Mistério em Sapiranga
Com pás e cães farejadores, polícia vasculha hangar em busca de pistas de empresário sumido
Celso Tonon, 58 anos, não é visto desde 7 de junho. Para polícia, ele foi morto por mecânico, mas corpo não foi encontrado
A temperatura sob sol a pino marcava quase 30ºC em Sapiranga quando os cães pastores Dylan e Lúcifer começaram a resfolegar pela mata rala, rastreando possíveis pistas de um empresário e piloto desaparecido há mais de quatro meses. Os cachorros são usados pela Polícia Civil na busca de Celso Tonon, 58 anos, aviador e fundador do aeroclube daquele município. Ele foi visto pela última vez em 7 de junho e desde então seus bens começaram a ser dilapidados. Foram vendidos cinco dos oito aviões, além de três luxuosos carros Mercedes-Benz, três veículos populares e um motorhome que usava como moradia.
Toda essa frota ficava guardada no aeroclube de Sapiranga, hoje desativado. A aparência do local é deplorável. O hangar onde repousam os aviões está tomado por poeira. Pulgas saltam à chegada dos visitantes, cachorros passeiam com ossos na boca, gatos correm atrás de ratazanas. A sujeira está acumulada há meses e o pó cobre as três aeronaves que restaram ali.
Um Beechcraft Bonanza, com sua característica cauda com leme em V, e um Cessna 172 estão intactos, prontos para voar, como define um antigo frequentador do hangar. Um bimotor Piper Navajo está canibalizado, com parte dos motores faltando e fiação à mostra, mas é recuperável. A carcaça de outro Piper, monomotor de asa baixa, também está pelo hangar. E há pelo menos quatro depósitos repletos de peças aeronáuticas, que eram vendidas por Tonon.
Os policiais civis, comandados pelo inspetor Carlos Medeiros e pelo delegado Clóvis Nei da Silva, estão convencidos de que Tonon foi sequestrado e assassinado. Isso porque um homem que atuava como mecânico de aviões e se dizia piloto informou a amigos que o empresário seria morto — mandou WhatsApp, inclusive, com a figura de um caixão, ao se referir ao aviador.
Mineiro de origem, o mecânico chegou no início do ano a Sapiranga e se dispôs a ajudar Tonon na manutenção de aeronaves. Era a única companhia do empresário, que vivia como um ermitão.
Para a polícia, foi o mecânico, que residia com Tonon, que, após o sumiço do piloto, vendeu cinco aviões e seis veículos do empresário, usando para isso redes sociais e ofertas a outros aviadores da região. Isso e mais as mensagens se referindo à morte do empresário fizeram os policiais pedirem a prisão do mecânico, que foi concedida pela Justiça. Ele está com prisão preventiva decretada, recolhido numa penitenciária em Charqueadas, mas jamais admitiu envolvimento nos crimes.
Como sem corpo é difícil comprovar homicídio, os policiais tentam descobrir o possível local onde Tonon foi executado e sepultado. Testemunhas falam que covas foram abertas no campo contíguo ao aeroclube, e obras foram feitas no hangar. Os dois cães farejadores foram usados, mas ainda não descobriram sinal do sumido.
Os policiais usaram pás, picaretas e enxadas para cavar buracos na mata e no pavilhão que guarda as aeronaves, em busca de um local de sepultamento. Uma retroescavadeira foi usada. Até o momento, em vão, mas a ideia é continuar.
Homens levaram aviador
As informações sobre o provável assassinato de Celso Tonon chegaram à Polícia Civil de várias formas. Algumas pessoas do distrito rural, onde fica o aeroclube, afirmam terem sido sondadas pelo mecânico para assassinar o empresário. Isso ajudou na decretação da prisão do suspeito — que não tem o nome divulgado.
Outras pessoas dizem ter visto situações suspeitas. GaúchaZH falou com um homem que parece ser o último a ver Tonon. Morador das imediações do aeroclube desativado, afirma que três sujeitos chegaram na noite de 7 de junho numa caminhonete, estacionaram junto ao hangar e falaram com o empresário por meio das grades de uma janela. O aviador teria concordado em sair e foi levado no carro, para local incerto. Nunca mais foi visto.
— Ele parecia conhecer os sujeitos ou ter negócio com eles. Saiu e não voltou. O mecânico estava ao lado do seu Tonon, mas não embarcou. Estranhei — descreve a testemunha.
O relato é visto com desconfiança pelos policiais, mas fecha com um diálogo que o mecânico teve, por WhatsApp, com uma amiga da Argentina. Foi em 7 de junho. O rapaz disse para ela que uns homens viriam buscar "o velho" naquela noite e, ao lado da frase, enviou imagem de um caixão. Em mensagens a outras pessoas, ele se disse que "ficou rico" com a morte de Tonon, mas aí a versão que coloca é que o empresário teria morrido de câncer.
Vizinhos do aeroclube, ouvidos pela reportagem, viram escavações num banheiro do hangar e numa construção que parece um depósito para combustível, no mato. Esses locais estão sendo cavados pelos policiais. Não há prazo para término das buscas.