Crime em Planalto
Julgamento de mãe pelo assassinato do menino Rafael deve se estender por pelo menos três dias
Alexandra Salete Dougokenski, acusada de ter matado o próprio filho, vai a júri em 21 de março
O júri que decidirá o desfecho do caso de uma mãe acusada de matar o próprio filho de 11 anos poderá se estender por pelo menos três dias em Planalto, no norte do Rio Grande do Sul. O julgamento pelo assassinato de Rafael Mateus Winques, ocorrido em maio de 2020, está previsto para se iniciar às 9h30min de 21 de março, no Independente Futebol Clube. Segundo o Tribunal de Justiça, o julgamento deve ter, no máximo, quatro dias. A acusação e defesa estimam que possam ser necessários até cinco dias para que jurados concluam se Alexandra Salete Dougokenski, 34 anos, é ou não culpada pelo crime.
A complexidade do caso é o principal fator apontado por ambas as partes para que o julgamento, ainda que seja direcionado somente a uma ré, tenha duração longa.
– O volume de provas é bem extenso, acima da normalidade. Isso em razão de um trabalho muito bom feito pela polícia. Foram investigadas todas as linhas possíveis para o desfecho desse caso, ouvidas muitas pessoas, realizadas perícias – analisa o promotor Diogo Gomes Taborda, um dos responsáveis por representar o Ministério Público na acusação.
O primeiro passo é a definição dos sete jurados, que irão compor o Conselho de Sentença. Na tarde desta terça-feira (22), às 16h30min, serão sorteados 25 nomes de possíveis jurados e 25 suplentes, em razão da pandemia da covid-19. A partir desse grupo é que, no dia da sessão, haverá o sorteio daqueles que realmente integrarão o júri. Os jurados são mantidos incomunicáveis durante toda a realização do julgamento.
O passo seguinte é ouvir as testemunhas, num total de 11 – cinco delas foram indicadas por ambas as partes. O Ministério Público indicou inicialmente sete pessoas, entre elas policiais envolvidos na apuração do caso, uma professora e um irmão de Rafael. No entanto, a acusação desistiu de uma testemunha que reside em outra cidade (a mesma já havia sido ouvida ao longo do processo). Por parte da defesa foram indicadas 10 pessoas, como a mãe de Alexandra, um irmão da ré, e o pai de Rafael, Rodrigo Winques.
A expectativa é de que as testemunhas comecem a ser ouvidas já no primeiro dia do júri. Mas não há prazo para que essas oitivas se encerrem, já que, além do relato, cada parte pode fazer perguntas. Após todas as testemunhas serem ouvidas, será a vez do interrogatório de Alexandra. A estimativa do criminalista Jean Severo, um dos advogados responsáveis pela defesa, é de que o relato da mãe do menino possa durar até um dia inteiro de sessão:
– Na fase da instrução, já foi um depoimento longo. Acredito que o interrogatório da Alexandra será o ponto principal do julgamento, assim como a oitiva do Rodrigo e a acareação entre os dois. Para mim, o júri se define ali – prospecta.
Em razão de pedido da defesa, haverá esse momento de acareação entre a mãe e o pai de Rafael. Isso porque os dois apresentam versões contraditórias dos fatos. Embora na fase de investigação tenha admitido ter sido a autora do assassinato do filho, durante o processo Alexandra apresentou outro relato, onde apontou o ex-marido, de quem estava separada havia três anos, como o verdadeiro assassino. O advogado Daniel Tonetto, que é assistente de acusação em nome de Rodrigo Winques, afirma que nenhuma prova obtida ao longo da investigação apontou o agricultor como possível autor.
– É algo sem fundamento. Ela já apresentou diversas versões, e a cada momento que testemunha volta a mentir. É triste um pai perder o único filho e ter que ficar ouvindo esse tipo de acusação de alguém que matou o menino. Ele estava em Bento Gonçalves (onde morava), inclusive, no momento do crime, mas é um direto da defesa de pedir a acareação. O Rodrigo está à disposição da Justiça e, mais uma vez, vai provar que isso é totalmente infundado – afirma.
Debates
Justamente em razão da complexidade do caso, a Justiça definiu que o tempo dos debates entre acusação e defesa será prolongado. Inicialmente, a acusação terá 2h30min para detalhar seus argumentos e, na sequência, os advogados de defesa terão o mesmo tempo, num total de pelo menos cinco horas para as teses iniciais. Logo depois, caso o Ministério Público decida dar seguimento aos debates, terá disponível mais duas horas para a réplica e, neste caso, a defesa também contará com duas horas para a tréplica. Essa fase poderá durar, portanto, até nove horas no total – sem contar os intervalos entre cada manifestação.
