Polícia



Região Metropolitana

Mãe e padrasto são indiciados por tortura e morte de menina de três anos em Alvorada

Investigação da Polícia Civil vê indícios de que a criança sofreu reiterados ataques durante dois anos

23/06/2022 - 07h00min

Atualizada em: 23/06/2022 - 07h00min


Bruna Viesseri
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 A Polícia Civil indiciou a mãe e o padrasto da menina Mirella Dias Franco, que morreu aos três anos, em Alvorada, pelo crime de tortura-castigo com resultado morte. Lilian Dias da Silva, 24, e Anderson Borba Carvalho Junior, 27, teriam cometido uma série de agressões e atos violentos contra a criança ao longo dos últimos dois anos, quando a vítima passou a morar com o padrasto, de acordo com a investigação. Os dois estão presos desde 11 de junho.

O conselheiro tutelar Leandro da Silva Brandão, que teria mentido em depoimento durante a investigação, também foi indiciado por falso testemunho e falsificação de documento público. Ele está afastado das funções no conselho. O inquérito foi concluído nesta quarta-feira (22) e o resultado foi apresentado em coletiva de imprensa no Palácio da Polícia, em Porto Alegre, nesta manhã.

De acordo com a investigação, Mirella foi vítima de violência contínua por parte do casal, presenciada por diferentes testemunhas. Depoimentos colhidos e prontuários médicos da menina indicam que ela sofreu reiteradas agressões durante os dois anos em que conviveu com o padrasto. A criança estava sempre com medo, chorando ou machucada, segundo testemunhas.

A falta de denúncias sobre as agressões fez com que elas seguissem até a criança não resistir mais e morrer no dia 31 de maio, quando foi levada para a Unidade Básica de Saúde Jardim Aparecida, em Alvorada. A equipe do local afirmou que tentou reanimar a criança, mas que ela já estava sem vida quando chegou. Os servidores acionaram a polícia e o Conselho Tutelar após verificarem hematomas no corpo da vítima.

Conforme o laudo pericial do corpo da menina, a morte de Mirella teve como causa hemorragia abdominal provocada por instrumento contundente. Segundo a delegada responsável pela investigação, Jeiselaure Rocha de Souza, não há como saber quando ocorreu e qual das agressões causou a morte dela, porque a violência era frequente. No dia em que morreu, a menina teria recebido agressões e chutes do padrasto, segundo a delegada. Um dia antes, chegou a ir ao hospital porque estava com dores.

— É possível que a agressão que resultou na morte tenha ocorrido um ou dois dias antes e a hemorragia começado de forma mais leve, evoluindo depois. O laudo é conclusivo e chocante. Mirella morreu devido a uma hemorragia muito significativa, teve laceração maciça das vísceras, com o rompimento do fígado e do baço. Além de vários outros hematomas e fraturas por todo o corpo. Tudo foi se prolongando ao longo do tempo — complementa.

Segundo a polícia, as agressões eram feitas tanto pelo padrasto quanto pela mãe da menina.

Jeiselaure conta que a rotina da menina era repleta de violência. As agressões eram denunciadas pelas marcas no corpo da criança, em que foram constatados diferentes machucados e ferimentos. Cerca de 30 pessoas foram ouvidas pela polícia ao longo da apuração. Algumas delas afirmaram ter visto as agressões. Apesar disso, nenhuma delas fez nenhum tipo de denúncia sobre o caso.

— Há amigos dessa mãe que viram a menina amarrada. Pessoas que viram ela com olho roxo, machucada. A menina tinha queimaduras pelo corpo e não foi sequer levada para atendimento médico. A grande pergunta que fazemos é por que não tivemos denúncias. Nós perguntamos a essas pessoas. A maioria disse que, quando questionava o casal, ouviam que os machucados tinham ocorrido em razão de uma queda, porque a menina era ativa, que a irmã empurrou. Talvez essas pessoas tivessem receio de se indispor, não quisessem acreditar que aquilo aconteceu. Há um somatório de omissões.

No começo das investigações, o casal disse à polícia que as lesões eram causadas por quedas durante brincadeiras. Dias depois, no momento da prisão, os dois permaneceram em silêncio.

Dois anos, uma denúncia

Apesar das repetidas agressões, uma única denúncia às autoridades foi encontrada pela polícia. Em 10 de janeiro, o Hospital Cristo Redentor informou ao Conselho Tutelar de Alvorada sobre suspeitas de que a menina sofria maus-tratos. Na ocasião, a criança havia sido levada pelo avô materno a uma consulta, pois estava com fraturas.

O alerta foi encaminhado ao conselheiro Leandro da Silva Brandão. Ao depor na polícia, ele afirmou que, em fevereiro, esteve no endereço da família e tentou contato telefônico, sem sucesso. Alegou ainda que registrou as diligências em uma certidão e que não retornou ao local em razão de excesso de trabalho. Após o depoimento, no entanto, a polícia recebeu denúncias de que o homem estaria mentindo.

