176 casos analisados
Jovens, sem medida protetiva e com histórico de violência: o perfil da maioria das vítimas de feminicídio em Porto Alegre
Pesquisa divulgada nesta segunda-feira pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul detalha ainda quem são os réus por esse tipo de crime
Mapear quem são os envolvidos em casos de feminicídio, detalhando o perfil das vítimas e dos réus, é uma das estratégias colocadas em prática pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul para tentar fomentar políticas de prevenção. Pesquisa divulgada nesta segunda-feira (17) aponta que a maioria das mulheres alvo desse tipo de crime na Capital é jovem, sem medida protetiva e com histórico anterior de violência.
Foram analisados 176 processos em tramitação na Vara de Feminicídios – desses, 34 resultaram na morte da vítima e os demais foram tentativas. Os processos analisados estavam tanto na fase de inquérito como aptos para julgamento. Os crimes ocorreram entre 2014 e 2021. Um dos dados mais alarmantes apontados pelo estudo é o de que a imensa maioria das mulheres não tinha medida protetiva: 86,29% delas.
Embora indique que aquelas que tinham medida podem ter sido protegidas, evitando novos casos, esse dado também revela falhas na rede, no entendimento da juíza-corregedora Taís Culau de Barros, à frente da Coordenadoria das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cevid).
— Medidas protetivas salvam vidas e são essenciais. Mas há atuação falha da rede como um todo, porque essas vítimas não conseguiram ser inseridas na rede de proteção a tempo de se evitar o crime. O que não se mede, não se muda. O conhecimento da realidade é essencial para que se formem políticas públicas e se atue na prevenção desses crimes odiosos — afirmou, durante a apresentação, na qual detalhou os dados da pesquisa, realizada entre julho e outubro do ano passado.
O estudo indica ainda que quase metade dessas mulheres já tinha tido medida protetiva anterior contra o mesmo agressor ou outro. Ou seja, tinham sofrido algum tipo de violência doméstica e buscado ajuda. A motivação dos crimes também foi detalhada pela análise. Os feminicídios na Capital, em sua maioria (69%), foram motivados por ciúme e sentimento de posse sobre a mulher, em situações nas quais a vítima terminou o relacionamento ou assumiu relação com outra pessoa. Os conflitos familiares e questões com filhos representaram 5% dos casos e discussões 12%.
Em relação aos réus, o estudo indica ainda que a maior parte já tinha registros de violência doméstica, tendo como vítima a mesma mulher ou outra, que 85% já respondia a outros tipos de processos, além de 58% que já tinham sido presos. Durante a pesquisa, 48% dos réus estavam soltos e 45%, encarcerados. Esse histórico de violência indica a importância do foco das medidas também no agressor, como os grupos reflexivos para agressores implementados pelo Tribunal de Justiça na Capital e em 42 comarcas.
— Os grupos são uma das formas mais eficazes de evitar a reincidência dos réus nos processos de violência doméstica — frisou a juíza-corregedora.
Situação econômica
A pesquisa também analisou a situação econômica das vítimas e dos réus, indicando que apenas 27% das mulheres tinha alguma relação de emprego identificada no processo, seja ela formal ou informal. O estudo reconhece que parte dessa análise pode ter ficado prejudicada em razão da falta de informação nos processos. Ainda assim, o resultado indica a necessidade de atuação com relação à vulnerabilidade financeira das vítimas. Quanto aos homens, 46% apresentaram fonte de renda. O mapeamento tentou apontar se alguma profissão se destacava, no entanto, os resultados foram muito diversos.
Um dos intuitos da pesquisa é disponibilizar os dados para que, a partir dessas conclusões, seja possível traçar novas estratégias e políticas públicas de enfrentamento à violência doméstica. No ano passado, o RS teve aumento nos casos de feminicídios – passando de 80, em 2020, para 97, em 2021. Em Porto Alegre, houve redução de 11 para nove casos.
— Nosso propósito é ter dados para podermos pensar preventivamente. Essa pesquisa nos deu uma boa linha de identificação de alguns problemas e situações que podem ser enfrentados. A grande maioria já tinha histórico de violência doméstica e percentual de mulheres que não estava com medida protetiva. Isso com certeza facilitou a prática do crime – disse a corregedora-geral de Justiça, desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, sobre a pesquisa.
