Polícia



Morto por engano

Dois anos após execução de jovem dentro de hospital em São Leopoldo, família aguarda pelo desfecho do caso

Aos 19 anos, Gabriel Minossi foi assassinado a tiros ao ser confundido com outro paciente

16/11/2020 - 10h11min


Leticia Mendes
Leticia Mendes
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Arquivo pessoal / Reprodução
Última foto feita por Marcelo com o filho Gabriel

Aos 41 anos, Marcelo Minossi se prepara para inaugurar uma loja em Cachoeirinha, na Região Metropolitana. Mas os planos que o vendedor pretendia estar concretizando neste período eram bem diferentes. A vida tomou outro curso, após a execução brutal do filho Gabriel Vilas Boas Minossi, 19, há dois anos. O rapaz foi assassinado a tiros por engano dentro do Hospital Centenário em São Leopoldo, no Vale do Sinos, onde estava internado após um acidente. Desde então, a família tenta se recuperar da perda traumática, enquanto aguarda o desfecho do caso. Cinco réus seguem presos.

A madrugada que mudou a vida e os planos de Marcelo aconteceu em 9 de novembro de 2018. O filho estava hospitalizado após sofrer uma colisão de motocicleta a caminho do trabalho, na qual havia fraturado as pernas. No mesmo quarto do jovem foi atendido Alex Júnior Abreu Tubiana, que havia sido baleado numa tentativa de homicídio. Os boatos de que um novo ataque ao paciente pudesse acontecer se espalharam pelo hospital naquela tarde. Nervoso, Gabriel apresentou episódio de pressão alta e teve a liberação, que seria naquele dia, postergada. "Tô muito nervoso. Se os caras entram aqui, eu tô bem na porta", confidenciou o rapaz ao pai.

A casa de saúde transferiu Tubiana para outro quarto, em área isolada dos demais. "Boa sorte pra ti", disse Tubiana para Gabriel antes de ser transferido de quarto. Às 4h16min, um veículo estacionou em frente ao hospital e de dentro dele saltaram criminosos encapuzados e armados. Numa cena de terror, renderam o segurança e dois deles ingressaram na casa de saúde, caminhando pelos corredores. 

Andaram até a ala onde Gabriel estava e, em poucos segundos, descarregaram as armas na direção da cama dele, próxima da porta, pensando se tratar de Tubiana. Vinte e nove estojos de pistola 9 milímetros foram recolhidos dentro do quarto. O jovem morreu no local e outra duas pessoas também foram baleadas. Dois anos após aquela madrugada, o pai ainda tenta lidar com a perda e espera por justiça.

— É difícil de falar. A gente aprende a conviver com a falta, com a dor. Só quem passa por isso vai entender, vai conseguir expressar. Faz dois anos e parece que foi ontem. A gente vai seguindo. Tem pessoas que me perguntam se busco vingança. Não, não quero isso. Não desejo o mal das pessoas. Não sou igual a quem fez isso com meu filho. Vamos esperar o processo. Deixar na mão da Justiça — diz Marcelo.

Além do jovem, os disparos atingiram outro paciente e uma familiar dele. A tia e madrinha de Gabriel, que estava aos pés da cama dele, não chegou a ser baleada. Marcelo diz que a família tenta se reerguer. A irmã, que presenciou a morte do sobrinho, ainda passa por tratamento psicológico, embora tenha apresentado melhora.  

— Ela passou por um ano de tratamento mais pesado, agora está começando a retomar a vida. Nunca tive coragem de perguntar o que ela viu aquela noite. Não tenha essa cena na cabeça e ela, infelizmente, tem. Eram muito apegados. O Gabriel era fora de série. Era um guri diferenciado, amado — descreve o pai.

O vendedor entende que houve negligência por parte do poder público, já que desde a tarde se sabia sobre a possível invasão da casa de saúde. Marcelo diz que, desde então, os parentes nunca foram procurados pelas instituições. A família decidiu ingressar com uma ação contra o Estado e o Hospital Centenário.

