ONDA DE DESTRUIÇÃO
"Dormi sete horas em quatro dias, estou num pesadelo", diz pai de jovem que vandalizou 60 vidraças na Região Metropolitana
Em entrevista a GZH, dono do caminhão usado nos ataques e sua mulher pedem perdão às vítimas
Um homem de 43 anos, que faz fretes de móveis e mudanças para sobreviver, sofreu uma das maiores decepções de sua vida ao assistir a um vídeo pelo WhatsApp, na última quarta-feira (14). As imagens mostravam um caminhão-baú tripulado pelos autores de mais de 60 atos de vandalismo registrados na Região Metropolitana. Uma onda de destruição de vidraças, em sequência, que começou em Porto Alegre e se estendeu por Cachoeirinha e Alvorada. Foram atingidos bancos, revendas de automóveis, lojas e repartições públicas. Horrorizado, o freteiro percebeu que se tratava do seu veículo – e um dos autores era seu filho, um jovem de 21 anos, retraído e frequentador de igreja.
As imagens apareceram na TV, em sites jornalísticos e foram para correntes de mídias sociais. O pai do rapaz afirma jamais ter imaginado que o filho fosse capaz de empunhar uma pistola de ar-comprimido e disparar chumbinhos a esmo nas ruas. Aliás, a compra da arma é um mistério para ele.
O jovem, em depoimento à Polícia Civil, disse que só tinha intenção de atingir vidros (não pessoas) e que tudo foi uma brincadeira de mau gosto, planejada junto com um amigo, motorista do caminhão.
— Quando assisti ao vídeo, não conseguia acreditar. Tive de rever 30 vezes as imagens para me convencer de que era meu caminhão mesmo, ali — recorda o freteiro, em entrevista exclusiva a GZH.
A entrevista com os pais do autor do vandalismo foi mediada pelos advogados Rodrigo Bado e Priscila Gomes, num escritório no centro de Canoas. Foram eles que convenceram o freteiro a apresentar à Polícia o filho, para responder pelos crimes. O rapaz e o motorista do caminhão provavelmente serão indiciados por danos (pena de um a seis meses de detenção) e danos qualificados (pena de seis meses a três anos de prisão, porque envolvem alguns patrimônios públicos). Mesmo que o caminhoneiro tenha garantido que foi obrigado a participar dos ataques, sob ameaça de perder o emprego.
Além disso, donos dos locais danificados prometem processá-los pelas perdas, que só em Porto Alegre superam R$ 100 mil em vidros quebrados.
Morador de Gravataí, o pai do rapaz que cometeu os crimes relata que já teve carreta e outros veículos de carga, mas sofreu baques financeiros e ficou só com o caminhão-baú. Com o qual faz fretes de qualquer tipo, para quem encomendar: mudanças, entregas de móveis, em geral. Entre os clientes, apenas duas empresas fixas, “o resto é bico que aparece”. A mãe do rapaz ajuda.
A família é profundamente evangélica. Vão a culto todas as quintas-feiras, no chamado Encontro de Milagres e Fé. Pai, mãe e seu único filho. O rapaz sempre foi “um guri muito isolado, bem na dele”, descreve a mãe dele. O jovem teve apenas uma namorada, por meses, garantem. De resto, ajuda o pai no transporte de móveis e fica trancado no quarto, vendo filmes e jogando games. Confira os principais trechos da entrevista:
O filho de vocês já cometeu crimes?
Mãe - Jamais fez qualquer coisa errada. Nunca passou numa delegacia. Ele chega das entregas e não sai de casa. Fica vendo TV, jogando videogame. Não tem ido ao templo por causa do coronavírus, mas ele sempre foi ativo lá. Viajou para Caxias, Bento Gonçalves, Prainha de Morungava, sempre com grupos de jovens da igreja. Ele precisa se medicar, teve diagnosticadas mania e depressão.
Ele estuda, trabalha?
Pai - Ele fez Ensino Médio e um ano de faculdade, na área de exatas. Trancou matrícula porque não conseguia se concentrar nos cálculos. Ele trabalhava comigo até um ano atrás, fazendo bico com o caminhão. Não tem carteira de motorista, então ele carregava os objetos e contratamos um motorista para trabalhar com o meu filho. Um amigo da igreja. Emprestei o caminhão a eles, porque estou com três hérnias de disco, não posso mais pegar no pesado.
