Morte no supermercado
Fiscal de caixa que diz ter sido intimidada por João Alberto é ouvida pela polícia; veja o que ela fala em depoimento
Funcionária do Carrefour relatou aos investigadores que gesto do cliente não foi ofensivo mas que temeu "olhar agressivo" do homem
Pelo menos 20 pessoas, entre investigados e testemunhas, já foram ouvidas pela 2ª Delegacia de Homicídios de Porto Alegre no âmbito da investigação do assassinato de João Alberto Silveira Freitas, o Beto, 40 anos, espancado até a morte por seguranças no estacionamento do Carrefour do bairro Passo D'Areia, na Zona Norte, na última quinta-feira (19).
Uma das sete pessoas ouvidas no final de semana é uma fiscal de caixa que diz ter sido intimidada pelo cliente. Nas imagens que mostram a movimentação dentro da loja, João Alberto aparece fazendo um sinal e se aproximando da funcionária, que está vestida de preto.
A mulher de 28 anos trabalha no Carrefour desde junho deste ano auxiliando os operadores de caixas a cancelar produtos registrados de forma errada e ajustar notas fiscais. Ela já foi ouvida duas vezes: na madrugada de sexta-feira (20) e no sábado (21), quando deu um relato mais detalhado.
A fiscal disse que estava próxima ao caixa 26, conversando com o segurança Magno Braz Borges — preso por envolvimento no crime —, quando viu João Alberto chegar ao caixa junto com a esposa e percebeu que o cliente passou a encará-los. Contou que seguiu conversando com Borges, mas que João Alberto teria continuado olhando para eles. Questionada pelos investigadores se naquele momento ocorreu alguma comunicação interna sobre a possibilidade de atitude suspeita do cliente, respondeu que não.
A mulher relata que João Alberto se aproximou dela e a intimidou "com um olhar agressivo". Passados mais alguns instantes, ela diz que ele se aproximou mais e falou alguma coisa que, em razão do alto ruído do local, ela diz não ter conseguido entender. A fiscal conta que então saiu de perto e caminhou para o lado.
Neste momento, segundo o depoimento da funcionária, o cliente se aproxima dela novamente e faz um gesto com a mão que ela não soube detalhar aos investigadores pois alega que já estava tensa com a situação. A fiscal nega que João Alberto tenha apenas abanado com a mão como se quisesse dizer "deixa para lá" e salienta que "a expressão no olhar era muito intimidadora, que parecia procurar confusão".
Os investigadores questionaram a funcionária se o gesto de João Alberto teria sido ofensivo ou mesmo se ele disse algo para ofendê-la. A mulher respondeu que não. Quando se afasta da fiscal, João Alberto se aproxima de Borges que, na descrição da colega à polícia, "estava calmo e aparentava estar tranquilo com a situação."
Nesta hora, Adriana Alves Dutra, funcionária do Carrefour e responsável pelos seguranças, chega perto dos dois e diz algo para João Alberto. A fiscal afirma que Adriana foi até o local porque João Alberto se aproximou duas vezes dela em situação suspeita e, portanto, foi alertada pela central de monitoramento de imagens. A funcionária diz que não ouviu o que Adriana disse ao cliente.
Aparece então o policial militar temporário Giovane Gaspar da Silva, que estava no primeiro dia de trabalho na loja para a Grupo Vector – também preso por envolvimento no crime –, que prestava serviços terceirizados ao Carrefour. A mulher diz que acredita que Gaspar tenha convidado João Alberto para se retirar e que viu ele sendo conduzido até a esteira que dá acesso ao estacionamento.
A funcionária diz supor que o segurança acompanhou João Alberto para fora do supermercado por ela ter sido importunada. O cliente então sai do seu campo de visão e, um minuto depois disso, afirma que ouviu pelo rádio de comunicação que Adriana estava pedindo que chamassem a Brigada Militar.
A fiscal foi perguntada pela polícia qual era o procedimento adotado em casos como o que ela havia narrado. Ela respondeu que a pessoa "é acompanhada para sair e nada mais". A fiscal disse que soube por colegas que, no domingo anterior ao crime, João Alberto esteve no mercado embriagado e que teria importunado outros clientes. Na ocasião, teriam solicitado a ele que se retirasse. A existência desse episodio ainda está sendo apurada pela Polícia Civil. Caso se confirme, pode revelar uma desavença anterior de João Alberto na loja.
A testemunha, que se considera negra, também afirmou que nunca presenciou no supermercado nenhuma conduta de funcionários que tenham agido com discriminação por conta da cor da pele. E disse nunca ter visto João Alberto na loja.
Outras oito pessoas devem ser ouvidas a partir desta segunda-feira (23). O inquérito que apura homicídio, com qualificadoras criminais, tem prazo para ser concluído até sexta-feira (27), mas a polícia, por enquanto, não adianta se conseguirá encerrá-lo até a data. Ainda são aguardados resultados periciais.
Os investigadores seguem analisando imagens da abordagem de João Alberto à fiscal. O policial militar temporário Giovane Gaspar da Silva e o segurança terceirizado do Grupo Vector Magno Braz Borges estão presos por homicídio triplamente qualificado. A polícia apura possível responsabilidade de outros envolvidos.