— Foram negligentes. Foi uma tragédia anunciada. Sabiam que podia acontecer, e não tomaram providência. E não foi só o Gabriel. O senhor que estava do lado dele ficou com balas alojadas no corpo. Se atirou sobre a neta, para proteger ela. Até hoje não nos procuraram, nem para saber se precisamos de algo — reclama.

Planos

No último 4 de julho, Gabriel teria completado 21 anos. Mecânico, especializado em motos, sonhava em montar uma oficina com o pai. Os dois frequentaram juntos todos os sábados, por cerca de um ano, curso na área. Pretendiam aguardar dois anos para juntar dinheiro, e inaugurar o negócio. Além da oficina, Marcelo esperava que o filho investisse em seu talento para a música — agora é ele quem carrega o violão do jovem. O pai conta que no dia a dia ainda conversa com Gabriel, como se ele estivesse ali.

— Ele tinha talento, uma voz bonita. Tocava muito bem violão e teclado. Era para estarmos abrindo a nossa oficina agora. Acabei montando a loja de cama, mesa e banho, que era a área que eu já trabalhava. Mudou tudo. Um pai enterrar um filho não é certo. Ainda mais da forma como foi. Ele não merecia isso. Nem sei de onde tiro forças. Me apego nas coisas simples, em viver por ele. Quando estou num lugar, penso que ele poderia estar comigo, e falo com ele — descreve.

Além do violão, Marcelo carrega também um terço que recebeu de uma amiga de Gabriel durante o velório do jovem.

Carlos Macedo / Agencia RBS
Marcelo carrega consigo o terço que recebeu de uma amiga de Gabriel no velório

O processo

Cinco réus respondem presos pelo assassinato de Gabriel e por terem baleado mais duas pessoas. São eles: William Gabriel Almeida Pereira, Jorge Gilberto da Silveira Júnior, Lucas Gabriel Pereira Nunes, Deivid Silva de Ávila e Eberson Ferreira Almeida. No início deste mês, a Justiça negou novos pedidos das defesas para que eles respondam em liberdade. Já foram formulados sete pedidos de liberdade provisória ao longo do processo, sendo mantida a prisão dos cinco. Todos eles negam envolvimento com o crime.

Segundo a denúncia apresentada pelo Ministério Público, William e Jorge teriam rendido o vigilante na entrada do hospital e guarnecido o acesso, enquanto Lucas e Deivid teriam seguido até o quarto onde pretendiam executar Tubiana. Os dois teriam sido responsáveis por efetuar a sequência de disparos contra as vítimas. Eberson, que estava preso na época do fato, é apontado como o mandante do crime. O objetivo com a execução seria dominar o tráfico de drogas na região.

Tubiana, segundo a polícia e a acusação da Promotoria, era ligado ao tráfico de drogas na região da Vila Brás, em São Leopoldo, e teve uma desavença com o suposto mandante. Ele sofreu um atentado a tiros em uma oficina e, por isso, acabou hospitalizado. Em setembro deste ano, foi morto durante confronto com a Brigada Militar. Ele e outros dois foram alvejados pelos policiais militares durante troca de tiros, após roubo ao banco Sicredi de Itati, no Litoral Norte. 

No assalto, com reféns e cordão humano, o trio rendeu vigilante, obrigou uma bancária a abrir o cofre e ainda deu tiros de fuzil ao sair do Sicredi. Na fuga, eles levaram quatro reféns. Após as vítimas terem sido liberadas, os ladrões foram localizados em área de mata e houve tiroteio.

Sobre o andamento do processo, desde 3 de junho de 2019, quando foi realizada a primeira audiência processo, foram ouvidas 14 testemunhas de acusação, em sete sessões. Ainda precisará ser ouvida a última testemunha de acusação, para que possam dar início aos relatos das 14 testemunhas de defesa. Após, será realizado o interrogatório dos réus. Uma nova audiência foi marcada pelo Judiciário para às 9h do dia 18 de dezembro. Após essa fase de instrução, a Justiça decidirá se os réus devem ir a júri. Ainda não há previsão de realização do julgamento, já que, mesmo que os réus sejam pronunciados, ainda há fase de recurso para as defesas.