Detalhes GZH
Medidas protetivas
De janeiro de 2020 até 16 de janeiro deste ano, 107 mil medidas protetivas para mulheres foram emitidas no RS.
Dados da pesquisa
Idade
A pesquisa mostra que tanto vítimas como autores estão em faixa etária semelhante, a de jovens adultos. A maior parte dos agressores, 78% deles, tinha entre 18 e 43 anos. Nas mulheres, metade delas tinha entre 20 e 38 anos – 11,8% estavam ainda na faixa da adolescência.
Locais de risco
O local de maior risco para as vítimas é a própria casa, apontada como ponto onde aconteceram 58% dos feminicídios. Outros locais foram via pública (21%), veículo (6%) e estabelecimento comercial (6%).
— Ou seja, onde a vítima deveria estar mais protegida, que é sua residência, é onde ocorre a maior parte dos crimes — disse a coordenadora da Cevid, juíza Taís.
Vínculo
A pesquisa também aponta que a maioria dos autores desse tipo de crime mantinha ou manteve anteriormente relação com a vítima. Pelo menos 40% eram ex-companheiros, 29% companheiros, 6% ex-namorados e 1%, namorados.
— Os feminicídios no nosso Estado estão relacionados não somente à condição feminina, mas também à violência doméstica. Temos que atuar com relação à violência doméstica para coibir o feminicídio — afirmou a juíza-corregedora.
População negra
Outro recorte apontado pela pesquisa foi o de analisar os números com base na cor e raça, tanto das vítimas como dos autores. Nesse caso, a conclusão foi de que a maioria dos envolvidos é de cor branca. No entanto, a incidência entre a população negra é maior. As mulheres negras representam 24% das vítimas e os autores negros, 20%.
O último Censo disponível é de 2010, em que 79% da população de Porto Alegre é apontada como branca, 10% negra e 10% parda. Isso permite concluir que os feminicídios atingem essa população de forma desproporcional.
Escolaridade
O estudo demonstra ainda que há baixa escolaridade tanto entre vítimas como entre autores. A maioria das mulheres, 61% delas, tinha apenas o Ensino Fundamental, seguido de 31% com Ensino Médio e 3% com Ensino Superior. Entre os réus, o índice é parecido, com 62% com Ensino Fundamental, 24% com Ensino Médio e 1% com Ensino Superior.
Tempo de relação
A análise mapeou ainda há quanto tempo os casais mantinham relacionamento. Nesse quesito também houve variação bem acentuada, com relações com apenas meio ano até 13 anos. A média de tempo calculada foi de quatro anos e meio, embora o dado não represente a maioria dos casos.
Filhos
O estudo também buscou entender se os envolvidos tinham filhos. A conclusão é de que 58% dos réus e vítimas não tinham filhos em comum – embora pudessem ter de outros relacionamentos – e que 33% tinham filhos em comum.
Uso de drogas
Quase metade dos réus se declarou usuário de drogas e 53%, de álcool. No entanto, o mapeamento pondera que esse dado pode ser maior, já que em 36% dos processos não há essa informação.
Onde pedir ajuda
Brigada Militar
- Telefone - 190
- Horário - 24 horas
- Serviço - atende emergências envolvendo violência doméstica em todos os municípios. Para as vítimas que já possuem medida protetiva, há a Patrulha Maria da Penha da BM, que fiscaliza o cumprimento. Patrulheiros fazem visitas periódicas à mulher e mantêm contato por telefone
Polícia Civil
- Endereço - Delegacia da Mulher de Porto Alegre (Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia), bairro Azenha. As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há DPs especializadas no Estado
- Telefone - (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências)
- Horário - 24 horas
- Serviço - registra ocorrências envolvendo violência contra mulheres, investiga os casos, pode solicitar a prisão do agressor, solicita medida protetiva para a vítima e encaminha para a rede de atendimento (abrigamentos, centros de referência, perícias, Defensoria Pública etc.), entre outros serviços