Começo de temporada
Ao menos 21 casos de golpe do aluguel foram registrados em praias do RS; saiba como não cair em falsos anúncios
Casos foram registrados em Torres e Capão da Canoa, entretanto, o veraneio está apenas no início
Há pelo menos 10 anos, a atividade se repete: com a chegada do fim do ano, a supervisora administrativa Tatiana (nome fictício) tira alguns minutos por dia para procurar uma casa no Litoral Norte gaúcho para passar as festas de Natal e Ano Novo com a família. Em novembro, ela encontrou uma residência em Capão da Canoa que atendia aos critérios: ficava à beira-mar, cabia no orçamento e acomodava os sete familiares. Só depois de depositar parte do aluguel das diárias, no valor de R$ 1,2 mil, ela descobriu que havia caído em um golpe, que traria prejuízos emocionais e financeiros ao grupo.
Mesmo ainda no início da temporada de verão, ao menos 21 pessoas já registraram boletim na polícia após terem caído no mesmo tipo de estelionato, chamado golpe do aluguel, entre novembro e dezembro deste ano. Os registros foram feitos em Torres, que contabiliza 10 casos, e Capão da Canoa, que registra 11.
No caso de Tatiana, por precaução, ela decidiu pedir foto de diferentes documentos, como "prova" de que a suposta proprietária da residência, que se apresentou como Camila, falava a verdade. Pouco depois, ela recebeu as imagens: fotos de RG, da conta de luz do imóvel, do cartão da conta para depósito e do contrato de locação, todos no nome de Camila. Depois do depósito feito, no entanto, a suposta proprietária parou de responder mensagens e atender ligações.
— Olhando as fotos, parece tudo perfeito, o contrato, o cartão da conta dela. Eu puxei o CPF, vi que era dela mesmo, tudo certo. Lembro que pensei: "Tem que ser muito profissional para fazer todas esses documentos falsificados." E era. Depois que fiz o depósito, ela parou de falar comigo. Eu alugo casas há 10 anos, nunca tive problema. Mas tem coisas que a gente só percebe depois que passa por essa experiência — lamenta Tantiana.
A supervisora, que mora em Nova Santa Rita, descobriu o golpe porque, alguns dias depois de fechar o negócio, passou um final de semana em Capão da Canoa e decidiu aproveitar para ir até a casa que alugou, atrás da proprietária. A residência de fato estava no endereço fornecido pela golpista, mas pertencia a outras pessoas.
— Cheguei lá e fiquei ligando para ela, mas nada de atender. Os vizinhos que me falaram que eu era a oitava pessoa que caia no golpe nessa mesma casa. Foi quando começou a cair a ficha — lembra.
Tatiana foi até a delegacia e registrou boletim de ocorrência. Ela decidiu contratar uma advogada para levantar mais informações sobre Camila. Descobriu que a mulher mora na verdade em Santa Cruz do Sul.
— Pelo que investiguei, ela mora num local simples, é uma "laranja". Deve ceder o nome e outros dados para um grupo e recebe uma porcentagem nos golpes. Pensei em entrar com processo, mas ia levar anos e eu dificilmente teria o dinheiro de volta. No fim das contas, gastei com o dinheiro do aluguel falso, com a advogada e com o valor da casa que aluguei para mim e meu namorado. Não conseguimos achar outro local para a família toda, e estamos um em cada canto.
Para alertar sobre o golpe, Tatiana fez posts em grupos do Facebook no começo de dezembro. Até agora, conta que foi procurado por ao menos 15 pessoas que também caíram no falso anúncio de Camila.
Vítimas precisam registrar ocorrência
Algumas praias do Litoral Norte gaúcho não registraram esse tipo de golpe até o momento, conforme delegados das localidades.
Em Imbé, local que também costuma registrar esse tipo de caso, nenhuma ocorrência foi feita até o momento, segundo o delegado Antônio Carlos Ractz Junior, que atua no município. Ractz atribui a queda nos boletins ao trabalho desempenhado pelas equipes da delegacia.
— Nós conseguimos identificar os envolvidos. Quebramos sigilo bancário e telefônico. Derrubamos falsos anúncios na internet. Foi todo um trabalho que fizemos, e acredito que estamos sentindo agora esse efeito — pontua Ractz.
As praias de Balneário Pinhal e Cidreira também não tiveram registros até o momento, segundo o delegado Rodrigo Nunes. Ele cita a subnotificação, comum nesse tipo de crimes, como um dos motivos para o número baixo. Seja por vergonha ou por acreditar que o dinheiro não será recuperado, muitas pessoas deixam de fazer o registro dos casos junto a Polícia Civil.
— Temos que levar em conta que esse período de verão recém começou. Além disso, há pessoas que não fazem o boletim. Realmente, é muito difícil de o valor ser recuperado. No entanto, os registros servem também para que possamos reunir mais pistas para localizar esses grupos. E quando conseguimos ligar vários casos a um mesmo golpista, por exemplo, a pena pode ser aumentada. Isso é levado em conta na hora da condenação — explica Nunes.
A reportagem também solicitou dados para a polícia de Tramandaí, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.
Proprietária relata que cena se tornou comum
Na outra ponta, quem também sente efeitos do golpe são os proprietários de imóveis no Litoral. Vanessa (também nome fictício), que aluga uma casa em Torres há quatro anos, conta que ver famílias inteiras chegando e dando com a cara na porta é uma cena que se tornou frequente, e comove toda a vizinhança, relata.
— No ano passado, teve uma família que chegou aqui dizendo que tinha alugado a minha casa com um corretor. Eu precisei explicar que era um golpe, que não tinha reserva deles. É muito triste. Você vê que era uma família humilde, que aquele dinheiro faria diferença para eles. E infelizmente não vai ser recuperado — conta a proprietária.
Vanessa também faz posts em grupos nas redes sociais, com imagens de sua casa, para alertar que o local só pode ser negociado com ela.
— Uma vez eu entrei em contato com um desses supostos corretores. Ele começou a me mandar fotos de residências, uma delas era a minha própria. Ele tentou alugar para mim minha própria casa! Comecei a questionar e ele me bloqueou. Tem que investigar antes de fechar negócio — lembra.
Esteja atento
Como agem
- Golpistas podem tanto criar falsos anúncios, com fotos de imóveis que não existem, quanto podem usar um verdadeiro como base
- Em geral, pedem a antecipação de 50% do valor, afirmando que é a forma de garantir a reserva
- Os depósitos costumam ser realizados em nome de laranjas
Dicas para se prevenir
- Se alugar diretamente com o proprietário, coloque no orçamento uma visita antecipada ao imóvel. Não alugue nada sem ter certeza de que está em contato com o dono do imóvel.
- As fotografias não são garantia de que o imóvel existe ou de que está nas mesmas condições do anúncio. Mais um motivo para buscar fazer uma visita antecipada.
- Pedir a metade do valor como entrada é uma estratégia comum entre esses golpistas, para garantir que receberá algo logo. Estelionatários costumam ter pressa para receber. Fique atento a esse comportamento e desconfie.
- Alugar diretamente com imobiliárias é uma das dicas para ter maior garantia sobre a negociação.