Tumulto será investigado
Confusão na Câmara de Vereadores durante discussão sobre o passaporte vacinal vira caso de polícia
Parlamentares da bancada negra registraram ocorrências por racismo, apologia ao nazismo e agressão. Manifestantes também formalizaram queixa
A confusão que terminou em briga durante discussão sobre o passaporte vacinal na quarta-feira (20), na Câmara Municipal de Porto Alegre, virou caso de polícia. Vereadores da bancada negra estiveram na tarde desta quinta-feira (21) na Delegacia de Combate à Intolerância da Polícia Civil, na zona norte da cidade, e registraram três boletins de ocorrências relacionados ao tumulto. Os manifestantes, que se envolveram na confusão, foram ao Palácio da Polícia formalizaram ocorrência por agressão.
Durante a sessão de quarta, um grupo de pessoas contrário à exigência de vacinas ingressou no plenário. A confusão teria começado em razão do conteúdo de alguns cartazes e papéis que manifestantes levavam em mãos: um deles continha uma suástica, símbolo do nazismo, cuja apologia é proibida por lei. Manifestantes, porém, alegam que a suástica estava presente justamente pela contrariedade da obrigatoriedade da vacinação, argumentando que a exigência seria, segundo eles, uma atitude nazista.
Os vereadores denunciaram alusão ao nazismo, racismo e agressão física. A titular da Delegacia de Combate à Intolerância, delegada Andrea Mattos, diz que parte das pessoas citadas como suspeitas pelos parlamentares já foi identificada — algumas são alvos de investigações em outras situações. A delegada adianta que todos serão chamados a prestar depoimento. Ela ainda vai requisitar gravações do videomonitoramento interno da Câmara para subsidiar as investigações.
— O primeiro fato é relacionado ao cartaz que faria alusão ao movimento nazista (...) O segundo registro mais específico, com relação às vereadoras negras. Elas teriam sido vítimas de racismo por parte de duas mulheres loiras que a todo momento faziam movimento denotando racismo, uma superioridade de uma raça com relação a outra. O terceiro registro foi de uma agressão física — relata Andrea sobre a ocorrência aberta pelos parlamentares.
Os vereadores entregaram à delegada o cartaz com a suástica no centro e outras imagens ao redor, o que teria sido o estopim da confusão.
— O que a gente quer entender melhor é por que essas pessoas entraram, quem são essas pessoas. A gente quer ver quem estava controlando essa passagem, porque parece-me que a entrada não se deu somente pela via principal. Então a gente quer entender como se deu esse processo. Quem estaria por trás, se é que existe alguém pro trás desses manifestantes. Porque nos parece que havia um planejamento dessa ação. Embora tenha sido feito de maneira desordeira — relata a delegada.
Conforme Andrea, o crime investigado é o previsto no Artigo 20, da Lei 7.716/1989, que é o de "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional". A pena prevista é de um a três anos de prisão e multa. O inciso 1º deste mesmo artigo também será levado em consideração: "fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo" — o que pode ampliar a pena para algo entre dois e cinco anos de prisão.
Compareceram à delegacia os vereadores Bruna Rodrigues e Daiana Santos (PCdoB), Laura Sito (PT) e Matheus Gomes e Karen Santos (PSOL).
— A gente precisa que, para além da investigação, o Ministério Público e a Justiça avancem na criminalização de pessoas que proferem ideologia de ódio. Esse é o nosso intuito ao fazer esse boletim de ocorrência. A gente espera que o caso vá adiante para que não aconteça novamente —disse o vereador Matheus Gomes.
Laura Sito relata que as vereadoras negras sofreram ofensas no momento da saída dos manifestantes do plenário.
— Duas cenas de racismo: uma direcionada à vereadora Bruna, que foi chamada de empregada, e a todas nós que fomos chamadas de lixo. E uma das participantes, ao sair, me disse: "Eu sou loira, eu sou linda e vocês são um lixo. Vocês são nossas empregadas". Nós resolvemos fazer o registro para que as medidas cabíveis sejam tomadas e as pessoas sejam responsabilizadas — sustenta Laura.
O que dizem os vereadores contrários ao passaporte vacinal sobre a confusão
A vereadora Fernanda Barth (PRTB), contrária ao passaporte vacinal, disse que aconselhou os manifestantes a registrar ocorrência na Polícia Civil por agressão. E afirma que pediu imagens internas da Câmara para avaliar as medidas cabíveis.
— Falsa apologia ao nazismo não justifica que vereadores invadam as galerias para agredir manifestantes. Calúnia e falsa imputação de crime, isso que eles (vereadores de oposição) fizeram. Não se pode confundir uma crítica à apologia — argumenta Fernanda.
A vereadora também criticou a nota publicada pela Câmara sobre o ocorrido. Um dos trechos diz que "em hipótese alguma esta Câmara aceitará apologia à suástica, símbolo do período mais obscuro da história moderna da humanidade".
Para Fernanda, a Mesa Diretora não viu o cartaz. Ela ainda afirma que pediu reconsideração sobre o que foi publicado.
O vereador Alexandre Bobadra (PSL) disse que "vereadores da ultra-esquerda" provocaram o público que estava nas galerias e que a narrativa desses parlamentares está deturpando os fatos.
— A gente sabe que tem muita gente contra e a favor do passaporte vacinal. A gente tem que respeitar a posição das pessoas. Os vereadores subiram (nas galerias) para arrancar cartazes, provocar o conflito para tirar o mérito do protesto — sustenta Bobadra.
O vereador faz questão de dizer que é contra qualquer ato de apologia ao nazismo. Também que os manifestantes portavam um cartaz que "teve a intenção de mostrar que o passaporte vacinal seria uma atitude nazista". Bobadra disse que foi agredido por vereadores da esquerda e que possui imagens que comprovam isso. Ele disse que terá reunião com seus advogados para decidir sobre as providências cabíveis.
Manifestante nega apologia ao nazismo e registra boletim por agressão
GZH conversou com um dos manifestantes que aparece nas imagens que circulam nas redes sociais sobre a confusão. O advogado Antonio Henrique Antunes Bertolin, de 36 anos, disse que a entrada dos contrários ao passaporte vacinal foi autorizada pela Mesa Diretora da Câmara.
— As galerias estão lá justamente para isso, para que o povo possa estar presente, possa participar, possa ver o debate que está ocorrendo com relação aos projetos, principalmente esse que é sobre o passaporte sanitário — conta.
Segundo Bertolin, o polêmico cartaz com a suástica tinha o objetivo de comparar a exigência do passaporte vacinal a atos nazistas. Garante que em hipótese alguma era uma apologia ao nazismo.
— Nós entendemos como uma medida idêntica às medidas que eram adotadas pelo regime nazista. E ali, naquele cartaz, que é uma denúncia, constava o símbolo da suástica, que é um símbolo nazista que não estava por completo. Não estava na sua íntegra o símbolo. Mas em todo o caso não havia nenhuma apologia dada ao nazismo — sustenta Bertolin.
Conforme o advogado, ele e pelo menos mais uma amigo manifestante foram agredidos por vereadores. Os dois foram até o Palácio da Polícia para registrar ocorrência por agressão. Ele acrescenta que as agressões começaram quando vereadores de esquerda foram até as galerias onde os manifestantes estavam para arrancar das mãos deles esse cartaz.
— E foi ali onde eu me recusei (a entregar o cartaz). O pessoal que estava comigo se recusou. Nós não iríamos entregar o cartaz para eles — disse Bertolin.