Triplo homicídio na Zona Sul
Há três anos, homem matou família durante briga de trânsito em Porto Alegre; entenda como está o caso
Casal e filho foram mortos a tiros na frente do caçula de oito anos em janeiro de 2020, no bairro Lami
Era um domingo, 26 de janeiro de 2020, quando uma família retornava de um aniversário na zona sul de Porto Alegre, e se envolveu numa briga de trânsito, que terminou de forma trágica. Rafael Zanetti Silva, 45 anos, e Fabiana da Silveira Innocente Silva, 44, foram mortos a tiros junto do filho mais velho Gabriel, 20. O caçula, na época com apenas oito anos, assistiu ao crime que aconteceu no bairro Lami. O caso, que completou três anos nesta semana, poderá ir a júri em 2023.
A expectativa de que o júri seja realizado ainda neste ano é do Ministério Público. A promotora Lúcia Helena Callegari, que está à frente do processo, afirma ter convicção de que os réus devam ser julgados até o fim do ano. Além de Dionathá Bitencourt Vidaletti, que está preso desde 2020 e é autor confesso dos três homicídios, a mãe dele Neuza Regina Bitencourt Vidaletti também responde por disparo de arma de fogo.
— Trata-se de um caso com réu preso e extremamente grave, com motivo muito banal. Estamos falando de três mortes, o que claro é muito grave, mas a banalidade é que assusta. Uma discussão de trânsito ser motivo para ceifar uma vida. E não foi uma, foram três — ressalta a promotora.
O 2º Juizado da 1ª Vara do Júri de Porto Alegre informou que ainda não há previsão de realização do julgamento, mas que a data "será designada o mais breve possível, assim que transitada em julgado a decisão de pronúncia".
Vaivém de recursos
Desde que a Justiça decidiu que Dionathá deveria ser submetido ao Tribunal do Júri a defesa lançou mão de série de recursos. A decisão mais recente ocorreu em novembro do ano passado, quando o 2º Grupo Criminal do Tribunal de Justiça negou os embargos infringentes movidos pela defesa. O pedido buscava que fosse afastada uma das qualificadoras dos homicídios, a de perigo comum. O recurso se apegava ao fato de que em votação anterior, na decisão que manteve a qualificadora, um dos juízes foi favorável ao réu.
Em julho, a 3ª Câmara Criminal havia negado recurso que pedia o afastamento dessa qualificadora. O relator, desembargador Roberto Carvalho Fraga, destacou no voto que os fatos ocorreram em zona urbana, com uso de vários disparos de arma de fogo numa via pública, o que teria exposto ao perigo outras pessoas, que também poderiam ter sido atingidas. A desembargadora Rosane Wanner Silva Bordasch seguiu o relator e votou contra a o recurso da defesa.
No entanto, o juiz Leandro Augusto Sassi teve outro entendimento. O magistrado considerou que, embora possam atingir outra pessoa, os disparos de arma de fogo não podem ser comparados a meios que representam perigo a outros, como incêndio, explosão ou inundação, por exemplo. Enfatizou que o disparo "tem objetivo definido", com "trajetória retilínea e preconcebida", embora tenha ponderado não ser possível ignorar que o atirador pode errar o alvo e atingir outra pessoa. A defesa do réu se apegou nesse voto para pedir que fosse retirada a qualificadora, mas não conseguiu isso.
Atualmente, Dionathá responde por três homicídios triplamente qualificados, com os agravantes de motivo fútil, por ter sido "perpetrado ensejando perigo comum", em função do horário e do local do crime, e sem dar chance de defesa à vítima. Depois da decisão de novembro, a defesa entrou com embargos de declaração. Esse tipo de recurso não tem como objetivo alterar a decisão em si, mas esclarecer alguns pontos, que a defesa entendeu que tenham ficado contraditórios ou que tenha havido omissão na decisão anterior. Esse recurso está previsto para ser julgado em 10 de fevereiro.
