Polícia



Sapiranga

Esposa é presa por suspeita de envolvimento em assassinato de tenente do Corpo de Bombeiros

Segundo a polícia, disputa por herança foi motivação do crime no Vale do Sinos

10/11/2020 - 09h44min


Jeniffer Gularte
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Divulgação / Arquivo pessoal

Morto com golpe de estilete no pescoço em 25 de outubro em Sapiranga, no Vale do Sinos, o tenente do Corpo de Bombeiros Glaiton Silva Contreira, 52 anos, foi vítima de uma trama criminosa criada dentro da própria casa. É o que indica o inquérito da Polícia Civil que apura a morte do militar. 

A investigação, a qual GZH teve acesso, revela que, além do enteado Yago Rudinei da Silva Machado, 26 anos, que confessou em depoimento a autoria do crime, a esposa do militar, Ledamaris da Silva Contreira, 42 anos, também teve participação no homicídio. A mulher foi presa preventivamente nesta segunda-feira (9) quando estava na casa de parentes em Viamão, na Região Metropolitana.

Casados há 12 anos, Contreira e Ledamaris acertavam os detalhes do divórcio quando o tenente foi assassinado. Em depoimento à polícia no domingo — 25 de outubro — em que o marido desapareceu, a esposa disse que embora morassem juntos, há três meses já estavam dormindo em quartos separados. No relato aos policiais, afirmou que o pedido de divórcio veio do marido, mas que "não houve nenhum tipo de briga." 

Na data do crime, a esposa conta que o marido parecia abatido, tomou uma caipirinha, caiu e bateu a cabeça. Ela diz que tomou remédios para dormir e não viu quando Contreira saiu para a caminhada. Até a publicação desta reportagem, Ledamaris ainda não havia sido ouvida novamente pela polícia. 

O militar teve a vida abreviada pouco antes de sair de casa e se mudar para Nova Hartz, onde passaria a viver com uma nova companheira.

— Eles estavam em vias de se separar. O que impedia de fato a separação era o filho pequeno. Ele era muito apegado ao menino — afirma o delegado Fernando Branco.

A polícia suspeitou da participação de mais uma pessoa no crime desde o momento em que Yago confessou a morte do padrasto. Na versão do suspeito — que já está preso preventivamente —, ele tirou a vida do padrasto pois entendia que a mãe sairia prejudicada na divisão da casa onde viviam Contreira, Ledamaris e o irmão de oito anos. 

Estagiário do Hospital de Sapiranga, também afirmou ter desviado por duas semanas anestésicos que estavam indo para o descarte, até que conseguiu reunir quantidade suficiente para desfalecer o tenente e levá-lo ao local onde o crime ocorreu. O corpo do bombeiro foi encontrado em um terreno no dia 26 de outubro. A hipótese do envolvimento de uma segunda pessoa ganhou força com depoimentos de pessoas próximas à família:

— Os próprios parentes do Contreira e dela começaram a vir aqui nos dizer que ela teria envolvimento. Para um deles, ela teria confessado. Uma testemunha nos narrou toda a dinâmica do que aconteceu no dia e deixou claro o envolvimento dela.

Divulgação / Arquivo pessoal
Glaiton Silva Contreira, 52 anos

O relato confronta a versão dada por Yago e Ledamaris. Na descrição dessa pessoa, na data em foi morto, Contreira saiu para caminhar no mesmo bairro onde mora — e não próximo ao parque do Imigrante, como narrado pelo enteado — e retornou para casa. Quando ele chega na residência, Ledamaris manda o filho de nove anos brincar com os vizinhos na rua e tranca o portão. Yago manobra o carro para colocá-lo de ré dentro da casa, enquanto a mãe abria a porta da garagem — que, na versão da testemunha, nunca era utilizada para deixar o carro. Neste dia, o veículo foi estacionado dentro da garagem. Quinze minutos depois, Yago sai com o carro apressado e quase bate o veículo no muro. Essa testemunha conta ter visto a mulher limpando o piso da garagem.

— Isso mostrou que este foi o momento em que colocaram o corpo do tenente dentro do carro. O depoimento é bem detalhado. E deixa evidente a participação da esposa. Certamente ele saiu desacordado da casa. Segundo as informações que recebemos, ela drogou o marido dentro da casa.

