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Latrocínio

Homem morto em assalto a ônibus em Viamão vivia sonho de ser motorista

Leandro Pinto de Fraga, 40 anos, era visto por colegas e familiares como um homem amável e dedicado

01/07/2022 - 07h00min


Guilherme Milman
Guilherme Milman
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Arquivo Pessoal / Arquivo Pessoal
Leandro era motorista da empresa Viamão há cerca de dois anos

Há mais de uma semana, as viagens expressas que levam motoristas da empresa Viamão até um terminal de ônibus na Voluntários da Pátria, zona norte de Porto Alegre, têm sido mais tristes. Em um assento no fundo do veículo costumava sentar Leandro Pinto de Fraga, 40 anos, morto esfaqueado durante assalto na linha Tarumã-Centro na noite do último dia 21. O trajeto até o terminal era o momento preferido do dia de Leandro, quando ele brincava com colegas e colocava as conversas em dia.

— Sempre queria sentar do lado dele. Inclusive no dia do fato ele estava fazendo brincadeiras, contando piadas, como costumava fazer. Nunca estava de mal com a vida — conta o motorista Thiago Pinho de Lima.

Thiago, que deixou de ser cobrador para virar motorista há menos de um ano, aprendeu cedo que o lugar de Leandro no ônibus era exclusivo. Tido como um dos "manda-chuvas" do grupo, mantinha relação boa com todos.


— Ele era um dos mais experientes, e o lugar dele nunca mudava. Agora a gente vê o banco dele vazio. É uma falta muito grande — lamenta Thiago.

Apesar da imagem de experiente entre os companheiros de trabalho, Leandro não tinha longa carreira como condutor. Segundo colegas, havia assumido a função há cerca de dois anos.

No entanto, o transporte público já fazia parte da vida dele há mais tempo. Em 2016, começou a trabalhar na Evel, empresa comprada pela Viamão dois anos depois. Atuava como mecânico, além de ajudar a lavar e manobrar os ônibus no pátio da companhia. Durante esse período, começou a se aproximar de motoristas e cobradores.

Matheus Toledo, que viria a ser companheiro de viagem de Fraga como cobrador, conta que os dois construíram boa relação enquanto ele ainda trabalhava longe do volante. Naquela época, já demonstrava vontade de ser motorista.

Segundo Matheus, além da vontade de dirigir, o que motivava Leandro a trocar de cargo era o vínculo com os passageiros. Depois, os dois formaram dupla principalmente aos sábados.

Antes de se tornar rodoviário, Leandro passou por diversos lugares, como postos de combustíveis e lanchonetes. Um de seus primeiros empregos, em 2000, foi como hortifrutigranjeiro em um supermercado de Viamão. Foi lá que ele conheceu Denilson da Silva, então motorista da empresa.

— No final de semana, ele me ajudava a fazer as entregas. Era uma pessoa muito tranquila, na dele. Mas desde lá mostrava ser muito organizado e dedicado — destaca Denílson.

Os dois se tornaram amigos na época, e depois acabaram se reencontrando como colegas na Viamão. Nos tantos anos de relação, a determinação em ajudar os outros de Fraga foi algo que sempre chamou a atenção do amigo.

— Era muito prestativo, independentemente de qualquer coisa. Gostava de arrumar as coisas pra gente. A única vez que fui na casa dele foi quando ele pediu pra eu levar o meu rádio que estava estragado. Ele consertou na hora — relata.

Carros, pesca e facas

Ainda que a relação dos amigos fosse praticamente restrita ao ambiente de trabalho, todos eles destacam a paixão do motorista por automóveis. De fuscas a caminhões, Leandro sempre se animava ao comentar sobre a mecânica dos veículos.

— Quando passava um caminhão ou um carro grande do lado da gente, principalmente os mais antigos, ele falava do motor e sabia tudo. O cara era apaixonado — recorda Thiago.

