Ressocialização
Trabalho prisional avança no RS e apenados de Canoas atuam em fábrica de contêineres
Complexo penitenciário tem 40% dos detentos exercendo atividade laboral
Homens uniformizados e vestindo equipamentos de proteção serram pranchas de madeira e soldam estruturas de ferro sob um toldo ao ar livre. A cena remete a uma tradicional linha de produção industrial, não fosse a vigilância armada e o terreno cercado por telas e arame farpado. Contratados por uma fábrica de contêineres, os operários são detentos do Complexo Penitenciário de Canoas, na Região Metropolitana, onde 40% da população carcerária exerce algum tipo de trabalho prisional.
O índice é o maior entre as 113 prisões gaúchas e reflete reforço da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) na política de ressocialização dos apenados. Atualmente, dos 43.306 presos no Estado, 13.286 (31%) exercem algum tipo de atividade. A cada três dias trabalhados, o detento diminui um dia de cumprimento da pena.
A Susepe tem investido na remuneração como forma de incentivar a adesão dos presidiários. Somente nos últimos dois anos, foram criadas 1.558 novas vagas de trabalho pago nas prisões gaúchas, cujo valor mensal repassado é de no mínimo R$ 976,50 (75% do salário mínimo). Essa oferta mais do que dobrou o número de detentos que recebem para trabalhar, passando de 971 em 2020 pra 1.995 em dezembro de 2022.
Foi justamente no final do ano passado que a Colmeia, produtora de contêineres com sede em Esteio, instalou-se ao fim do longo corredor central do Complexo Penitenciário de Canoas. Ao todo, seis apenados trabalham de segunda à sexta-feira na manutenção de contêineres alugados pela empresa.
— Eles fazem aqui praticamente o mesmo serviço que se faz na sede. A gente troca muito conhecimento e eu estou até mudando alguns procedimentos que a empresa fazia lá, adotando ideias deles. Eu ensino e aprendo junto, mas aqui é mais ágil. Enquanto a gente faz três peças aqui, se faz uma lá (na sede) — afirma Rosano Rosa, encarregado de manutenção da Colmeia.
Por enquanto, seis detentos atuam na empresa, recebendo um salário mínimo por mês. A ideia é expandir a capacidade de operação, chegando a empregar 20 pessoas. Condenado a quatro anos e 11 meses por assalto, Carlos Eduardo Saldanha, 29 anos, comemora a chance recebida.
— É uma nova oportunidade que estou recebendo. Eu não tinha profissão lá fora e agora estou aprendendo a serrar, a soldar. É importante para eu poder sair daqui com emprego, mudar de vida. Estou fazendo acontecer de novo, não saio mais do zero — conta Saldanha, pai de cinco filhos.
No total, 136 empresas e 73 municípios e órgãos públicos mantêm convênio com a Susepe. Só no complexo de Canoas, são 13 empresas e 992 presos trabalhando, dos quais 192 exercem atividade remunerada. Além da fábrica de contêineres, há empresas de reciclagem de plásticos e eletrônicos, produção de móveis, estofados, uniformes hospitalares e comerciais. Uma das empresas, batizada de Inclusão, foi criada pelos próprios presos.
— Temos aqui duas fábricas de roupas para motociclistas que disputam não só o mesmo mercado lá fora, como os melhores costureiros aqui dentro. Uma procura pagar melhor que a outra pelos trabalhadores — conta o diretor do Departamento de Trabalho Penal da Susepe, Cristian Colovini.
Para fomentar o trabalho e atrair empregadores, a Susepe agilizou as tratativas para a assinatura do termo de cooperação com empresas privadas e organismos públicos. O tempo para a celebração dos convênios, que antes chegava a dois anos, agora em média leva entre 30 e 45 dias. A criação de novas vagas remuneradas também leva em consideração a expansão da produção prisional e as novas prisões já estão sendo projetadas com espaço para pavilhões fabris.
De acordo com coordenadora da Divisão de Trabalho Prisional da Susepe, Fernanda Dias, nas penitenciárias onde os detentos trabalham vem sendo verificada queda gradual de ocorrências, como brigas, rebeliões e tentativas de fuga, bem como remoções hospitalares e uso de medicação para ansiedade e depressão.
— O preso deixa de ser um ônus para a família, sempre necessitando de dinheiro ou mantimentos, e passa a ter uma nova perspectiva, inclusive ajudando no sustento da casa — afirma Fernanda.
Nas três unidades do Complexo Penitenciário de Canoas, além de prestarem serviços para empresas, os detentos de até 21 anos participam de treinamentos do programa Jovem Aprendiz, ministrado pelo Senai. De acordo com o diretor-interino da unidade, Robson Schubert, o objetivo é aproveitar a área de 10 hectares do terreno para ampliar o espaço destinado ao trabalho prisional.
— Onde tem sala vazia eu vou botando preso para trabalhar — resume Schubert.
Em breve, a Colmeia pretende passar da manutenção à construção de contêineres dentro do complexo. Para Lauro Ramires, 46 anos, preso há um anos e sete meses por tentativa de homicídio, a oportunidade não pode ser desperdiçada.
— A maioria das pessoas quem vêm para cá depois volta para o crime. Se tiver trabalho, daí teremos ressocialização de verdade — comenta Ramires.
Empresas interessadas em operar nas prisões podem entrar em contato com a Susepe pelo email: trabalhoprisional@susepe.rs.gov.br.