Cerco ao crime organizado
Em sete cidades da Grande Porto Alegre, Polícia Civil fez 1,5 mil prisões em 2021 durante investigações de homicídios
Captura de líderes e descapitalização de facções estão entre estratégias que explicam aumento de 30% nas detenções
Em agosto, agentes do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Porto Alegre se uniram a policiais paraguaios para capturar um dos líderes remanescentes de uma organização criminosa. A prisão ocorreu do outro lado da fronteira, em Pedro Juan Caballero (vizinha de Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul). Dois dias antes, havia sido localizado em Salvador, na Bahia, outro chefe de facção gaúcha, apontado como mandante de assassinatos.
Encarcerar as lideranças dos grupos criminosos e ampliar o olhar para os homicídios cometidos pelo tráfico, responsabilizando a todos, ainda que não tenham ordenado o crime ou apertado o gatilho, está entre os motivos apontados pela Polícia Civil para o salto nas prisões em apurações de assassinatos em sete cidades da Grande Porto Alegre. Em 2021, foram 1.550 detidos pelo DHPP em investigações, contra 1.190 no ano anterior — acréscimo de 30,2%. A média é de quatro prisões desse tipo por dia.
Para encontrar os foragidos, a polícia deu mais fôlego à Divisão de Inteligência, com o aumento de agentes para rastrear vestígios de onde se encontravam os criminosos. Num trabalho minucioso, ao longo do ano, 12 chefes de facções foram capturados fora do Estado. Mais da metade estava em Santa Catarina, como Tiago Soares da Silva, 38 anos, o Pequeno, investigado por 11 homicídios e preso em um apartamento de luxo no litoral do Estado vizinho. Os outros foram encontrados no Paraguai, na Bahia e no Rio de Janeiro. Entre eles, Leonardo Silva de Souza, o Nego Leo, de 25 anos, detido em Pedro Juan Caballero.
— Mesmo de fora do país, ele fazia toda a movimentação econômica lá do Paraguai, com remessa das drogas, mandado de tomada de pontos de drogas, que é o que gera mais homicídios, essa disputa por domínio no tráfico. Por isso, a importância de localizar essas lideranças. É um trabalho muito complexo, mas que dá resultados — explica a delegada Vanessa Pitrez, diretora do DHPP.
Além de prender, isolar líderes, seja por meio das penitenciárias federais ou com a movimentação do preso dentro do sistema carcerário gaúcho, é outro meio empregado para tentar minimizar a influência deles nas ruas. O combate à lavagem de dinheiro também está entre as formas de tentar frear a capacidade que esses líderes têm de custear homicídios. Com menos recursos, fica mais complexo pagar executores, adquirir armas e arregimentar novos membros.
— A principal maneira de o criminoso ascender dentro da facção, em poder, não só em status, em poder econômico, é colecionando homicídios. Quanto mais mata, ganha mais pontos de drogas ou passa a ter a própria arma, não precisa devolver. Quando se ataca a liderança e a descapitaliza, se enfraquece todo o grupo — detalha a delegada.
Queda nos homicídios
O aumento das prisões ocorre num cenário no qual homicídios vêm diminuindo no Estado e na Região Metropolitana. Além de Porto Alegre, os dados são relativos a Alvorada, Canoas, Gravataí, Novo Hamburgo, São Leopoldo e Viamão. Em 2021, de janeiro a novembro, os sete municípios tiveram 454 assassinatos — 161 a menos do que no mesmo período de 2020, quando foram 615.
Alvorada lidera a lista de maior redução de assassinatos, com 52 a menos (de 112 para 60). Na Capital, por exemplo, foram 37 vítimas a menos (de 253 para 216). Há um ano, a abrangência do DHPP foi ampliada, e os municípios de Alvorada, Canoas, Gravataí, Novo Hamburgo, São Leopoldo e Viamão passaram a fazer parte do departamento (os dados de prisões em 2020 já contabilizaram as realizadas nestes locais).
À frente da Divisão de Homicídios da Região Metropolitana, o delegado Cassiano Cabral entende que o aumento das prisões e a responsabilização dos líderes pelos crimes cometidos têm vínculo direto na queda dos assassinatos.
— A prisão das lideranças, dentro e fora do Estado, repercute muito dentro do sistema prisional. Muitas vezes, a remoção ao sistema penitenciário federal faz com que o elo seja cortado. Esse rearranjo, por vezes, demora para acontecer. E também os líderes, percebendo que estão sendo responsabilizados, mudam a prática. E agora temos esse planejamento de foco nas lideranças, além do trabalho diário que resulta em prisões — afirma.
Olhar ampliado
Diretor executivo do Instituto Cidade Segura, Alberto Kopittke considera positivo que o Estado empregue o uso da inteligência policial como estratégia para frear a criminalidade. Acredita que esses resultados, aliados à queda dos homicídios, refletem a série de ações realizadas ao longo dos anos, como criação do DHPP, Operação Pulso Firme, melhoria salarial na segurança e o programa RS Seguro.
— São medidas que perpassam governos, que mudaram completamente a segurança no Estado. Em vez de focar somente na quantidade de presos, em prisões de microtraficantes, passamos a ter uma visão de segurança com inteligência. Focada, integrada, com análise de indicadores. O RS não embarcou nessa retórica de guerra que só aumenta a letalidade, mas sim passou a se aprimorar tecnicamente na direção do que apontam as melhores experiências do mundo. De conseguir ter controle da violência, desses grupos, e passar o recado de que o homicídio não é tolerado — afirma.
Indiciamentos
A responsabilização não apenas dos executores, mas também dos mandantes, é uma das estratégias que passaram a ser usadas nos últimos anos como forma de coibir os homicídios. Mas esse método também evoluiu. Além das duas pontas dessa cadeia, as apurações vêm tentando identificar todos que, de alguma forma, contribuem para que o assassinato ocorra.
— A prática do homicídio no âmbito da organização criminosa tem logística totalmente diferente. Tem muitos membros daquela organização colaborando para que aquele homicídio aconteça. Seja roubando um carro, para que sirva para transportar, dirigindo, oferecendo as armas, munição, a casa, atraindo a pessoa que vai ser morta. Ampliamos o olhar para todas as pessoas envolvidas no cenário de homicídio — detalha a delegada Vanessa Pitrez, diretora do DHPP.
Dos assassinatos investigados pelo DHPP, cerca de 80% têm o tráfico como pano de fundo. Entender quem são as pessoas que cometem os crimes e quem são as vítimas é outra forma de conseguir identificar mais envolvidos.
— Também queremos trabalhar mais no combate à organização criminosa e à lavagem de dinheiro. Fazer o rastreio desse patrimônio, a fim de realmente estancar o poder da organização. Se ela não consegue se expandir, dominar novos pontos, temos menos homicídios — projeta a chefe do DHPP.
Detalhe GZH
A taxa de homicídios solucionados em 2021 também cresceu no RS. A média de assassinatos elucidados (aqueles nos quais o inquérito é encaminhado ao Judiciário com indiciamento de investigado) registrada pela Polícia Civil passou de 73,88% em 2020 para 76,04%. O número é referente aos dados de todo o Estado.