Marau
Brigada Militar indicia soldado que matou engenheiro em abordagem no norte do Estado
Corporação vê indícios de crime e diverge da Polícia Civil, que identificou "legítima defesa imaginária"
A Corregedoria-Geral da Brigada Militar (BM) decidiu indiciar o soldado da corporação que atirou contra Gustavo dos Santos Amaral, em Marau, no norte gaúcho, em 19 de abril deste ano. A vítima foi morta enquanto estava indo trabalhar e acabou parando em uma barreira na RS-324, sendo supostamente confundida com um bandido.
A Corregedoria diz que identificou indício de crime militar que resultou em um homicídio. A corporação se limitou a informar que o conjunto de provas aponta para o crime, mas não deu detalhes.
A partir da finalização do inquérito policial militar, será aberto um conselho de disciplina que pode resultar em expulsão do soldado dos quadros da corporação.
Porta-voz da corporação, o tenente-coronel Cilon Freitas da Silva diz que a origem da situação que resultou na morte foi o bando que a polícia procurava. Os PMs estavam tentando localizar uma caminhonete Amarok.
— Quem deu causa a tudo isso foram os dois criminosos que roubaram um veículo na noite anterior, que fugiram da polícia, que confrontaram e colocaram os civis em risco — pontua o oficial.
O entendimento da Brigada sobre a existência de crime diverge da Polícia Civil. Na segunda-feira (22), o delegado Norberto dos Santos Rodrigues finalizou a investigação dizendo que o que aconteceu foi uma legítima defesa imaginária. O delegado disse que foi "uma tragédia, e ponto" e detalhou porque o PM se confundiu.
— Tivemos coincidências infelizes. Eles usavam casacos similares, criminoso e vítima. A vítima correu no possível trajeto que o criminoso teria corrido. Não houve obediência às ordens do policial. Ele também estava com um celular na mão que foi confundido com uma arma — descreveu o delegado.
O delegado ainda entendeu que o soldado agiu em legítima defesa imaginária:
— Essa série de coincidências levou o policial a acreditar que foi uma ameaça. Assim, ele neutralizou a ameaça.
O advogado que defende os policiais, José Paulo Schneider, concorda com o delegado. Ele contrapõe o argumento da família, que fala em execução, e diz que "não houve tiro pelas costas". Ainda ressalta que "foram dados três disparos e um único atingiu a vítima".
Em nota, Ricardo de Oliveira de Almeida, que também defende os PMs, argumenta que "a principal diferença entre as investigações (da Polícia Civil e da BM) consiste nos regramentos próprios atinentes à caserna, como a formulação do Conselho de Disciplina, previsto no Regulamento Disciplinar da Brigada Militar e regulamento por Legislação Federal".
Com o término dos dois inquéritos, cabe ao Ministério Público decidir sobre o andamento dos casos na Justiça. Em nota enviada à imprensa, o órgão diz que ainda não teve conhecimento da conclusão das investigações, mas fará a "análise minuciosa de todos os elementos apurados e adoção da medida cabível no caso".
Família se surpreende com resultado
A família não concorda com o resultado da investigação. Para o pai de Gustavo, Gilmar Ferreira do Amaral, o policial jamais poderia ter atirado contra o seu filho sem ter a certeza de que se tratava de um criminoso.
— O soldado que tem a função do dia a dia como não vai discernir o momento de atirar? Se tinha outros carros com outras pessoas que não eram envolvidas, não poderia ter atirado. Em hipótese alguma — lamenta.
Ele ainda questiona a afirmação do delegado de que, naquele momento, Gustavo representava ameaça para o soldado:
— O delegado veio dizer que o policial se sentiu ameaçado, que o Gustavo era uma ameaça iminente. Mas de que forma? Pelo menos esperava que ele assumisse a culpabilidade em algum grau, culposo (sem intenção) ou doloso (com intenção). Mas não assumir culpa nenhuma é ridículo, do nosso ponto de vista.
Gilmar diz que pretende se encontrar com o governador Eduardo Leite, que garantiu hoje no Timeline Gaúcha que quer receber a família. No encontro, o pai de Gustavo tem o objetivo falar sobre o treinamento dos policiais e fará um pedido para que "se pense mais antes de puxar o gatilho".
Além da família, membros do movimento Vidas Negras Importam e do Conselho Estadual de Direitos Humanos se dizem preocupados com o término do inquérito. Eles procuraram o Ministério Público para tentar uma reunião com o procurador-geral de Justiça, Fabiano Dallazen.
Confira a íntegra da nota da defesa dos PMs
"Diante da divulgação do resultado do Inquérito Policial Militar, a defesa técnica dos Policiais explica que os procedimentos adotados pela Administração castrense não divergem dos coligidos no Inquérito Policial.
A principal diferença entre as investigações consiste nos regramentos próprios atinentes à caserna, como a formulação do Conselho de Disciplina, previsto no Regulamento Disciplinar da Brigada Militar e regulamento por Legislação Federal. Esse Conselho é formado por um colegiado de Oficiais pertencentes às fileiras da Brigada Militar, que deliberará sobre questões administrativas referentes aos fatos ocorridos, verificando se o Policial Militar permanece em condições para o exercício da função. Esta é, aliás, mais uma prova robusta de que as autoridades competentes estão realizando todas as medidas cabíveis em lei para a apuração dos fatos, tanto em sede de transgressão da disciplina militar como em capitulação em crime impropriamente militar (crime culposo na esfera militar).
Portanto, da análise do IPM pela autoridade militar encarregada, entendemos que os pressupostos fáticos são exatamente os mesmos coligidos no Inquérito Policial realizado pela Polícia Civil. O fato diferenciador desses dois procedimentos, é que no Inquérito Policial o Delegado resolveu o procedimento e adotou a postura técnica de avaliar a tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade do caso, encontrando, diante de todo o trabalho realizado, causa excludente de ilicitude (legítima defesa putativa).
Já no Inquérito Policial Militar, o resultado foi solucionado no sentido de entender que houve indícios de crime e transgressão da disciplina militar praticados. No entanto, tais enquadramentos não foram capitulados em lei, sendo os autos entregues de forma aberta ao Ministério Público, órgão que avaliará as investigações realizadas e resolverá sobre eventual denúncia criminal contra o militar. Paralelamente a isso, o Conselho de Disciplina verificará, com total autonomia, as condições do Policial Militar de permanecer no exercício da função.
Ricardo de Oliveira de Almeida"