Ressocialização
Como a prevenção ao coronavírus agilizou projeto de expandir trabalho de presos no RS
Objetivo é manter e multiplicar iniciativas, como as fábricas de máscara
A prevenção ao coronavírus vem permitindo ao sistema carcerário do Rio Grande do Sul acelerar a materialização de iniciativas de trabalho prisional. Pelo menos, 114 presos estão envolvidos atualmente em oficinas espalhadas pelo Estado para fabricação de máscaras de proteção. A Secretaria da Administração Penitenciária (Seapen) projeta manter essas pequenas fábricas e multiplicar parcerias para ampliar o número de apenados empregados, como forma de ressocialização.
Cerca de 30% da massa carcerária gaúcha conta com alguma atividade de trabalho atualmente. No entanto, segundo o secretário Cesar Faccioli, titular da Seapen, a maioria ainda desempenha serviços não remunerados: 67% dos 11,6 mil. São aqueles que atuam, por exemplo, na manutenção das casas prisionais, como nas cozinhas e limpeza. Somente 3,9 mil recebem pagamento.
— As atividades laborais são importantes para enfrentar a ociosidade. Mas nosso foco é o trabalho remunerado, com capacitação. Para que o egresso tenha condição de se sustentar e não refazer vínculos com organizações criminosas. Embora seja um momento muito difícil, percebemos na prevenção à covid-19 a oportunidade de estimular mais o trabalho prisional, agregando à ressocialização valores como solidariedade e responsabilidade social. Não é só para remição da pena, é também para proteger vidas — analisa Faccioli.
O objetivo, mesmo num cenário futuro de controle da pandemia, é dar seguimento à produção das máscaras e incrementar com outros produtos. Foi inaugurada no último dia 4, em Ijuí, no noroeste do RS, uma fábrica para fazer acabamentos em embalagens plásticas de empresa. O diferencial é que a remuneração pode aumentar com a maior produtividade do apenado. A iniciativa é projeto-piloto do modelo que o Estado pretende implementar.
Para ampliar as oportunidades de trabalho prisional, o RS se inspira em Santa Catarina. Por lá, há mais de 10 anos foi colocado em prática o Fundo Rotativo. Iniciativa que prevê incentivo para as empresas usarem mão de obra prisional e retorno de 25% do salário do apenado para manutenção da própria cadeia. É a forma encontrada para que o detento possa ressarcir o Estado.
Pelo menos 7,2 mil apenados trabalham em atividades industriais, por meio de 260 convênios. São produzidos móveis, brinquedos e até flores. A penitenciária regional de São Cristóvão do Sul— município de 5 mil habitantes próximo de Lages — por exemplo, destaca-se por ter 100% dos presos trabalhando. São cerca de 900 empregados na casa prisional. O modelo adotado no Estado inclusive foi recomendando no ano passado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) para ser replicado em outras unidades do país.
É o que o RS está tentando fazer aqui. A expectativa é que seja aprovado ainda neste ano projeto de lei para a criação de iniciativa semelhante em solo gaúcho. O projeto de lei para a criação do Fundo Rotativo, apresentado pelo deputado Elizandro Sabino (PTB), com apoio do governo do Estado, está em tramitação na Assembleia Legislativa desde que foi protocolado em agosto. Ele prevê que os salários dos detentos sejam divididos em três partes: 50% para as famílias, 25% para quando o preso deixar o sistema, e 25% para o Fundo Estadual.
— Sabemos que será um momento complexo, até por conta da redução de vagas. Mas queremos também que os empresários se sensibilizem e percebam que há vantagens. Num olhar de mercado, é uma mão de obra interessante para as pessoas, além de agregar valor social. É uma questão de segurança pública. Se o preso sai com possibilidade de trabalhar, ou empregado, estatisticamente reduzimos o risco de ser absorvido de novo pelo crime e reincidir. O trabalho prisional é o grande mecanismo de ressocialização — afirmou o secretário Faccioli.
Iniciativas
Delegacia no Vale do Caí
Apenados da Penitenciária Modulada de Montenegro e do Instituto Penal de Montenegro foram responsáveis pela construção da nova Delegacia de Polícia de São Sebastião do Caí. A obra foi iniciada em junho de 2018, com quatro apenados do regime fechado da Modulada e ganhou o reforço de dois apenados do semiaberto do Instituto Penal.
— Foi uma oportunidade para colocarem em prática habilidades que beneficiaram a si mesmos, a Polícia Civil e, principalmente, a comunidade de São Sebastião do Caí que é agraciada com um novo espaço para o combate e elucidação de crimes — destacou a chefe da Polícia Civil, delegada Nadine Anflor.
Embalagens em Ijuí
O pavilhão da Penitenciária Estadual de Ijuí passou a ser usado para empregar 19 apenados no trabalho de acabamento de embalagens plásticas para a empresa JSOMA assessoria empresarial. Segundo a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), são 15 homens e quatro mulheres que cumprem pena no regime fechado. Eles passaram por treinamento e seleção.
Há a possibilidade de contratação de até 50 presos, à medida que forem surgindo vagas. Eles receberão 75% do salário mínimo, com previsão de passar a 85% e ao valor integral de acordo com a produtividade.
— Em meio a tantas dificuldades na saúde e na economia, poder auxiliar na geração de emprego e renda para os apenados e seus familiares é uma grande conquista — disse o diretor da penitenciária, Marcos Bertão.
Máscaras
Até o fim de maio, a meta é que estejam sendo produzidas 100 mil máscaras por mês nas prisões do RS, em 24 unidades, e cerca de 200 presos em atividade — atualmente são 114. Os equipamentos são confeccionados de acordo com o padrão estabelecido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A Penitenciária de Arroio dos Ratos, na Região Carbonífera, é uma das que implementou a produção. Com 13 apenados, confecciona cerca de 800 unidades por dia. Os equipamentos são destinados a servidores penitenciários, hospitais, profissionais de saúde e agentes de outras instituições de segurança.
— A confecção de máscaras promove o trabalho e a inclusão social dos apenados, além de contribuir com a sociedade neste momento de enfrentamento à pandemia — ressalta o diretor da casa prisional, José Giovani Rodrigues de Souza.
Obras
Além de buscar novas parcerias com empresas para ampliar o trabalho prisional, o Estado estabeleceu que todos os projetos de novas casas prisionais terão espaço para oficinas profissionalizantes. Isso porque um dos dilemas, num sistema superlotado, é físico: não há onde implantar as fábricas. As penitenciárias de Sapucaia do Sul e Bento Gonçalves já foram construídas com essa área prevista.
Sistema prisional no RS
38, 4 mil presos no RS
11,6 mil presos trabalhando (30%)
3,9 mil renumerados
7,7 mil somente remição
Fonte: Seapen
A remição de pena
O direto do condenado de reduzir o tempo imposto pela sentença penal pode ser alcançado pelo trabalho, estudo ou leitura. A remição está prevista na Lei de Execução Penal, sendo direito de quem está no regime fechado ou semiaberto.
A cada três dias de trabalho, o preso tem direito a redução de um dia de pena. Por estudo, a cada 12 horas de frequência, há remição de um dia. Na leitura, cada obra lida permite a diminuição de quatro dias, sendo necessário apresentar resenha do livro. O limite é de12 obras por ano, ou seja, no máximo 48 dias de remição.