Anúncio falso
Como funciona o golpe da casa própria, que fez morador da Região Metropolitana perder R$ 85 mil
Criminosos chegaram a levar vítima para conhecer o imóvel, mas tudo não passava de uma farsa
Foi pela internet que um morador da Região Metropolitana encontrou um anúncio de uma casa em Esteio, no mês de julho. A moradia, no bairro Parque Amador, era vendida por R$ 85 mil. Após o contato, a vítima chegou a ir até o imóvel para uma visita e, depois de fechar a negociação, depositou o valor pela compra. Por fim, descobriu que tudo fazia parte de uma farsa e passou a ser ameaçada. Na última semana, uma operação resultou na prisão do grupo suspeito de estar por trás desta trapaça conhecida como "golpe da casa própria".
O esquema arquitetado pelos estelionatários, segundo a investigação da Polícia Civil, ia muito além de publicar anúncio falso. Antes de chegar nesta etapa, conforme o delegado Marco Swirski, da Delegacia de Polícia de Esteio, o bando escolhia uma residência abandonada, que era "maquiada" para servir de isca para as vítimas.
— Eles procuram imóveis desocupados. Depois que eles encontraram, entram nesse imóvel, dão até uma reformada, pintam, para dar uma melhorada na aparência. Trocam a chave, o miolo. Colocam uma chave nova. E assim fazem o anúncio e buscam vítimas para aplicar o golpe — afirma o delegado.
Neste caso, os criminosos chegaram inclusive a alterar o número em frente à residência para dificultar a descoberta do golpe. A moradia tinha número 38, mas foi fixado na casa um 34. Esse imóvel, segundo o delegado, originalmente havia sido colocado para venda num leilão e adquirido por outra pessoa. Em razão disso, a casa ainda estava desocupada. O verdadeiro proprietário não tinha conhecimento do golpe.
"Foram cinco anos juntando", diz vítima
A vítima, um comerciante de Esteio de 48 anos, estava procurando uma casa para se mudar. O valor abaixo do mercado e o pátio amplo foram os atrativos. A negociação se deu inicialmente pelo telefone, mas depois ele chegou a visitar a futura moradia.
— Num domingo, ela abriu a casa pra mim. A casa não valia muito, tinha muita coisa para fazer, mas era mais pelo terreno. No dia que eu fui ver a casa, tinha ido várias pessoas, chegou uma família para ver também. O cara que se dizia marido da proprietária me ligou e disse que tinha mais uma família interessada, mas que eu tinha preferência — lembra.
Após visitar a casa, assinar o contrato de compra e venda e receber uma procuração em nome da suposta proprietária, ele fez o depósito dos R$ 85 mil. Os problemas iniciaram quando eles foram ao tabelionato. Ali, o comprado foi informado de que havia algum problema com a numeração do imóvel. Em razão disso, precisavam seguir até a prefeitura. A mulher prometeu que estaria lá, mas não apareceu.
— Até então parecia tudo certinho. Quando eu cheguei na prefeitura, me disseram que a casa estava no nome de outra pessoa. Eles tinham mudado até o número da casa. Liguei e ninguém atendia. Ali eu vi que tinha sido um golpe. Perdi os R$ 85 mil. Foram cinco anos juntando. Estou até hoje com a chave da casa. Acredito muito em Deus, que ele vai me dar em dobro, E essas pessoas vão pagar — diz a vítima.
A partir deste momento, os criminosos deram início a uma segunda fase da trapaça, na qual passaram a fazer ameaças à vítima, para que não procurasse a polícia. Um integrante da quadrilha alegava que a casa pertencia a um dos líderes de uma facção criminosa.
— Ficaram uns dois meses me ameaçando. Um cara começou a ameaçar, dizendo que estava na cadeia e que a casa era do irmão dele. Que era para sair da casa, ou ele ia matar todo mundo. Que ele queria a chave — lembra o comerciante.
Segundo a polícia, o grupo realmente possui vínculos com uma facção.
— Um dos principais alvos é uma mulher que já está presa, inclusive. Estava operando o golpe de dentro do presídio — diz o delegado.
Operação
Foi a partir deste caso que a polícia começou a investigar o grupo. Há suspeita de que outras pessoas tenham sido vítimas e possam não ter procurado os órgãos policiais, por receio de represálias por parte dos criminosos. Na última semana, foi desencadeada a Operação Doce Lar, onde foram cumpridas 19 medidas cautelares, sendo 10 prisões temporárias e nove mandados de busca contra o grupo suspeito de ter arquitetado o golpe.
Nove investigados por suspeita de envolvimento no esquema criminoso foram presos e um segue foragido. Os mandados foram cumpridos em Porto Alegre, Nova Santa Rita, Pelotas, Gravataí, Capela de Santana e Viamão.
Os alvos, segundo o delegado, dividiam as tarefas dentro do grupo criminoso para concretizar o golpe. Alguns eram responsáveis por criar o anúncio, outros por fazer a negociação e mostrar a casa para a vítima. Foram identificados também aqueles que tiveram algum vínculo com a movimentação financeira.
— Pedimos a quebra do sigilo bancário e conseguimos identificar por onde esse dinheiro depositado pela vítima passou. Alguns mandados foram para essas pessoas, que movimentaram o dinheiro — explica Swirski.
Na última sexta-feira (1º), uma mulher suspeita de ser a responsável por articular o golpe foi presa no bairro Sarandi, na zona norte de Porto Alegre. Segundo a Polícia Civil, ela possui cerca de 20 registros de crimes semelhantes.
— Ela que apresenta os imóveis para as vítimas se passando por proprietária — afirma o delegado.
O homem que teria feito ameaças à vítima após o golpe segue foragido. Durante o cumprimento dos mandados, a polícia apreendeu porções de drogas na residência dele. Na mesma ofensiva, a polícia também apreendeu um telefone onde havia uma mensagem de um dos investigados sobre o golpe.
— Um dos criminosos escreveu: "Estelionato não dá nada, pode praticar o quanto quiser". Eles estavam se vangloriando que não dá prisão, e acabaram presos — diz o policial.
Os nomes dos presos não foram divulgados pela Polícia Civil. Eles são investigados pelos crimes de estelionato e extorsão.
Entenda o golpe
- Os bandidos criam um falso anúncio de imóvel pelas redes sociais para atrair possíveis vítimas interessadas na compra.
- Depois disso, um dos integrantes do esquema entra em contato com a vítima e marca uma visita à casa.
- Na data combinada, o golpista apresenta o imóvel à vítima que, convencida, acaba fechando negócio.
- O que a vítima não sabe é que o imóvel pertence a um terceiro que não tem nenhum conhecimento da negociação.
- Após o pagamento, a vítima passa a ser ameaçada de morte para não ocupar o imóvel, sendo que os golpistas informam que o dono é um membro de facção criminosa.
Dicas
- Desconfie de valores abaixo do mercado, que podem ser formas de atrair vítimas.
- Analise a documentação do imóvel antes de concretizar a compra.
- Certifique-se de que não há restrições de venda do imóvel, como dívidas, penhoras e disputas judiciais.
- Busque conversar com vizinhos no entorno da moradia.
- Não faça nenhum pagamento antes de se certificar que está tudo regularizado com o imóvel e com a compra.
- Se for vítima, procure a Polícia Civil e registre o fato. É possível também fazer o registro por meio da Delegacia Online.
Fonte: Polícia Civil-RS