Em parada de ônibus
"Segurei ela nos braços", diz testemunha de latrocínio de jovem na zona sul de Porto Alegre
Maquiadora de 57 anos foi uma das pessoas abordadas por criminosos em ação que terminou na morte de Cristiane da Costa dos Santos, 20 anos, no bairro Cristal
Quando fecha os olhos, uma maquiadora de 57 anos enxerga de forma repetida a mesma cena. Na noite da última quinta-feira (23), ela aguardava pelo ônibus ao lado do BarraShoppingSul, no bairro Cristal, zona sul de Porto Alegre, quando uma jovem foi morta com tiro no peito durante um assalto. Cristiane da Costa dos Santos, 20 anos, ainda pediu socorro e foi amparada. Mas não houve tempo de socorrer a vítima, que morreu no local.
A maquiadora — que prefere não se identificar — chegou na parada, na Avenida Chuí, às 19h15min e ficou aguardando pelo ônibus. Por volta de 19h30min, estava distraída quando sentiu um puxão na manga. Um criminoso, de capuz e com máscara cobrindo o rosto, anunciou o roubo. Inicialmente, a mulher pensou que a arma fosse falsa e se recusou a entregar o telefone.
— Ele estava falando baixo, parecia tranquilo. Falei: "Não tenho". Quando levantei a cabeça, na minha frente tinha outro, também armado. Dizia: "Passa o celular". Me assustei, já estava pegando o celular da bolsa. Entreguei para ele — recorda.
Na sequência, o assaltante virou de costas e partiu na direção das outras pessoas. Havia cerca de 10 passageiros naquele momento na parada. Cristiane estava um pouco mais à frente, com os fones de ouvido e o celular. A maquiadora ouviu o grito do criminoso, ordenando que a jovem entregasse o aparelho, e, logo depois, o som do disparo.
— Foi muito rápido. Acho que não durou um minuto aquilo, toda a ação, entre chegarem e acontecer o fato. Ouvi o estampido do tiro. E todo mundo meio que se abaixou. Porque não sabia para onde que ele tinha atirado — descreve.
Assim que atiraram, os bandidos saíram correndo, levando os celulares de cerca de seis pessoas. Apavorados com o disparo, os passageiros ainda não tinham se dado conta de que a jovem havia sido alvejada no peito. Foi quando Cristiane, já perdendo as forças, andou em direção à maquiadora.
— Ela virou e gritou: "Socorro. Me ajuda. Levei um tiro". Ela caiu por cima de mim. Encostou do meu lado e desmaiou por cima de mim. Segurei ela nos braços e fui apoiando até o chão. Mas ela já não conseguiu falar mais nada. Fiquei muito nervosa. Gritei para o segurança do shopping. Pedi ambulância. Mas não deu tempo de fazer nada — lamenta.
"Caiu com o celular na mão"
A maquiadora, assim com os outros que aguardavam na parada, não conseguiu compreender o que levou o criminoso a disparar contra a jovem. Acredita que ela pode ter demorado a entregar o aparelho, porque estava com ele conectado ao fone.
Assim que atiraram, os assaltantes saíram correndo pelo meio da rua. Uma câmera de segurança próxima chegou a capturar o momento da fuga — no mesmo vídeo (veja acima), um rapaz que estava na parada e ficou assustado com o crime também aparece fugindo.
— Ela estava com celular na mão. Acredito que ou se atrapalhou para entregar o celular ou titubeou. Quando o primeiro me abordou, achei que a arma era de brinquedo. Mas o fato é que não era. Ela pode ter pensado o mesmo e ter tentado não entregar o celular ou se enroscou mesmo. O fio do fone de ouvido estava no pescoço dela. Ela titubeou e ele estava completamente sem paciência. Ela caiu com o celular na mão — diz a maquiadora.
Depois do assalto, as pessoas que estavam na parada disseram ter visto a dupla embarcando em um veículo, ainda não identificado, do outro lado da rua. A mulher, que também reside em Porto Alegre, foi uma das testemunhas do crime ouvidas na última sexta-feira, durante a investigação do latrocínio. Após assistir a cena, ela diz que não conseguiu dormir e ainda se sente traumatizada pelo episódio.
— Já fui assaltada com arma outras duas vezes. Mas fiquei muito impressionada. Confesso que ainda estou tendo certa dificuldade. Estive no shopping, mas não tive coragem de ir àquela parada de novo. Tem mais policiamento agora, e segurança na saída do shopping. Mas, mesmo assim, a lembrança é muito forte — relata.
Aquela noite não foi a primeira vez que ela e Cristiane estavam na mesma parada e nem que se sentiam inseguras. A jovem, inclusive, já havia sido vítima de uma tentativa de assalto dois meses antes no mesmo local.
Cristiane costumava aguardar o ônibus naquele ponto todos os dias para retornar para casa, no bairro Tristeza, onde morava com a mãe e o irmão. A vendedora trabalhava havia cerca de seis meses em uma loja, para juntar dinheiro para voltar a fazer faculdade. Tinha parado o curso de Jornalismo por questões financeiras.
A maquiadora, que trabalhou por 11 anos diariamente no shopping, há cerca de dois passou a atender de forma esporádica (freelancer). Mas também ouvia com frequência relatos de colegas, temerosos com os roubos.
— Sempre teve assalto, não só naquela parada. Normalmente à noite, nos horários de saída, pegam parada cheia. Tomara que encontrem quem fez isso. Não tinha a menor necessidade de uma atrocidade dessas — lamenta.
Depois do crime, funcionários passaram a relatar que os assaltos são frequentes no entorno do shopping. Segundo a Polícia Civil, o objetivo dos bandidos que cometem roubos naquele local é justamente roubar os celulares. A Brigada Militar reforçou o policiamento na região ainda na sexta-feira. Em nota, o BarraShoppingSul informou que lamenta profundamente o ocorrido. Disse ainda que, mesmo que o caso tenha acontecido fora de suas dependências, está à disposição das autoridades para colaborar com as investigações.
A apuração do caso
A Polícia Civil analisa imagens de câmeras de segurança e investiga suspeitos do crime. Um deles foi levado pela Brigada Militar até a 20ª Delegacia de Polícia, que apura o caso, na última sexta-feira (24). A polícia acredita de que ele tenha vínculo com o latrocínio. No entanto, como não havia como embasar pedido de prisão naquele momento, o homem foi ouvido e liberado. Não foram divulgados detalhes do depoimento.
A polícia tenta identificar ainda pelo menos mais dois envolvidos no crime: outro que teria participado diretamente do roubo e o que teria sido responsável por dirigir o carro na fuga.
Na mesma noite do crime, a BM prendeu um suspeito com um veículo roubado, no bairro Vila Nova. O Onix havia sido levado em horário aproximado ao latrocínio, na Rua Curupaiti, perto da Avenida Chuí. Um suspeito foi preso com uma arma ao tentar ingressar nesse carro. Até o momento, não há indicação de que ele tenha participado da morte de Cristiane, embora tenha sido identificado com um dos autores do roubo do carro.
Ainda na sexta, um foragido, espancado por populares, por suspeito de envolvimento no crime, foi detido. Mas ele também não estaria envolvido no assassinato da jovem.