Contradições

A investigação aponta que Contreira pode ter ingerido um anestésico após a corrida dentro da residência. Laudo do Instituto-Geral de Perícia (IGP) vai revelar qual a substância foi dada ao militar antes dele ser morto. A polícia também identificou no celular de Ledamaris uma série de áudios trocados entre ela e o filho mais velho nesta data, nos quais ela chama Yago até sua casa — no celular do enteado, estes áudios estavam apagados. A última mensagem trocada entre mãe e filho é o número de telefone da nova companheira de Contreira.

— No depoimento dela, ela diz que dormiu até o filho chegar.

Outro ponto que contradiz a versão de mãe e filho é que a polícia identificou que o telefone do tenente estava em casa até às 19h — Yago e Ledamaris relatam que o tenente sumiu ao ir fazer a caminha às 15h. Antes de sair para o exercício, Contreira deixou o carro pronto para o enteado, que utilizaria o veículo para buscar o namorado no Aeroporto Salgado Filho.

— O Yago nos diz que no depoimento que o tenente sairia para a caminhada, mas ele dá carona para o padrasto até o Parque do Imigrante e que ele nem retorna mais. Isso não fecha com a investigação.

Dois familiares de Ledamaris procuraram a polícia e registraram, em depoimento, que a mulher já havia os dito que se Contreira a deixasse, ela o mataria. Conforme o relato de ambos, Contreira era atencioso e cuidadoso com a família, inclusive com Yago. Os parentes também afirmam que Ledamaris não tomava remédios para dormir. Outra testemunha relata que o militar incentivava a esposa e sair mais e ver as amigas.

Como a roupa de Contreira não tinha sinal de sangue, a polícia acredita que o militar tenha sido morto no local onde o corpo foi encontrado.

— Em depoimento, o suspeito fala que cortou duas vezes o pescoço pois faz curso de enfermagem e estava procurando a carótida, uma veia extremamente vascularizada do pescoço.

Questões da herança

A fatura do cartão de crédito de Ledamaris contém a data e o local da compra do estilete que a polícia acredita que foi usado para matar o militar. Mais evidências foram localizadas no celular de Yago, onde foram encontradas pesquisas feitas menos de dez dias antes do crime: "Quanto tempo tenho para dar socorro depois de uma facada?" "Como é feito éter?" "Consigo ver o trajeto do meu celular?" "Herança de menor tem como vender?"

Estas e outras perguntas foram feitas em um smartphone que Yago se desfez antes do assassinato. Porém, como o jovem trocou de aparelho e utilizou o mesmo login de conta Google, foi possível acessar o histórico de busca. Em depoimento à polícia, o noivo de Yago conta que o suspeito teria testado um anestésico na própria cachorra duas semanas antes do crime. A polícia resgatou o animal.

— Nos chama atenção o planejamento, a riqueza de detalhes e as preocupações que ele teve de pesquisa. Depois tocou o telefone fora.

O descontentamento de Yago com a divisão da casa ocorreu, segundo o delegado, pois Contreira colocou o imóvel no nome do filho de nove anos em usufruto da esposa até garoto completar 18 anos.

— A casa ia ficar para o irmão e Yago ficaria sem herança. Ele ajudou porque ia ficar sem herança, a mãe matou pois estava se separando. O Contreira recebia em torno de R$ 12 mil de salário, se ele morresse, o salário, em forma de pensão, era dela. O militar uma grande vítima. Criou o enteado como filho, cuidou da mulher depois que ela teve um derrame, abriu mão da casa e acabou sendo morto. O que mais nos chamou atenção foi a frieza, a premeditação e o interesse patrimonial, que prevaleceu sobre qualquer tipo de outro sentimento.

Ledamaris esteve no velório do marido, em 28 de outubro, no 3º Batalhão de Bombeiro Militar (BBM) em Rio Grande, cidade onde Contreira nasceu. Lotado no 2º BBM, o tenente era comandante dos quartéis de Montenegro e Taquari.

Contrapontos

Segundo a advogada de defesa de Yago Rudinei, Michelle Ali Zini, ele possui esquizofrenia paranoide e, por isso, sofre de alucinações, dificuldade de raciocínio e alterações no comportamento, como indiferença afetiva e isolamento social. Segundo ela, o testemunho dele não pode ser considerado porque ele não tem discernimento:  

— Creio que se a polícia passou a investigar a mãe deve ser com base na notória fragilidade de Yago, que é delicado e preocupado com o bem estar do irmão — afirma a advogada. 

Roberta Klein Knewitz, responsável pela defesa de Ledamaris, disse que sua cliente só irá se manifestar em juízo. No depoimento à polícia na tarde desta segunda-feira, permaneceu em silêncio.


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