Nos últimos 15 anos
Brasil tem mais amputados por armas e explosivos do que Exército dos Estados Unidos
Dados foram revelados pelo jornal O Globo a partir de análise de números obtidos via Lei de Acesso à Informação
A série de reportagens Mutilados, publicada neste domingo (25) pelo Jornal O Globo, revela que, nos últimos 15 anos, a violência armada que assola o Brasil deixou um rastro de amputações, tendo afetado pelo menos 2.044 pessoas em todo o país.
Os dados analisados a partir das autorizações de internações hospitalares (AIHs) do Ministério da Saúde revelam que a tragédia das mutilações no Brasil, em um período semelhante, ultrapassa, em números, a vivida pelos militares das Forças Armadas dos Estados Unidos, que sofreram amputações de membros superiores ou inferiores devido a lesões em combate.
Um estudo publicado pela Divisão de Vigilância em Saúde das Forças Armadas dos EUA indica que, de janeiro de 2001 a outubro de 2017, durante conflitos como as guerras do Iraque e do Afeganistão, 1.705 soldados estadunidenses enfrentaram esse drama.
Morador da favela do Chapadão, em Costa Barros, zona norte do Rio de Janeiro, o menino Luis Rodrigo Costa Santana, de 11 anos, faz parte dessa estatística. Ele foi amputado, aos quatro, após ser atingido por uma granada jogada por um homem na rua onde mora até hoje.
— Fui curioso. Era tipo uma bolinha. Peguei, e explodiu — conta o menino em relato publicado pelo jornal.
A Bahia, que frequentemente lidera o ranking de mortes violentas intencionais no Brasil, também apresenta o maior número de amputações registradas no sistema do Ministério da Saúde, totalizando 244 casos. Em seguida, encontra-se o Rio de Janeiro, Estado com áreas sob controle de traficantes e milicianos, com 202 registros. O Pará, marcado por disputas territoriais no Interior e violência urbana, ocupa o terceiro lugar da lista, com 198 casos. São Paulo, o Estado mais populoso do país, fica em quarto lugar, com 196.
O Globo, que conseguiu os dados por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), revelou que a média de idade das pessoas afetadas pelas mutilações no Brasil é de 33 anos. No entanto, é importante ressaltar que as amputações atingem todas as faixas etárias. Os jovens com idades entre 20 e 29 anos representam quase um terço das vítimas no período analisado. As crianças de zero a 11 anos correspondem a 3% dos casos, enquanto os adolescentes de 12 a 17 anos representam 11% do total. Por outro lado, 8,5% das vítimas são idosos com mais de 60 anos.
No Rio, o médico Felippe Beer, chefe do serviço de cirurgia vascular periférica do Hospital Municipal Miguel Couto, afirma que há um aumento da gravidade nos casos de pacientes que chegam às emergências vítimas da violência armada.
— A partir dos anos 2010, 2011, começamos a ter muito mais vítimas de projéteis de alta velocidade, como os tiros de fuzil e, eventualmente, outros armamentos de guerra, como granadas. A maioria, infelizmente, nem consegue chegar ao atendimento hospitalar. Quando eles chegam, estão mais graves. Fica mais difícil salvar a vida e, consequentemente, salvar o membro desse paciente — diz.
Dados dos EUA
O estudo estadunidense, por sua vez, foi publicado na edição de julho de 2018 do Relatório Mensal de Vigilância Médica (MSMR, na sigla em inglês). Como um mesmo militar pode ter sofrido mais de uma mutilação, o levantamento dá conta de um total de 1.914 amputações de membros inferiores e 302 de membros superiores.
Os autores chegam ao detalhamento de que, entre as amputações dos membros inferiores, a mais comum foi a transtibial (52%), que é a retirada parcial da tíbia e fíbula, ossos que pertencem à panturrilha, seguida da transfemoral (25%), amputação entre a articulação do quadril e o joelho, logo adiante vem a desarticulação do joelho (14%), de pé ou parte do pé (6%), de tornozelo (2%) e quadril (1%).
Nos membros superiores, a amputação transradial (38%), entre o cotovelo e a mão, foi a com mais registros, seguida pela transumeral (26%), retirada da articulação da parte superior do braço, seguida da mão ou parte da mão (17%), da desarticulação do punho (11%), da desarticulação do cotovelo (6%) e da desarticulação do ombro (3%). Perdas apenas de dedos foram excluídas dos cálculos.
Ainda segundo o levantamento, militares de 21 a 24 anos (40,7% das vítimas) foram o grupo mais atingido, seguido pelos que tinham de 25 a 29 anos (25,7%). Sobre as causas das lesões, a ampla maioria (90,6%, 1.545 pessoas) foi ferida em explosões. Só 4,3% (73 pessoas) foram atingidas por disparos de arma de fogo. E 5,1% (87 militares) tiveram outros tipos de ferimentos.