Nova fraude
Gaúchos relatam como tiveram FGTS emergencial furtado no aplicativo Caixa Tem
Banco não divulga números de pessoas atingidas pela fraude no Brasil; Polícia Federal investiga
O operador de máquinas Fabio Martins, 37 anos, de Caxias do Sul, soube por colegas de trabalho sobre um golpe envolvendo o saque emergencial do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Apenas no seu setor, cerca de 10 pessoas foram furtadas – incluindo ele.
Criminosos se cadastraram em nome do metalúrgico no aplicativo Caixa Tem, usando o CPF dele, mas com um e-mail falso. Assim conseguiam acessar o valor de R$ 1.045 que havia sido transferido automaticamente do fundo para a conta digital. O saque emergencial foi uma das medidas anunciadas pelo Governo Federal para ajudar os trabalhadores durante a pandemia.
Registrada em vários Estados, a fraude foi possível porque, no começo, o aplicativo não solicitava a confirmação de identidade. A Caixa Econômica Federal afirma que diversos mecanismos têm sido implementados para conter a ação dos fraudadores, como a validação digital de dados dos clientes em bases internas e externas e conferência documental por imagens (leia nota abaixo).
Os valores que não foram movimentados no Caixa Tem já foram devolvidos às contas de FGTS, segundo a Caixa, mas ainda tem gente descobrindo que caiu no golpe. Fabio percebeu na semana passada. Foi até uma agência e ficou sabendo que alguém fez o saque ainda em setembro.
– Fiquei muito indignado, porque às vezes tu quer sacar um dinheiro que é teu e é cheio de burocracia, aí para bandidos parece que tudo é mais fácil – queixa-se o metalúrgico, que considera o sistema “muito frágil”. – Imagina um dinheiro que pode salvar o mês de muitas pessoas necessitadas, qualquer um pode chegar e sacar. Isso não é brincadeira.
O metalúrgico não pretendia fazer o saque emergencial. Contava que o valor retornaria no final do ano para o montante do FGTS, como fora divulgado pelo governo federal. Fez a contestação na agência da Caixa e espera que o banco faça o ressarcimento.
Em Porto Alegre, a analista de sistemas Aline Selmo, 53 anos, está desde outubro esperando que a Caixa reembolse os R$ 1.045. Após assistir a uma reportagem sobre o assunto, ela tentou se cadastrar no Caixa Tem, e descobriu que caiu no golpe:
– Para a minha surpresa, não passei da primeira tela do aplicativo. Ao tentar me cadastrar, já que era a primeira vez que estava entrando no aplicativo, vinha uma mensagem dizendo que o CPF já estava cadastrado. Ao tentar mudar a senha, vinha uma mensagem informando que receberia as instruções para troca de e-mail em um endereço de e-mail que nunca tive.
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Ela fez a contestação na agência e abriu um boletim de ocorrência na Polícia Civil. Aline desabafa:
– O que me deixa chateada é que não houve nenhum batimento entre a informação do e-mail que tenho cadastrado na Caixa Federal com o que foi informado para realizar o cadastro no Caixa Tem. E a demora em responder a contestação, ou melhor, devolver o dinheiro que me pertence e que foi roubado por terceiros por vulnerabilidade do aplicativo.
Rosemeri Dall'Agnol Martins, 33 anos, de Porto Alegre, teve a contestação negada e até agora não entendeu o motivo. Foi até a delegacia na Avenida do Forte, registrou um boletim de ocorrência e retornou até uma agência da Caixa, onde foi dado novo prazo para avaliação. Tudo isso em meio à pandemia e com uma bebê de quatro meses a esperando em casa.
– É muito tempo perdido, o rapaz que me atendeu disse que muita gente já foi reclamar disso. E, no meu caso, ainda tive a contestação negada. Como vão negar se tinha lá um e-mail que não era o meu, com um cadastro que não fui eu que fiz?
A Caixa não divulga o número de pessoas que descobriram ter caído no golpe e também não respondeu de onde sai o dinheiro para o ressarcimento. Por e-mail, afirmou que, “por motivos estratégicos envolvendo a segurança pública, destaca que os critérios técnicos utilizados para análise das suspeitas de fraudes não podem ser expostos ao público em geral, mas apenas aos órgãos policiais envolvidos nas investigações, aos quais presta irrestrita colaboração”.
A Polícia Federal (PF), responsável pelas investigações, diz que não tem estatísticas para divulgar sobre essas fraudes.
Por meio de assessoria de imprensa, a PF explica que a estratégia adotada é de análise de dados compartilhados pela Caixa Econômica Federal, a partir de contestações dos clientes, para identificar a atuação de organizações criminosas e conjuntos de fraudes com denominadores comuns.