Alexandra está presa desde maio de 2020, quando confessou ter assassinado o filho e indicou o local onde o corpo estava escondido em uma caixa de papelão, na garagem de uma residência vizinha. A mulher está detida preventivamente atualmente no Presídio Madre Pelletier, em Porto Alegre, mas durante o júri deverá ser mantida – durante a noite, em horário de intervalo das sessões – em casa prisional nos arredores de Planalto.
O acesso ao local do julgamento se dará às 9h, mediante a entrega de senha. O clube localizado na Rua Dom Pedro II, número 630, na área central de Planalto, foi escolhido para realização do júri em razão do espaço limitado no Fórum. Foram disponibilizados ao todo 67 lugares, sendo 15 para veículos de imprensa, cinco para a imprensa do Ministério Público, cinco para estudantes de Direito, dois para representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), 15 para familiares e 25 para o público em geral. Para ingressar no local, é obrigatória apresentação de passaporte vacinal e uso de máscara, além de respeito do distanciamento.
Os crimes
Alexandra é acusada de homicídio qualificado, por motivo torpe, motivo fútil, asfixia, dissimulação e recurso que impossibilitou a defesa da vítima, além de ocultação de cadáver – pelo fato de o corpo do menino só ter sido localizado 10 dias após a morte. Ela também responde por falsidade ideológica, por ter comunicado o desaparecimento da criança, mesmo sabendo que ele estava morto, e por fraude processual porque é acusada de ter alterado um calendário marcando uma data como forma de levar a polícia a acreditar que Rafael pudesse ter fugido.
Para a acusação, Alexandra matou o filho por estrangulamento dentro do quarto da criança e depois levou o corpo até a garagem da casa vizinha. Depois disso, a mulher teria forjado o desaparecimento do filho procurando o Conselho Tutelar e a Polícia Civil, onde afirmou que o menino havia desaparecido de casa. O corpo só foi encontrado após ela confessar o crime à polícia – inicialmente a mulher disse que havia matado Rafael sem querer, por ingestão de medicamentos para dormir, mas a perícia apontou outra causa para a morte: a asfixia.
– É difícil para o ser humano acreditar que uma mãe possa matar o próprio filho e reagir como ela se comportou. Existe um motivo mais amplo, que é o motivo torpe, que é atender esse sentimento de dominação que ela tinha sobre a vítima e sobre as pessoas ao redor dela. E um motivo específico, fútil, que ela vinha se sentindo incomodada pelo abuso do uso do celular. Ela levou o filho à morte por esses motivos. Algo que uma pessoa normal não entende, mas que para ela foi suficiente para matar a criança – afirma o promotor Diogo Taborda, que atua há seis anos como promotor e em dezembro esteve diante de outro júri rumoroso, que resultou na condenação de um réu a 41 anos por estuprar e matar uma adolescente de 12 anos em Santana da Boa Vista.
Do outro lado do júri do Caso Rafael, o advogado Jean Severo afirma que Alexandra se diz inocente e espera obter dos jurados a absolvição para todos os crimes.
– Esperamos que ela seja absolvida até porque ela apresentou no interrogatório uma versão segura do que aconteceu. A Alexandra não tem motivação para cometer esse crime. Ela não falou desde o início a verdade porque tinha muito medo do Rodrigo. Ela não cometeu o crime – alega o advogado.
Além da possível exaustão dos jurados, ao longo dos dias, Severo pondera que a repercussão do caso também pode ser fator que jogará contra a defesa. O advogado esteve em outros júris como o do Caso Kiss e do assassinato do menino Bernardo Boldrini, em Três Passos. O júri dos quatro réus pelo incêndio da Boate Kiss se estendeu por 10 dias, em dezembro do ano passado, e o dos quatro réus pelo Caso Bernardo por cinco dias, em março de 2019.
As partes
- Judiciário – juíza Marilene Parizotto Campagna, titular da Comarca de Planalto presidirá o julgamento
- Ministério Público – promotores Diogo Gomes Taborda e Michele Taís Dumke Kufner
- Assistente de acusação – os advogados Daniel Tonetto, Tiago Carijo da Silva e Humberto Ramos Zweibrucker
- Defesa – advogados Jean de Menezes Severo, Marco Aurélio Dorigon dos Santos, Filipe Décio Trelles, Gustavo Nagelstein, Tomas Antonio Gonzaga, Joana Darque Ribeiro Gomes Segala e Mayra Juppa