Transformação no cárcere
Realidade da primeira prisão sem guardas contrasta com a do Presídio Central
Cadeia pública de Porto Alegre tem população de 4,5 mil detentos para 1,9 mil vagas
Separados por apenas um muro, o Centro de Reabilitação Padre Pio Buck e o Presídio Central de Porto Alegre apresentam realidades distintas. Enquanto o primeiro abriga 12 recuperandos em um espaço para 30, o segundo tem uma população de cerca de 4,5 mil presos, em 1,9 mil vagas.
No Presídio Central, a maior parte das tarefas é desempenhada por servidores estaduais. Principalmente por policiais militares, que respondem pela vigilância e por questões burocráticas. Há profissionais, como psicólogos e assistentes sociais, ligados à Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). Os serviços médicos funcionam mediante convênio com a Associação Hospitalar Vila Nova.
Já na Apac não há servidores do Estado. São 140 voluntários formados em curso realizado pelo Ministério Público, que desenvolvem tarefas sem remuneração. Antes do primeiro repasse feito pelo Piratini para o custeio da unidade, alguns tiraram dinheiro do próprio bolso para garantir a sequência do projeto. Desta forma, atuam também dentista, médicos e um jardineiro.
Em ambas as casas, há trabalho prisional. No Presídio Central, um percentual inferior a 10% do total desempenha funções. Já no método Apac, o trabalho e o estudo são imprescindíveis. Entre as tarefas desempenhadas estão a de cozinheiro e auxiliar, encarregados da saúde e da manutenção, abertura e fechamento de portões e grades. No sábado, véspera do dia de visitas, em esquema de mutirão, todos participam da limpeza.
Um recuperando de 54 anos, com pena total de 36 por crime que não revela (seguindo um dos lemas do método: “aqui entra o homem, o delito fica lá fora”), chegou à Apac em 15 de março, depois de nove anos no Presídio Central. Em meio mês, já pode perceber diferença entre uma prisão e outra.
Acredito que essa organização externa (na Apac) é fundamental para quem está desorganizado internamente.
SONÁLI DA CRUZ ZLUHAN
Juíza da Vara de Execução Criminal
No Central, desempenhou a função de plantão de chave — a quem cabe abrir e fechar portões para a circulação dos presos. Os “jalecos chaveiros”, como são conhecidos, sofrem com a discriminação por parte da massa carcerária, por serem considerados “auxiliares da polícia”, ao desempenhar trabalhos que deveriam ser prestado pela guarda. Por conta disso, os riscos de agressões são constantes e eles ficam marcados, a ponto de serem ameaçados, mesmo quando deixam a prisão.
A mesma função é desempenhada por ele na Apac. No entanto, com o respeito e a consideração dos demais apenados. A começar pelo fato de ele ter sido eleito para a função.
— Estou num lugar que me sinto bem. Nem parece que eu estava ali, do outro lado. Era ruim o jeito que nos tratavam. Aqui até abraçam a gente.
Outra diferença é o tratamento dado aos visitantes. No Central, recebia apenas a mulher, por considerar que “não era um ambiente adequado para familiares”. Na Apac, reencontrou a filha e conhecer a neta, de três meses.
Responsável pela fiscalização das duas prisões, a juíza da Vara de Execuções Criminais Sonáli da Cruz Zluhan aponta diferenças.
— Tu entra na Apac e sente cheiro de limpeza. As coisas estão organizadas. Acredito que essa organização externa é fundamental para quem está desorganizado internamente. No Central, uma galeria tem 400 presos. Não tem cela. Não tem delimitação de espaço. Como vai organizar isso? Converso com presos e dizem que não aguentam mais. É um tumulto constante, dia e noite. É uma confusão e um ruído constante — afirma Sonáli.