Polícia



Zona Sul da Capital

Facção alvo de operação também determinou ataque que matou garoto de 12 anos e barbeiro em Porto Alegre

Eliezer Samuel Lucas foi alvejado a tiros no bairro Cascata, quando local onde cortava o cabelo foi atacado. O barbeiro Edgar Rodrigues Lisboa, 26, também foi executado

24/10/2023 - 09h53min


Leticia Mendes
Leticia Mendes
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Uma operação nesta terça-feira (24) tem como alvo uma facção criminosa por trás de uma série de ataques a tiros na zona sul de Porto Alegre. Além dos crimes que estão no centro da investigação do Departamento de Homicídios, a polícia descobriu que parte do mesmo grupo também esteve envolvido em outro crime brutal. Em setembro do ano passado, o garoto Eliezer Samuel Lucas, 12 anos, foi morto enquanto cortava o cabelo num estabelecimento, no bairro Cascata. O barbeiro Edgar Rodrigues Lisboa, 26, que atendia a criança, também foi executado. 

Na Operação Per la Madre, desencadeada hoje, são cumpridos 66 mandados de prisão preventiva — às 9h20min, havia 49 presos. Todas as determinações têm como alvo suspeitos de integrarem diferentes escalões de uma facção com berço no bairro Bom Jesus, na zona leste da Capital. O grupo que explora o tráfico de drogas possui ramificações em diferentes municípios do Estado. A ofensiva é realizada em 11 cidades gaúchas, além de Florianópolis, em Santa Catarina. 

O caso que deu origem à investigação por trás dessa operação é um ataque a tiros ocorrido em abril deste ano, no bairro Cascata. Os irmãos Marina Maciel dos Santos, 16 anos, e João Francisco Maciel dos Santos, 14, saíram de casa para comprar refrigerante e foram mortos a tiros. Além deles, outras três pessoas foram baleadas. As vítimas, segundo a investigação, não tinham nenhuma relação com o crime. O grupo teria decidido atacar pessoas na rua como forma de afrontar a facção rival que atua na área. 

Durante essa investigação, a polícia conseguiu identificar outros ataques semelhantes. A apuração permitiu ainda chegar aos suspeitos de um outro crime, ocorrido no ano passado. Na tarde de 27 de setembro de 2022, o garoto Eliezer Samuel foi até uma barbearia no bairro Cascata cortar o cabelo. Samuel, ou Muka, como costumava ser chamado pela mãe, era um garoto tímido, de sorriso contagiante. Cheio de sonhos, dizia que seria jogador de futebol e de vôlei — do último esporte se vangloriava de ter aprendido as melhores jogadas com o pai. 

A criança, que morava ali perto, tinha medo de sair de casa, por receio da violência, mas naquele dia se encorajou. O garoto estava dentro do estabelecimento, quando criminosos invadiram o local e começaram a disparar. Alvejado repetidas vezes, o menino não sobreviveu, assim como o barbeiro, que atendia.

Edgar havia mudado de profissão durante a pandemia, quando ficou desempregado. Órfão de pai desde os 16 anos, o barbeiro repetia que queria ser um paizão para o filho, que tinha menos de um ano quando ele foi morto. Ele morava com a mãe nas proximidades da barbearia da qual era sócio. Havia três meses que trabalhava naquele endereço. O verdadeiro alvo dos traficantes conseguiu escapar do local, baleado sem gravidade. 

— Esse era um caso que chamamos de "cold case", que estava parado, mas conseguimos dar andamento a partir dessa outra investigação. Não tínhamos uma autoria definida e conseguimos chegar. Eram os mesmos autores, do mesmo grupo — explica o delegado Thiago Lacerda, diretor da Divisão de Homicídios.

Segundo a delegada Clarissa Demartini, titular da 1ª Delegacia de Homicídios, que coordena a ofensiva desta terça-feira, a investigação identificou cinco executores no caso da barbearia. Assim como no caso dos adolescentes, as duas vítimas assassinadas não tinham relação com o crime. Foram mortos em razão do local onde estavam. 

— Algumas pessoas que estavam no ataque dos irmãos também estavam na barbearia. Dois crimes muito graves. Nós entendemos a nossa responsabilidade, enquanto órgão de segurança, de entregar uma resposta para que essas mães não fiquem vivendo esse fato diuturnamente, pensando que a morte de seus filhos sequer trouxe responsabilização para aqueles que praticaram — diz a delegada, que batizou a Operação Per la Madre em alusão às mães das vítimas. 

