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"Só quero que nenhuma mulher sofra o que nós sofremos", diz uma das pacientes que relata ter sido vítima de médico

Ginecologista Cairo Barbosa é réu por violação sexual mediante fraude contra três mulheres  

28/05/2021 - 12h59min


Leticia Mendes
Leticia Mendes
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Leandro Lopes / Canguçu Online
"Não consigo deixar que meu marido me toque", diz uma das mulheres que procurou a polícia

Moradoras do mesmo município no sul do Estado, duas mulheres se viram no centro de um caso que ganhou repercussão nesta semana. O ginecologista Cairo Barbosa, de Canguçu, tornou-se réu por violação sexual mediante fraude.  Quatro pacientes — entre elas, as duas ouvidas por GZH — alegam terem sido abusadas por ele durante consultas. Após a divulgação dos fatos, pelo menos mais 12 mulheres procuraram a Polícia Civil e uma buscou o Ministério Público. O médico, que nega as acusações, responde em liberdade. 

As duas mulheres — que pediram para ter a identidade preservada — contam terem sido vítimas do médico em mais de uma vez, enquanto estavam grávidas. Uma delas foi atendida no Hospital de Caridade de Canguçu, onde ele realizava atendimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e outra em sua clínica particular, localizada na área central da cidade. Segundo o Ministério Público, duas medidas cautelares determinaram que o ginecologista seja afastado da casa de saúde e tenha a atividade médica suspensa durante o andamento do processo.  

Em comum, elas relatam que o ginecologista teria alegado que precisava realizar um exame, para coleta de material. E, por isso, teria tocado nas partes íntimas das pacientes, sem uso de luvas. As duas contam terem se sentido desconfortáveis com a situação. Em um dos casos, o médico ainda teria passado a mão ao longo do corpo da mulher. Para a polícia, a intenção não era realizar nenhum tipo de exame e sim abusar das mulheres. Ambas passaram por depressão, tratamento psicológico e uso de medicamentos controlados.  

“Ele seguiu normalmente o atendimento” 

Em 2017, grávida, uma mulher procurou a clínica do ginecologista — em outra oportunidade já havia sido atendida por ele. Durante o atendimento, conta que ele pediu para que ela se despisse e deitasse em uma maca. Ali, o médico teria dito que precisava estimular seu corpo para que conseguisse fazer uma coleta de material. Neste momento, teriam iniciado os abusos.  

— Quando ele pediu para tirar a roupa, tudo bem, já que os outros médicos também pedem. No momento em que ele começou a massagear meu clitóris e passar a mão ao longo do meu corpo, me dei conta de que tinha algo errado. Então, ele encostou em mim, porque a maca estava na altura da cintura dele, e percebi que ele estava com o órgão genital ereto. Ali, foi que me caiu a ficha. Mas ele seguiu normalmente o atendimento, como se nada tivesse acontecido — descreve a mulher de 43 anos.  

Apesar do episódio, a mulher conta que não teve coragem de dizer nada naquele momento. Algum tempo depois, após realizar os exames recomendados pelo médico, ela retornou ao consultório. A paciente diz que não imaginou que a cena se repetiria. Mais tarde, ela acabou tendo um aborto espontâneo, com 12 semanas de gestação.  

— Ainda estava em dúvida se o que tinha acontecido tinha sido um abuso sexual. E ele fez de novo. Eu achei que ele não ia fazer de novo. Mas fez. Foi quando percebi que estava diante de um maníaco e decidi denunciar. O que mais me motivou, além da impunidade, pelos tantos anos que as pessoas comentavam e ninguém fazia nada, é o fato de que tenho uma filha. Futuramente, ela vai precisar de ginecologista e não quero que passe por isso. Tive depressão, síndrome do pânico, insônia. Foram muitos traumas. Hoje, meu único objetivo é que ele não possa mais atender para não fazer mais vítimas — relata.  

“Não consigo ser abraçada” 

O primeiro atendimento realizado por uma das mulheres com o médico foi em 2012, aos 20 anos, quando estava prestes a dar à luz o primeiro filho. A mãe da jovem estava junto, mas o ginecologista não teria permitido que ela entrasse na sala. 

Durante a consulta, no Hospital de Caridade de Canguçu, relata ter sido abusada pela primeira vez pelo ginecologista, que passou a estimular seus órgãos genitais, afirmando que se tratava de um exame para a movimentação do bebê. Naquele momento, disse que não entendeu que se tratava de uma violência sexual.  

— Ele ainda teve a coragem de me dizer, após ter feito o que fez, que gostava de mãezinha de primeira viagem porque não teimava. Depois de dizer que era um exame de estimulação do bebê e eu não sabia de nada. É revoltante — desabafa.  

Após o atendimento, procurou uma enfermeira para saber se aquele tipo de conduta estava correta e soube que não. Em 2016, a jovem voltou a procurar o hospital, quando estava grávida novamente. Acabou deparando com o mesmo médico e diz que novamente foi vítima. Após os episódios, ela passou por depressão, automutilação e tentativas de suicídio. Até hoje, segue em tratamento médico e sofre com a dificuldade de manter contato físico, até mesmo com a própria família.  

— Faço terapia, tomo remédios. Não consigo deixar que meu marido me toque. Tenho pavor de abraços. Meus filhos querem me abraçar, e invento uma desculpa. Não consigo ser abraçada. Não consigo ter o toque de pele. É um trauma que ficou e não consigo me livrar — diz.  

A coragem para buscar a polícia veio em 2018, quando soube que mulheres tinham se unido para denunciar o médium João de Deus por abusos durante atendimentos. Agora, ela espera que o caso delas também sirva de inspiração para outras mulheres.  

— Sei que estou fazendo a coisa certa em denunciar. Não é apenas por mim, é por uma cidade toda. Por várias mulheres. Todas nós temos algum trauma. Espero que sirva de exemplo para outros casos. Se em outra cidade, outra mulher tiver passado por isso, denuncie. A justiça vai ser feita. Não se cale. Minha maior vontade é que não possa mais atender. Só quero que nenhuma mulher sofra o que nós sofremos — afirma.  

O que diz a defesa  

O advogado Gustavo Goularte, responsável pela defesa de Barbosa, afirma, em nota, que o cliente é inocente. 

"As acusações são bem graves. Não existe prova da ocorrência. A defesa que foi apresentada nesta quarta-feira, no processo, já traz em caráter preliminar fortes elementos da inocência do nosso cliente. Os fatos são inexistentes. Uma das exigências do doutor Cairo é que o processo tramite o mais rápido possível para que a verdade se estabeleça." 


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