Para desviar foco
Empresário preso por atacar vítimas com ácido em Porto Alegre repassou informação falsa à investigação, diz polícia
Wanderlei da Silva Camargo Júnior, 48 anos, foi detido na sexta-feira em Curitiba, no Paraná
Uma semana após a série de ataques com ácido na zona sul de Porto Alegre, em junho deste ano, a investigação recebeu um relato anônimo sobre a localização do HB20 branco, veículo usado nos delitos. Para a Polícia Civil, tratava-se de uma informação falsa, na tentativa de despistar os investigadores. O empresário Wanderlei da Silva Camargo Júnior, 48 anos, preso na sexta-feira (4) em Curitiba, no Paraná, admitiu que ele mesmo repassou a denúncia. A informação é do delegado Luciano Coelho, da 13ª Delegacia de Polícia.
Embora o suspeito detido não tenha prestado depoimento, conforme o delegado, informalmente ele confessou ter atacado pessoas aleatoriamente com objetivo de amedrontar a ex-esposa. Os crimes aconteceram em ruas por onde ela costumava transitar. Ele também contou, segundo o policial, que teria tentado desviar a investigação.
Em 28 de junho, quando estava a procura do homem que havia arremessado ácido contra quatro mulheres e um adolescente, a Polícia Civil recebeu uma informação anônima. Por meio do Disque-Denúncia, uma pessoa relatava ter visto um HB20 branco na Vila Cruzeiro, nas proximidades de onde ocorreram os ataques. Uma fotografia, com a placa do veículo, foi enviada.
— Peguei minha equipe toda e fui para a Vila Cruzeiro. Fizemos as diligências com colaboração dos moradores. Foi uma inspeção enorme, em várias ruas, becos. Não tinha carro nenhum. Os moradores diziam: "esse carro não esteve aqui". A comunidade contribuiu nas buscas. Como não encontramos nada, comecei a desconfiar que podia ser uma informação para despistar a polícia — recorda Coelho.
Após a prisão, de acordo com o delegado, o empresário admitiu que atacou as pessoas para que a ex ficasse com medo e aceitasse morar com ele no Paraná. Teria inclusive arremessado contra residências cartas com orientações para que novos ataques com ácido fossem cometidos. O homem também relatou, segundo o policial, que adquiriu um celular em Curitiba e usou para repassar a informação falsa à investigação. Quando fez a denúncia, o veículo, que havia sido alugado, estava novamente em uma locadora de Porto Alegre.
— Contou que mandou isso lá do Paraná. Relatou que comprou um celular e um chip, mandou a mensagem pelo WhatsApp e depois jogou fora o telefone. Enviou uma foto do HB20 com as placas trocadas, do Astra — explica o delegado.
A imagem, segundo o policial, havia sido registrada na Rua Francisca Prezzi Bolognesi, no bairro Hípica. Pelo GPS do veículo, a polícia descobriu que um HB20 alugado em nome do suspeito permaneceu estacionado nesta rua, das 22h30min de 20 de junho até as 6h54min do dia seguinte. Neste local, duas pessoas foram atacadas em sequência às 6h30min e 6h40min de 21 de junho. Conforme o delegado, nesta mesma rua, Camargo Júnior trocou as placas originais do carro alugado pelas de um Astra, levadas de uma oficina de Sapucaia do Sul.
— Ele troca a placa e faz a foto. Guarda a imagem para depois enviar e tentar prejudicar a investigação. Queria desviar o foco. Sabia que a polícia estava atrás e tinha medo de ser pego. Fez tudo premeditado — diz Coelho.
Após os ataques, o empresário teria recolocado as placas originais no HB20 alugado de uma locadora. Na sequência, teria se desfeito das placas furtadas do Astra. Ao delegado, ele contou que arremessou as duas no trajeto entre Porto Alegre e Esteio, no dia 21 de junho.
— Era uma manhã com bastante neblina. Jogou primeiro a dianteira e depois a traseira, em locais diferentes. Mas não soube precisar o ponto onde arremessou — relata o policial.
Quem repassa informações ao Disque-Denúncia tem a identidade mantida em sigilo. Por este motivo, os investigadores não tiveram acesso na época ao número que repassou o relato. No entanto, neste caso, poderá ser solicitada por meio judicial a quebra de sigilo.
Inquérito
Durante a prisão do suspeito, foram encontrados, dentro de uma pochete, chave de fenda, arames e os frascos que teriam sido usados para armazenar a substância. À polícia, o empresário relatou que teria usado ácido muriático, um produto de limpeza. Segundo o Instituto-Geral de Perícias (IGP), o líquido empregado nos ataques é ácido sulfúrico.
Novas perícias serão realizadas nas embalagens apreendidas e em um notebook. Embora tenha prazo de 10 dias para encerrar a investigação após a prisão do suspeito, a expectativa da Polícia Civil é finalizar o inquérito até esta sexta-feira (11). O empresário deverá ser indiciado pela lesão corporal grave provocada nas vítimas, pelo furto das placas e adulteração do veículo alugado.
O caso
Nos dias 19 e 21 de junho, quatro mulheres e um adolescente são atacados na zona sul da Capital por um homem que arremessa uma substância ácida neles. Os crimes acontecem nas ruas Santa Flora e Francisca Prezzi Bolognesi. Três vítimas ficam com ferimentos graves.
Imagens de câmeras de segurança das proximidades flagraram um HB20 branco usado pelo autor dos ataques. Em 25 de junho, por meio do cercamento eletrônico, a polícia conseguiu identificar a placa do HB20 suspeito.
Ainda em 25 de junho, por volta das 20h15min, uma carta é arremessada contra uma residência na Rua Dona Zulmira. No documento há instruções para que novos ataques sejam cometidos contra pessoas na zona sul da Capital.
No dia 28 de junho, pelo Disque-Denúncia foi repassada falsa denúncia sobre a localização do veículo. Na mensagem, a pessoa informava que o carro estava na Vila Cruzeiro. Segundo a polícia, era uma tentativa de despistar a investigação.
No fim de agosto, a polícia identifica o empresário gaúcho Wanderlei da Silva Camargo Júnior, 48 anos, morador do Paraná, como suspeito dos crimes. Descobre que ele alugou três veículos na Capital entre os dias 15 e 25 de junho. Pelo sinal do GPS dos veículos, consegue traçar a rota feita nesses dias. Elas coincidem com os locais dos ataques.
Em 4 de outubro, a polícia prende em Curitiba um suspeito, sócio de uma empresa de turismo com sede no Paraná e filial em Porto Alegre. Informalmente, segundo a Polícia Civil, ele confessa ter sido autor dos crimes. Diz que havia se separado da esposa, moradora da Capital, e pretendia amedrontá-la para que fosse morar com ele.