esperado. Por volta das 21h30min, a família aguardava um ônibus na Avenida Boqueirão, próximo à Avenida Farroupilha. O objetivo era voltar para casa, em Viamão.
Dois criminosos armados abordaram o trio e exigiram que Trajano entregasse o telefone celular. Ele obedeceu a ordem dos ladrões. Ainda assim, um deles atirou, atingindo o açougueiro no peito. Ele morreu no local, na parada onde esperava o coletivo. Foi a primeira vítima de latrocínio na Região Metropolitana este ano.
Dois suspeitos, de 16 e 18 anos, foram detidos pouco depois, próximo ao local onde aconteceu o crime.
— Meu tio vivia para o trabalho. No dia que ele tinha uma folguinha, acontece uma coisa dessas — lamenta o sobrinho, William Trajano da Rocha, 24 anos.
O crime interrompeu os planos de Trajano. Um deles era ter uma casa própria. Na semana anterior, havia dito a uma das irmãs — são seis, no total — que planejava comprar uma moradia, usando o dinheiro do Fundo de Garantia (FGTS). Antes de morrer, ele morava em Viamão, com os pais e irmãos. Havia retornado para a moradia dos pais depois de se separar da ex-mulher, com quem teve uma filha de 15 anos.
Além da adolescente, Trajano tinha ainda o enteado, de oito anos. Ele presenciou o momento em que o padrasto foi morto.
— Meu tio era um pai pra ele — conta William.
Um choque para a família
Chamou atenção neste caso que, mesmo sem ter reagido, Trajano foi baleado. Para os familiares, o fato de não ter enfrentado os criminosos é exatamente a atitude que se esperava do açougueiro.
— Ele não reagiria. Não é do perfil dele. Já tinha sido assaltado outras vezes. Estava sempre alegre. Era um cara brincalhão. Moramos juntos por um tempo na casa dos meus avós. É difícil ver que alguém que te viu crescer vira vítima de um crime como esse — contou.
A morte prematura do açougueiro chocou a família, que está reunida no município de São Cristovão, em Santa Catarina, onde Trajano será sepultado. Os pais estão em processo de mudança para a cidade
De Viamão, os pais estão em processo de mudança para a cidade da serra catarinense. O motivo da transferência, de acordo com William, também passa pela questão da criminalidade.
— Me mudei para Imbituba (SC) por causa da segurança. Meus avôs também pensam nisso. Viramos a noite. Estamos aqui, toda a família unida. Nessas horas, a gente precisa de apoio. Está muito perigoso. Só estamos seguros em casa. Eu ainda estou em choque com tudo isso. Quando um criminoso faz isso, não destrói uma vida. Destrói a vida de todos os familiares — disse.
O sepultamento deve ocorrer na manhã desta terça-feira (8). Até a publicação desta reportagem, a família aguardava a liberação do corpo.
Suspeito preso não tinha antecedentes criminais
Depois de balear e matar Eliseo de Oliveira Trajano, os criminosos fugiram caminhando. Próximo ao local onde aconteceu o assassinato, a Brigada Militar (BM) capturou dois suspeitos. Um deles, de 16 anos, estava com o celular da vítima, além de um revólver calibre 22. Foi ele quem indicou onde estava o comparsa, de 19 anos, que tentou se desfazer de um revólver calibre 32, mas a BM encontrou a arma. O nome do jovem de 19 anos não foi divulgado pelas autoridades.
Aos policiais militares, o adolescente teria dito que o comparsa foi o responsável pelo tiro que matou o açougueiro. Em depoimento na delegacia, no entanto, os dois preferiram permanecer em silêncio. Os dois detidos são moradores do bairro Guajuviras, em Canoas.
Preso em flagrante, o suspeito de 19 anos não tinha antecedentes policiais. Já o adolescente tinha passagens por tráfico de drogas e posse ilegal de arma de fogo.
Segundo o delegado Luís Antônio Firmino, a motivação do crime, mesmo sem reação da vítima, ainda é um mistério.
— Não temos como saber porque atiraram. O esboço de um movimento pode ter dado a impressão de que ele iria reagir — explicou o policial.
A namorada de Trajano foi ouvida ainda na noite de domingo. O delegado Firmino aguarda o resultado da perícia que será feita nas duas armas apreendidas. O inquérito será concluído em 10 dias.