O processamento inicial é realizado pela Polícia Federal em Brasília, com a posterior distribuição de informações para aprofundamento das investigações nos estados, com a mesma sistemática adotada para fraudes no Auxílio Emergencial (Operação Segunda Parcela).
A PF não informou se já foram realizadas prisões relacionadas ao golpe do FGTS.
Como se dá o golpe?
Usando o nome e o CPF dos trabalhadores, golpistas se cadastravam no aplicativo Caixa Tem, informando um e-mail falso. Conseguiam, dessa forma, roubar o acesso ao aplicativo e utilizar o saque emergencial do FGTS em nome do trabalhador.
Mesmo se eu não solicitei o saque emergencial, posso ter sido furtado?
Sim. Para ajudar na pandemia, em 2020, o valor de até R$ 1.045 foi transferido automaticamente do Fundo de Garantia dos trabalhadores para uma conta digital da Caixa, acessível por meio do aplicativo Caixa Tem. Isso ocorreu mesmo para quem não tinha solicitado o saque — havia a promessa de que, se não fosse movimentado, o dinheiro retornaria automaticamente para a conta do FGTS em 30 de novembro de 2020, “devidamente corrigido e sem nenhum prejuízo ao trabalhador”. O trabalhador poderia ter indicado à Caixa 10 dias antes do início do seu calendário de crédito que não desejava o saque emergencial.
Como sei se cai no golpe?
A Caixa informa que o retorno dos valores que não foram movimentados às contas do FGTS já foi concluído. Para verificar, o trabalhador pode consultar o extrato de sua conta pelo aplicativo FGTS, na opção “MEU FGTS”. Nele, o trabalhador pode ver detalhes de todas as suas contas no Fundo de Garantia, o saldo, os valores depositados e os saques realizados.
Se o valor não retornou à conta do FGTS, o trabalhador pode usar o aplicativo Caixa Tem para verificar se alguém realizou o cadastro no seu nome e se os R$ 1.045 ainda estão no saldo.
O que faço se caí no golpe?
Os pedidos de contestação de saque devem ser feitos pessoalmente em uma agência da Caixa. O banco afirma que, “para os casos em que houver comprovação de saque fraudulento, o beneficiário será devidamente ressarcido”. No caso de negativa do pedido, os clientes poderão fornecer informações adicionais e solicitar a reanálise da contestação em qualquer agência da Caixa.
Vítimas ouvidas para essa reportagem também foram aconselhadas nas agências a fazer um boletim de ocorrência junto à Polícia Civil.
Confira a nota da Caixa:
“A Caixa informa que atua conjuntamente com a Polícia Federal e demais órgãos de segurança pública na identificação de casos suspeitos e prevenção das fraudes no pagamento do Saque Emergencial do FGTS e demais benefícios sociais. A Caixa esclarece ainda, que para conter as ações dos fraudadores, diversos mecanismos têm sido implementados pelo banco, dentre os quais, destacamos:
- Validação digital de dados dos clientes em bases internas e externas;
- Validação documental por imagem;
- Monitoramento de cadastros;
- Monitoramento de transações;
- Atuação junto aos órgãos competentes para mapear a ação das quadrilhas.
Os pedidos de contestação de saque podem ser solicitados a qualquer momento pelos clientes e os processos serão analisados com a máxima celeridade, em virtude da necessidade imposta pela situação de pandemia em que o país se encontra. Para os casos em que houver comprovação de saque fraudulento, o beneficiário será devidamente ressarcido.
Em relação ao aplicativo Caixa Tem, os critérios de segurança de acesso são constantemente revisados e a implementação de melhorias é contínua, observando as melhores práticas de mercado e as evoluções necessárias a mitigação das ocorrências de fraudes, geralmente vinculadas a engenharia social, onde são utilizadas informações, documentos e acessos dos próprios clientes.
Assim, recomenda-se aos clientes e usuários que utilizem apenas os canais oficiais da Caixa para obter informações sobre o Auxílio Emergencial e FGTS Emergencial”.
Cuidados recomendados pela Caixa:
- Não forneça senhas ou outros dados de acesso em outros sites ou aplicativos.
- O cliente deve estar sempre atento a qualquer atividade e situação não usual, e principalmente não clicar em links recebidos por SMS, WhatsApp ou redes sociais para acesso a contas e valores a receber.
- Desconfiar de informações sensacionalistas e de “oportunidades imperdíveis”.
- Links suspeitos podem levar à instalação de programas espiões, que podem ficar ocultos no celular ou computador, coletando informações de navegação e dados do usuário.
- Utilizar sempre navegadores e softwares de antivírus atualizados
- A Caixa jamais pede senha e assinatura eletrônica numa mesma página, sendo a assinatura digitada somente por meio da imagem do teclado virtual
- A Caixa não envia SMS com link e só envia e-mails se o cliente autorizar.