Violência na Zona Sul
"Uma tristeza que eu nem sei te explicar", diz professor de irmãos assassinados no bairro Cascata, em Porto Alegre
João Francisco, 14 anos, e Marina Maciel dos Santos, 16, foram vítimas de ataque a tiros na noite de quarta-feira (19), por volta das 21h; carro passou atirando e atingiu mais três pessoas
Alunos tranquilos, dedicados e carinhosos. Dessa forma, o professor Francimar Alves, um dos mais antigos do Colégio Estadual Coronel Afonso Emílio Massot, define os estudantes João Francisco Maciel dos Santos, 14 anos, e Marina Maciel dos Santos, 16. Os irmãos foram assassinados em um ataque a tiros na noite de quarta-feira (19), no bairro Cascata, em Porto Alegre.
Estudante do segundo ano do Ensino Médio, no turno da manhã, Marina foi aluna de Biologia do professor Francimar. Para João, que estudava à tarde, no oitavo ano, o professor deu aulas de Ciências e Matemática. Ele diz que conhecia ambos desde as séries iniciais no colégio situado no bairro Azenha.
— Ele (João) era muito engraçado, a gente dava muita risada. Ele me via no corredor e pulava no meu pescoço, me chamava de velho, essas coisas de carinho mesmo. São pessoas de baixa renda, mas de família boa, não tinham envolvimento com nada de errado. A Marina teve uma época que nem ia na aula por falta de passagens — comenta o professor.
Ele conta que os professores ficaram sabendo das mortes pela manhã, durante uma reunião pedagógica.
— Ficamos chocados. A nossa reunião foi de muita comoção, de choro, muitos abraços. É uma sensação de perda muito grande, uma tristeza que eu nem sei te explicar. Tenho muito orgulho de ser professor de escola pública. Somos uma escola muito unida. É como se tivessem me tirado um pedaço — lamenta.
A professora de matemática Aline Lyra Lemos, que deu aulas para ambos os irmãos, conta que ficou abalada com a notícia. Em suas redes sociais publicou fotos com os ex-alunos e fez homenagens.
— A Marina, hoje estudante do 2° ano do Ensino Médio, foi minha aluna quando ainda estava no Fundamental. Era aquela que me ajudava a colocar ordem na turma, minha parceirinha — lembra.
Alguns anos depois, João chegou à escola. A professora lembra que no início ele era um menino tímido, que não desgrudava da irmã durante o recreio.
— Depois, foi fazendo amizades e socializando. Sempre carinhoso com os colegas e professores. Adorava ficar grudado nos professores, beijando e abraçando — diz a professora.
A professora diz que os estudantes eram pessoas caseiras e que Marina gostava de reunir as amigas em sua casa. Já o João visitava bastante os colegas.
— Passei o dia sem comer e correndo atrás de dinheiro para ajudar no sepultamento. Meus alunos são como meus filhos, já que não tenho biológicos — diz a professora.
O grêmio estudantil da escola publicou uma nota de pesar e solidariedade pelas mortes. Familiares organizaram uma vaquinha online para ajudar a custear o sepultamento dos adolescentes.
O velório está marcado para iniciar às 23h15min desta quinta-feira, na capela L do Cemitério Jardim da Paz. O sepultamento deve ocorrer no mesmo cemitério nesta sexta-feira (21), às 9h30min.
O crime
Por volta de 21h desta quarta-feira (19), cinco pessoas que estavam na Rua dos Canudos, no bairro Cascata, foram atingidas por disparos de arma de fogo. Os tiros vieram de dentro de um carro Ford Ecosport que passava pela rua.
João Francisco Maciel dos Santos, 14 anos, foi levado para o hospital onde já chegou sem vida. Já Marina Maciel dos Santos, 16, foi atendida e passou por procedimentos de emergência, mas morreu na madrugada desta quinta-feira (20).
As outras três vítimas seguem hospitalizadas e não correm risco de vida, de acordo com a polícia. Conforme o 19º Batalhão de Polícia Militar, os feridos são um adolescente de 17 anos, uma mulher de 34 e um homem de 31. Eles não têm relação de parentesco com os irmãos que morreram, segundo a delegada Clarissa Demartini.
Investigação
Conforme o delegado Mário Souza, diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), a Polícia Civil não descarta nenhuma possibilidade. No entanto, até o momento, a principal linha de investigação aponta para o envolvimento do crime organizado.
— É um crime grave e vamos colocar toda a energia do DHPP nele. Eu determinei que todo o departamento da divisão de operações da Capital se envolva. Esse caso é prioridade. A equipe está trabalhando de forma ininterrupta — diz o delegado.
Souza explica que já foram feitas diversas diligências, foram solicitadas perícias ao Instituto-Geral de Perícias (IGP), foram ouvidas testemunhas e agora o trabalho investigativo está focado em identificar os responsáveis pelo ataque.
— Nós temos a investigação em avançado estágio de apuração. Estamos muito próximos de alcançar as lideranças que ordenaram esse crime — diz o delegado.
Reforço no policiamento
O comandante do 19º batalhão de Polícia Militar (19º BPM), tenente coronel Samaroni Teixeira Zappe destaca que a Brigada Militar reforçou o policiamento na região do bairro Cascata onde o crime aconteceu.
— Tem efetivo nosso empregado em ações de policiamento ostensivo e de ordem preventiva realizando abordagens, uso de força tática, principalmente em locais onde possam estar os responsáveis por este crime. Há uma frente da Polícia Civil, que atua na investigação, e da Brigada Militar na saturação de área para que a gente tenha uma situação estável — diz o comandante.
Como denunciar
Quem tiver informações sobre este caso ou outros homicídios e pessoas desaparecidas pode ligar para a Polícia Civil pelo 0800-642-0121, com atendimento 24 horas e sigilo garantido.