As equipes fizeram então diligências junto ao Conselho Tutelar, analisando planilhas de rotas dos veículos do órgão e ouvindo colegas, motoristas e demais funcionários. Conforme a investigação, Mirella só ganhou uma pasta de registro no órgão depois de morrer. E, nesta pasta, o conselheiro inseriu a certidão com a declaração, possivelmente falsa, de que havia tentado contato com a família em fevereiro, após a denúncia do Hospital Cristo Redentor.

Segundo o delegado Juliano Ferreira, da 1ª Delegacia Regional Metropolitana, "não há dúvidas" de que o homem mentiu em depoimento. O delegado explica que o inidiciamento de Leandro não ocorre em razão de omissão, mas da conduta dele durante o inquérito:

— Não foi apenas o deixar de agir por parte do conselheiro. Essa responsabilização criminal ocorre porque ele apresentou certidões e relatórios falsos, afirma que fez ações que não foram realizadas. Ele afirma que foi lá com seu veículo próprio, mas os funcionários são claros ao dizer que conselheiros nunca fazem essas diligências sozinhos, que não acompanhamento desse caso por parte dele — explicou Ferreira.

Para o delegado, houve falha geral da rede que deveria proteger Mirella:

— É preciso reconhecer que houve falha em todo o sistema. A menina foi atendida em outras oportunidades, outros hospitais, postos de saúde. Essa comunicação das agressões, seja pela equipe médica, por vizinhos, parentes, já deveria ter chegado até a polícia, mas não chegou. Com certeza, a rede falhou.

A polícia acredita que as outras duas crianças que viviam na casa não eram vítimas de violência assim como Mirella. Na residência, moravam também uma irmã da vítima, de 8 anos, e uma filha do homem, de 3. A irmã de Mirella, filha de Lilian, deve passar por avaliação psicológica.

Segundo a polícia, uma decisão do Conselho Tutelar de Gravataí determina que a filha de Anderson não deveria ficar na presença do pai e que a responsável por ela seria a avó paterna. A medida não era cumprida, no entanto, diz a delegada do caso. A defesa do padrasto alega que não há determinação nesse sentido.

Denúncias podem ser anônimas

A delegada Jeiselaure Rocha de Souza destaca que pessoas que suspeitem de casos de violência contra crianças — ou mulheres e idosos, além de outros crimes — podem fazer denúncias à Polícia Civil de forma anônima, pelo WhatsApp (51) 98444-0606, em que é possível enviar texto, fotos e vídeos. Também é possível fazer a denúncia em delegacias ou junto ao Ministério Público.

— Para as pessoas que tenham suspeitas sobre agressões, a gente ressalta que não adianta apenas desconfiar e não dar forma para essa suspeita. Toda e qualquer pessoa deve entrar em contato com a polícia. As vítimas têm medo de expressar o que está acontecendo, sejam crianças, mulheres, idosos. Mesmo que a denúncia não se confirme, ao menos o caso foi apurado, recebeu o atendimento necessário.

O que diz a advogada de Anderson Borba Carvalho Junior

A advogada Árima da Cunha Pires afirmou que irá tomar conhecimento de detalhes da conclusão do inquérito e depois irá se manifestar.

Árima disse que a família e pessoas próximas a Anderson, que "presenciavam a situação que ele estava vivendo", estão à disposição para "esclarecer dúvidas e provar o que realmente vinha acontecendo".

— Podemos garantir que ele nunca agrediu nem torturou a criança — finalizou a advogada.

Anderson foi preso pela polícia em Palhoça (SC), no dia 11. A advogada afirma que ele só deixou o RS porque estaria recebendo ameaças desde a morte da menina e "correndo risco". Árima afirma que Anderson "não estava se escondendo" e que, no momento da prisão, a localização do homem foi informada à polícia pelos familiares dele.

O que diz o advogado do conselheiro Leandro da Silva Brandão

O advogado Leonardo Macedo de Araújo, que defende o conselheiro Leandro da Silva Brandão, afirmou que o cliente é inocente. Confira a nota:

"Lamento o agir estratégico e unilateral da polícia. Reafirmando a inocência de Leandro. Recorreremos para provar, objetivamente, a partir de prova técnica, que Leandro cumpriu a diligência apontada, desconstruindo os depoimentos inverídicos dos quais se valeu a delegada.

A defesa levará ao MP,  os nomes das pessoas que afirmaram falsidade de Leandro, para que estas sim, respondam por falso testemunho ou calúnia, uma vez que Leandro tomou as providências informadas.

Igualmente, será denunciada a pessoa que estava de plantão no momento do envio do relatório pelo GHC, pois se, eventualmente, houve alguma urgência, esta era quem deveria tomar o primeiro atendimento e abrir pastas junto ao setor administrativo."

GZH entrou em contato com a defesa da mãe da criança e aguarda contraponto.


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