Como o senhor soube que ele tinha cometido atos de vandalismo?
Pai - Desconfiei quando vi, num grupo de WhatsApp de vizinhos, o vídeo das vidraças quebradas. Aparecia o caminhão e na hora achei que era o meu. Foram apenas dois segundos. Olhei 30 vezes. Queria achar uma desculpa para não acreditar. Tive certeza às 11h39min do dia seguinte aos fatos, aí me convenci que era meu veículo. O guri tinha chegado num horário normal, perto das 20h. Não desconfiei, até ver o vídeo.
Mãe – Fiquei chateada que citaram cidades onde ele não esteve, locais que ele não passou. Deve ter gente que imitou. Ele tem problema, mas não é de crime. Ele surtou.
Qual foi sua reação?
Pai – Aí aparece nos comentários do Facebook: “Tem de castrar, tem de enforcar, tem de matar”. Insuportável. Dá vontade de dizer “calem a boca, conheço meu filho, não é assim que aconteceu”. Segui o conselho do advogado e saí das redes sociais. Só aí melhorei um pouquinho. Fiquei 41 horas sem dormir (o pai do rapaz chora…).
Como o senhor abordou ele?
Pai - Quase dei uns murros nele, mas não cheguei nesse ponto, porque a gente é da igreja, não é da nossa índole fazer algo ruim. De início ele desmentiu, desmentiu, desmentiu, arregalou aqueles olhão...Aí perdi a paciência, disse “Cara, para de mentir, eu conheço meu caminhão”. Aí ele admitiu, me disse “dei uns três ou quatro tirinhos”. Como eu tinha de trabalhar, meus bicos por fazer, e disse que a gente ia conversar depois que eu voltasse. Mas aí deu mídia, soube que a Polícia tava atrás, resolvi agir. Liguei para ele e disse: “Vamos na Polícia, esclarecer tudo”.
Advogado – Esse senhor veio chorando no meu escritório, pedindo ajuda.
A polícia apreendeu seu caminhão?
Pai – Não, eu provei que dependo dele para viver. É meu ganha-pão. Sou um sujeito sério. Moro há 22 anos no mesmo lugar, tenho há 26 anos o mesmo aparelho telefônico. Me conta quantas pessoas o senhor conhece quantas que tem o mesmo celular há 26 anos? Dependo do trabalho para viver. Nunca me escondi em toda minha vida, me criei em vila, não me escondia nem de vagabundo. Agora estou com medo de aparecer na rua.
Como está seu filho? Tem noção do que fez?
Pai – Levamos ele de novo ao médico, ele foi medicado e, por conta da medicação, ele está calmo. Mas com aqueles remédios até um cavalo xucro fica calmo... Ele tá apavorado com o que fez. Achou que era uma brincadeira, tipo um filme (em depoimento, o jovem disse que se inspirou no filme Onde os Fracos Não Tem Vez, no qual um psicopata, interpretado por Javier Bardem, dispara armas de ar-comprimido para matar pessoas). Aliás, eu conheço o filme. Quem não viu, né? É difícil... a TV também só mostra sujeito com carrão de R$ 200 mil, vida na moleza, mulheres maravilhosas. Ele fica horas vendo filme e jogando game. É um cara que tem de ter acompanhamento psicológico, aí vê essas coisas, acha fácil a vida…
E a questão de indenização? Vão cobrar do seu filho, que não tem dinheiro.
Pai – Sim, vão cobrar do guri. A gente faz bico, não sei o que fazer. O motorista também é gente boa, mora no mesmo bairro há 12 anos, frequenta igreja duas vezes por semana. Tem duas meninas lindas, abençoadas por Jesus...a mulher dele faz pizza e bolinha para vender. Tenho certeza que meu filho influenciou ele a fazer isso. Mas chegar nesse ponto?
O que o senhor tem a dizer para as vítimas dos prejuízos?
Pai – Mesmo com o medicamento para a coluna, que é quase tão forte quanto morfina, não consegui dormir. De preocupado que estou. Dormi sete horas em quatro dias, estou num pesadelo, com cabeça doendo de tanto pensar. Sei bem o que essas pessoas estão sentindo, me coloco no lugar deles. Ouvi uma das vítimas falar que há 30 dias não vende nada. Me coloquei no lugar dele e comecei a chorar (ao lembrar, ele chora de novo)... Me perdoem, não sei o que fazer.