Hospital diz que melhorou segurança

Procurador-geral do Hospital Centenário, Maicon Barbosa afirma que na data do crime havia somente um segurança armado no local e que, desde o episódio, a casa de saúde se preocupou em melhorar a segurança da unidade, para evitar casos semelhantes aos que culminaram com a morte de Gabriel. Sobre o processo movido pela família do jovem, Barbosa diz que a instituição apresentou defesa e que aguarda os próximos passos.

— Quando soubemos que havia a possibilidade de o hospital ser atacado, acionamos a Brigada Militar e não fomos atendidos. O Estado negligenciou o atendimento nessa ocasião. De lá pra cá, nos preocupamos em criar um fluxo de segurança em parceria com Brigada Militar, Guarda Municipal e outros órgãos, com o objetivo de fortalecer a segurança para evitar que situações similares ocorram. Nós lamentamos profundamente a morte do Gabriel e temos noção de que a família está no seu direito legítimo de buscar uma reparação — diz.

Em relação ao caso, a Brigada Militar informou que na época do fato o responsável era o comandante do 25° Batalhão de Polícia Militar, tenente-coronel Carlos Daniel Coelho. Após dois anos, o comandante manteve a declaração dada logo após o caso. Segundo o oficial, a BM recebeu o pedido do hospital naquela tarde e, por isso, foi feito contato com Tubiana, que disse não estar sob ameaça. Ainda conforme o comandante, o hospital adotou medidas de proteção, ao levar o paciente para local isolado.

— A Brigada, não satisfeita, estabeleceu rondas periódicas durante toda a noite. Inclusive, os bandidos entraram no hospital 10 minutos após a saída de uma dessas rondas — afirma.

Contrapontos

Eberson Ferreira Almeida —responde por homicídio qualificado e formação de quadrilha

O advogado Rodrigo Lima de Oliveira, que atua na defesa com Marineuza Lauthart, afirma que “não há mínima prova de qualquer participação de Eberson no fato, até porque na data da ocorrência já se encontrava preso.”

William Gabriel Almeida Pereira — responde por homicídio qualificado, formação de quadrilha e receptação de veículo

A advogada Suhelen Silva de Castro informou que a defesa irá se manifestar somente nos autos.

 Lucas Gabriel Pedroso Nunes — responde por homicídio qualificado, duas tentativas de homicídio, formação de quadrilha e receptação de veículo

O advogado Renan Bergerhoff dos Santos defende que não há provas de participação dos réus no crime. Afirma que Lucas estava trabalhando na época dos fatos.

— Foi um crime realmente tormentoso, que precisa de uma resposta. Porém, encarcerar indiciados sem provas, por todo esse tempo, não é a resposta que a sociedade precisa. O Lucas se apresentou quando soube que a polícia foi na mãe dele, e mesmo assim já vai fazer dois anos que está preso. E quando se apresentou, sequer sabia dos fatos — afirma.

Deivid Silva de Ávila - responde por homicídio qualificado, duas tentativas de homicídio e formação de quadrilha

O advogado Celso Souza Lins preferiu não se manifestar.  

Jorge Gilberto da Silveira Júnior - responde por homicídio qualificado, formação de quadrilha e receptação de veículo

O advogado Paulo Rogério da Silva afirma que o cliente nega participação e que não há prova técnica contra ele. Alega que a perícia realizada no hospital e no veículo usado pelos criminosos não localizou vestígio de DNA ou digitais de Jorge. Diz ainda que a versão de que Tubiana teria apontado os réus como suspeitos foi negada por uma testemunha.

— Isso foi desmentido pela namorada dele em audiência. Ela diz que ele nunca falou isso. Mesmo depois que ele foge do hospital, nunca mencionou qualquer suspeita de que meu cliente e outros tenham participado do crime — afirma.

* Produção: Kênia Fialho





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