Mãe de atirador também irá a júri
Além de Dionathá, ainda responde ao processo a mãe dele, Neuza, que estava na companhia dele quando o crime aconteceu. Ela não chegou a ser indiciada pela Polícia Civil, mas, mais tarde, foi denunciada pelo MP como coautora dos homicídios. A acusação argumentou que ela contribuiu para as mortes ao pegar a arma de dentro do carro e efetuar um disparo, antes de o filho assassinar o trio.
Dionathá tinha uma Ecosport, que estava estacionada em frente à casa da avó dele, numa estrada do Lami. Já a família retornava de uma comemoração num Aircross. O carro da família atingiu a Ecosport, e Rafael, o motorista, não parou. Revoltado com a situação, Dionathá saiu em perseguição ao carro — a mãe dele foi junto. Após alcançarem o Aircross, ambos motoristas pararam no acostamento, houve discussão e, durante a briga, Neuza pegou a arma no carro. O filho se apossou da pistola e disparou contra os três.
Apesar de o MP defender que ela contribuiu para as mortes, a Justiça entendeu que Neuza deve responder somente pelo disparo de arma de fogo e não pelos assassinatos. Ainda assim, a decisão é de que ela seja submetida a júri por este crime. Em razão disso, a defesa recorreu e tentou evitar que isso ocorra. No entanto, a última decisão do Tribunal de Justiça, de novembro, manteve o entendimento de que a ré deve ser julgada pelo Tribunal do Júri. Como se trata de crime conexo, os dois serão julgados na mesma data.
Em decisão anterior em julho, o desembargador Roberto Carvalho Fraga já havia apontado que em seu entendimento ficou comprovada a materialidade e a presença de indícios suficientes de autoria em relação aos homicídios praticados por Dionathá e ao disparo de arma de fogo, em relação à Neuza. "Assim, os crimes conexos devem ser levados à apreciação dos jurados", decidiu, ao negar um dos recursos. Dionathá segue preso de forma preventiva — a mãe nunca chegou a ser detida.
Menino presenciou crime
O filho caçula do casal, que na época tinha oito anos, estava dentro do carro no momento dos disparos. O garoto presenciou quando os pais e o irmão foram assassinados. Chegou inclusive a tentar acudi-los, logo após serem atingidos.
— É muito triste, um ato que teve reflexo na vida dessa criança. É uma reflexão que temos de fazer do comportamento em sociedade. Ninguém quer ter seu carro batido, mas ceifar vidas em decorrência disso, nada justifica. As pessoas têm de parar um pouco e refletir, evitar que situações tão graves e sérias como essa ocorram. Inclusive pensar que os atos têm consequência. Ele está preso e vai continuar por bastante tempo — analisa a promotora.
Na Justiça, Dionathá foi questionado se sabia que havia uma criança dentro do carro da família e admitiu que tinha conhecimento, mas negou ter apontado a arma na direção dele ou da namorada de Gabriel, que também permaneceu no veículo. A jovem, que era namorada de Gabriel, contou em depoimento que o rapaz foi baleado mais de uma vez.
— O Gabriel eu acho que tinha levado uns três tiros, que foi o único que estava vivo, que eu cheguei perto. O Rafael levou um no pescoço, a Fabiana também, o Gabriel levou um na mão direita, um na cabeça e um no peito. E só o que eu vi — descreveu.
Contraponto
Quando interrogados na frase de instrução do processo, mãe e filho alegaram que a arma era usada para proteção contra os assaltos no comércio da família. Neuza disse que só ficou sabendo da pistola dentro do carro durante a perseguição. Os dois alegaram que os tiros só foram dados porque foram agredidos pela família — as testemunhas não relatam isso.
Neuza também afirmou que o filho foi agredido por Rafael e Gabriel, chegando a cair no chão. E que, por isso, ela teria decidido pegar a arma dentro do carro e dar um tiro para o alto. Dionathá alegou que teria retornado para dentro do carro e que a mãe estava sendo agredida pelo casal. Neste momento, ele teria atirado nos três.
O advogado Cristiano Rosa, que representa os réus, enviou manifestação na qual afirma "que a defesa tem interesse que o processo passe por seus trâmites legais dentro dos princípios constitucionais e com a celeridade que a sociedade espera dos processos judiciais".