No tempo livre, gostava de pescar em localidades do interior, como Águas Claras e Granja Pimenta. Desde o início deste ano, seu principal hobby era confeccionar facas. O interesse surgiu de uma outra paixão de Leandro: o churrasco. A churrasqueira da casa, inclusive, havia sido construída por ele.

Para fazer os objetos, Leandro utilizava aço carbono. Com o tempo, passou a vender os itens para complementar a renda, mas fazia questão de dar de presente aos amigos.

— Quando ele me entregou a faca pediu uma moeda. Não entendi muito bem, mas entreguei. Ele disse "tá paga a faca" — relembra o ex-colega de supermercado.

Estes interesses de Leandro surgiram na vida adulta. Durante a adolescência, preferia acampar e jogar futebol. Rodrigo Souza dos Santos era vizinho dele no bairro Esmeralda - onde Fraga ainda morava - e um dos amigos mais próximos na época. Entre idas ao parque Saint Hilaire para bater bola e acampamentos, as lembranças são de uma relação tranquila e de companheirismo.

— A gente tinha um grupo de amigos que andava sempre junto. Teve uma vez que saímos ali do bairro e andamos de bicicleta até Águas Claras, onde o pai dele tinha uma casa. Foi uma das aventuras mais marcantes que tivemos juntos — conta Rodrigo.

Relacionamento de 19 anos

Leandro deixou pai, mãe, irmão, esposa e uma filha de 19 anos. A família mora no mesmo bairro.

Há quase duas décadas ele mantinha um relacionamento com Daiane Moraes da Silva. A filha, de outro relacionamento,  ficava na casa dos pais. O amor que o motorista demonstrava por ela é lembrado pelos amigos e familiares.

Arquivo Pessoal / Arquivo Pessoal
Leandro e a sua esposa Daiane, com quem teve um relacionamento por 19 anos

A irmã de Daiane, a técnica de enfermagem Izabel Cristina Morais da Silva, considerava o cunhado como irmão e diz que os dois faziam planos para o futuro.

— Ele estava em uma fase muito amorosa, e eles faziam vários planos. Infelizmente, não deu tempo dele serem realizados — lamenta Izabel.

Comoção

Passados quase dez dias do crime, a aceitação da perda de Leandro ainda tem sido difícil para todos. O ônibus expresso que conduz os trabalhadores ao terminal da Voluntários da Pátria já não tem o mesmo clima de antes, e, desde então, o assento do fundo não foi mais ocupado.

Thiago Pinho de Lima / Arquivo Pessoal
Assento utilizado por Leandro (ao fundo) não foi mais ocupado pelos colegas em ônibus que os levava para o trabalho

— Nos primeiros dois dias a gente ficou mudo no ônibus, era um sentimento só. Foi muito difícil, pois, além de perder um amigo, a gente não deixa de pensar que poderia ser qualquer um de nós naquele ônibus. Mas no terceiro dia começamos a lembrar de algumas histórias do Leandro e passamos a rir. Acho que ele não ia querer que a gente ficasse triste — relata Thiago.


Investigação

Com a ajuda de câmeras de segurança, a Polícia Civil conseguiu identificar o autor do assalto. Roberto Chagas Nogueira, 39 anos, foi preso no dia seguinte ao crime e encaminhado à Penitenciária Estadual de Sapucaia do Sul, na Região Metropolitana. Segundo a delegada Marcela Brito, foi possível concluir rapidamente que se trata de um latrocínio, quando há roubo com morte. Passageiros que testemunharam o fato relataram que Nogueira chegou a levar algumas moedas, mas não foi possível contabilizar o prejuízo.

O inquérito deve ser encaminhado à Justiça até esta sexta-feira (1º). Roberto cumpria pena por roubo a transporte público e havia deixado o sistema prisional no último dia 15, por progressão de regime. No dia do crime, ele deveria ter se apresentado à Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) para colocar tornozeleira eletrônica.

A Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, que está representando Roberto Chagas Nogueira, afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que já foi notificada da prisão do suspeito e "está se manifestando nos autos do processo buscando garantir a ampla defesa e o contraditório". 


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