Coquetel molotov e "drone humano"

Um dos suspeitos de envolvimento nos dois casos é apontado como o responsável por articular os ataques, chamados de bondes. No caso dos dois irmãos adolescentes, ele foi identificado por meio das impressões digitais deixadas num coquetel molotov (explosivo artesanal). O artefato foi encontrado dentro do carro usado no ataque que matou os adolescentes, uma Ecosport roubada. 

— Esse coquetel molotov seria usado principalmente para destruir provas. Mas a gente não descarta que ele poderia ser utilizado no ataque — explica o delegado Thiago Lacerda.

Esse articulador seria o responsável por fazer o levantamento dos locais dos ataques, acionar os executores que participariam da ação, e fazer a logística dos armamentos. Durante a investigação, a polícia identificou que os criminosos tinha uma forma planejada de agir para realizar esses atentados. Além do caso dos irmãos e da barbearia, o mesmo grupo teria cometido pelo menos outros dois ataques neste ano. 

— Eles usam aquilo que eles denominam de "drone humano", que é uma pessoa que faz todo o levantamento prévio, mapeamento, do local dos ataques e encaminha depois esse vídeo para as lideranças, que dão o start — detalha a delegada Clarissa. 


Estratégia utilizada pelos criminosos

A apuração levantou ainda que os criminosos costumavam estabelecer uma base antes de partir para o ataque. Imóveis eram alugados pelos bandidos para serem usados como ponto de preparação dos atentados. Dali, era articulada toda a ação de ataques às comunidades rivais, que envolvia fornecimento de armas, obtenção de roupas semelhantes às das forças de segurança, fornecimento de veículo (roubado e clonado), indicação dos alvos e ponto de retorno de dispensa de veículo e vestimentas. Neste local, todo o plano era traçado e criminosos se equipavam. 

— Eles formam esses bondes para dar os ataques com alvos específicos, é feito levantamento de local anteriormente, mas, quando por alguma questão diversa, não conseguem efetuar o ataque ao alvo acabam demonstrando poder dentro da comunidade. Isso tem se tornado uma sistemática para causar temor à comunidade rival — explica a delegada Clarissa. 

Em razão desse modo de ação, a Operação Per la Madre tem como alvo, além das pessoas envolvidas diretamente nos ataques —  executores e mandantes — outros membros do grupo. Esse recorte mais amplo, segundo o diretor do DHPP, delegado Mario Souza, tem como objetivo atingir a organização criminosa como um todo. 

— É a responsabilização do crime organizado por ter optado matar. E, ainda nesse caso específico, dos irmãos do bairro Cascata, matar inocentes. Não eram membros da facção. Mesmo que fossem, nós agiríamos. Mas sendo inocentes com certeza agimos com maior força, maior responsabilização. Por isso que estamos com esse grande números de presos, queremos causar o maior prejuízo ao crime organizado, que insiste em dar ordens de  assassinato dentro da sua facção e contra as facções rivais — diz o delegado. 

Os ataques

A polícia identificou alguns ataques que teriam sido realizados pelo grupo neste ano:

  • Na noite do dia 19, por volta das 21h, um veículo Ecosport, desceu a Avenida Herval, no bairro Cascata, com cinco criminosos a bordo, fortemente armados. Eles efetuaram diversos disparos em direção à rua, vindo a atingir cinco pessoas, entre elas os dois irmãos adolescentes, que não resistiram.
  • Menos de um mês depois, em 15 de maio, também no bairro Cascata, um novo ataque deixou uma mulher ferida. Dessa vez, os bandidos, dentro de um Prisma branco, dispararam contra a moradora. A vítima, que estava chegando em casa, na Rua Francisco Martins, foi alvejada no ombro.
  • Quinze dias depois, o grupo criminoso, teria usado o mesmo veículo, com placas clonadas, para atacar outro local. Foram efetuados disparos contra uma loja de conveniência. Neste ataque ninguém foi atingido.

A Operação

  • São cumpridos 66 mandados de prisão preventiva e 137 mandados de busca e apreensão.
  • As ordens judiciais são cumpridas em Porto Alegre, Canoas, Cachoeirinha, Alvorada, Viamão, Sapucaia do Sul, Gravataí, Parobé, Capivari do Sul, Charqueadas, Arroio dos Ratos e Florianópolis, em Santa Catarina.
  • A ação conta com a participação de 420 policiais civis, 120 policiais militares e 30 policiais penais.

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