Crime em Viamão
Um ano após ser baleada dentro de casa, menina segue em tratamento e precisa de cadeira de rodas nova
Rafaella Freese da Silva, agora com 11 anos, faz fisioterapia duas vezes por semana
Conseguir uma nova cadeira de rodas para a filha e um emprego para o marido são alguns dos anseios que movem Valéria Freese Salvador, 27 anos. Mas a maior expectativa da dona de casa é ver a primogênita andando de novo. Há um ano, a família se viu cercada por uma sequência de disparos que atingiu a casa onde residiam há cerca de uma semana na Vila Universal, em Viamão. Rafaella Freese da Silva, à época com 10 anos, foi baleada na coluna por um dos tiros que transfixou uma janela. Desde então, a rotina do casal e dos três filhos inclui tratamentos e cuidados diários, além da tentativa de superar os traumas para seguir em frente.
Após o episódio na manhã de 17 de abril do ano passado, eles não regressaram mais à casa em Viamão. A menina assistia televisão na sala, junto a irmã mais nova e o caçula, um bebê de três meses, quando os tiros começaram. Baleada nas costas, Rafa, como é chamada, perdeu os movimentos das pernas. A criança ficou hospitalizada durante mais de um mês em Porto Alegre. Depois, mudou-se com os pais e os dois irmãos para Alvorada, na Região Metropolitana. Inicialmente, ficaram em uma casa alugada e mais recentemente foram morar em um apartamento adquirido pela família.
A mãe conta que a filha ainda não tem movimentos voluntários, mas recuperou a maior parte da sensibilidade da cintura para baixo, que havia sido comprometida.
— Mantemos a expectativa da recuperação dela. É o que esperamos desde o início. Pode levar um ano, dois, três ou 10. Mas o que pudermos fazer para que ela se recupere, vamos fazer — garante a mãe.
A situação da família, que precisa encontrar formas de se manter, também não tem sido fácil. O pai Carlos Rafael Matos da Silva, 30 anos, com experiência em construção civil e como motorista, está em busca de emprego. Ele precisou deixar o trabalho de lado logo após a filha ser baleada porque precisava revezar com a esposa o período no hospital. Agora, tenta se recolocar. Uma campanha online para ajudar a menina serviu de suporte nos últimos meses. Por meio da vaquinha foram arrecadados R$ 24,3 mil, que possibilitaram dar entrada no apartamento financiado e custear outras despesas como deslocamento para fisioterapia e outras consultas. A campanha segue ativa por meio deste link.
Na última quinta-feira, pela primeira vez, Rafa foi de casa até o centro de reabilitação, onde é atendida duas vezes por semana na zona norte da Capital, de ônibus. Valéria conta que a menina estava receosa e envergonhada por ter que embarcar no coletivo em uma cadeira de rodas.
São coisas assim que ela vai se adaptando. Por vezes, ela diz que já cansou disso. Fica chateada porque queria estar caminhando, fazendo o que ela fazia antes. Então, converso muito com ela. Explico que é o melhor para ela nesse momento. Felizmente, ela entende muito bem e seguimos.
VALÉRIA FREESE SALVADOR
Mãe da Rafaella
— São coisas assim que ela vai se adaptando. Por vezes, ela diz que já cansou disso. Fica chateada porque queria estar caminhando, fazendo o que ela fazia antes. Então, converso muito com ela. Explico que é o melhor para ela nesse momento. Felizmente, ela entende muito bem e seguimos — conta a mãe.
Com a pandemia, e as aulas não presenciais, Rafa passa a maior parte do tempo em casa, com os irmãos. A mãe busca as lições no colégio para que ela possa dar seguimento ao aprendizado. A família tenta obter uma nova cadeira de rodas, já que a atual é pesada e não permite que a menina movimente as rodas sozinha.
— A cadeira já quebrou duas vezes. Estamos tentando conseguir outra pelo SUS, mas ainda não chegou. Fizemos um orçamento e seriam R$ 5 mil. Agora, infelizmente, não temos condição. Distribuímos muitos currículos na esperança de que meu marido consiga um emprego. Seria uma maravilha se conseguisse — espera Valéria.
Não é apenas a menina que tenta superar os traumas, já que a família toda acabou afetada. A irmã mais nova, de sete anos, não consegue dormir longe de Rafa. Adormece na cama ao lado, mas, ainda assim, durante a madrugada, costuma pular para a da "mana", como chama. Quando escutam algum barulho na vizinhança os pais já ficam em estado de alerta.
— Sempre tivemos cuidado com nossos filhos, agora isso é ainda mais. Aquilo de dormir sossegado, não existe. Um ano depois, essa sensação continua. Acreditamos que vai passar em algum momento. Tive muita ansiedade nesse período e a Rafa também. No início, era a questão do hospital, depois em casa. Agora é poder ter as coisas para dar o melhor suporte possível para ela. O que tiver de fazer, vamos fazer por ela — garante a mãe.
No ano passado, quando completou 10 anos em 4 de abril, Rafa escolheu uma bicicleta no lugar da festinha de aniversário. Agora, o bolo de 11 anos chegou por meio de uma doação à família. Valéria mantém o brinquedo do ano passado em casa, na expectativa de que a filha possa voltar a se divertir com ele. No início deste ano, Rafa estava na sala, sentada ao lado da mãe, quando disse que conseguia mexer o dedão do pé voluntariamente. A menina repetiu o movimento algumas vezes. Sempre que sente a sensibilidade em alguma área do corpo, avisa a mãe. São momentos que renovam as esperanças da família.
O caso
A investigação da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Viamão concluiu ainda no ano passado que os criminosos que atiraram em direção à casa da menina acreditavam que outras pessoas residiam ali. A família havia se mudado recentemente para o local.
Os mesmos criminosos teriam sido responsáveis por matar um rival em outra casa próxima com cerca de 20 tiros. O crime está vinculado à disputa entre facções. Ao todo, oito foram indiciados e depois denunciados pelo Ministério Público. Eles respondem pelos crimes de homicídio duplamente qualificado e tentativa de homicídio duplamente qualificado. Os nomes dos envolvidos, que foram presos ao longo da investigação, não foram divulgados.