Polícia



Erro em documento

Dois anos e sete meses após corpo ser encontrado, mãe consegue autorização judicial para sepultar filho

Carlos Eduardo do Prado sumiu em 2019, em Porto Alegre; mesmo com cadáver localizado e a identidade confirmada, família teve de buscar na Justiça registro do óbito e liberação para enterro

17/01/2024 - 10h50min

Atualizada em: 17/01/2024 - 10h53min


Leticia Mendes
Leticia Mendes
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Lauro Alves / Agencia RBS
Dona de casa em 2021, ainda durante a pandemia de covid-19, quando ossada foi localizada e encaminhada ao IGP.

Há quatro anos, Maria Fátima do Prado Franco, 61, moradora de Viamão, na Região Metropolitana, vive momentos de angústia e incertezas. O filho Carlos Eduardo do Prado, 34, desapareceu em setembro de 2019, enquanto trabalhava em Porto Alegre. Dois anos depois, uma ossada foi encontrada e um exame de DNA confirmou que se tratava do primogênito desaparecido. Mas isso não deu fim ao martírio da família.

Um erro no preenchimento do documento de declaração do óbito emitido pelo Instituto-Geral de Perícias obrigou a mãe a buscar na Justiça o direito de registrar a morte e sepultar o filho. No espaço onde deveria constar o endereço residencial de Carlos Eduardo, foi incluído o local onde a ossada foi encontrada. A família ingressou com pedido de registro tardio, por meio da Defensoria Pública do Estado. Na segunda-feira (15), pouco mais de um ano após o início do processo, a Justiça de Viamão emitiu sentença determinando que o óbito seja registrado e que os restos mortais sejam liberados.

Em setembro, GZH já havia mostrado o drama da família, que seguia aguardando por uma decisão judicial sobre o caso.

— Já perdi dois filhos. Um eu enterrei. Mas o sentimento por esse é pior. Aquele eu sabia o que tinha acontecido. Esse é só duvida, mistério. Tudo mal resolvido. Para uma mãe, é muito difícil. Dói muito — desabafou Maria Fátima.

Na tarde de segunda-feira, GZH entrou em contato com o Judiciário indagando novamente sobre o andamento do processo. O órgão informou que o processo se iniciou em 19 de dezembro de 2022, mas que documentos necessários para análise do caso não teriam acompanhando a ação, como o registro da ocorrência e o exame de DNA. Depois disso, o juiz intimou a família, por meio da Defensoria, para juntar os documentos faltantes. Segundo o Judiciário, as fotos dos documentos foram encaminhadas em 9 de outubro do ano passado, mas a qualidade das imagens dificultou a análise.

Às 19h35min desta segunda-feira, foi emitida ordem judicial determinando o registro do óbito de Carlos Eduardo e a emissão da certidão. Na mesma sentença, o juiz também autorizou que seja liberado o cadáver para  a realização dos atos fúnebres. “De imediato, expeçam-se mandado de inscrição ao Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais de Viamão-RS e Alvará para liberação dos restos mortais de Carlos Eduardo do Prado, para fins de realização dos atos fúnebres”, determinou o juiz  Claudio Edel Ligorio Fagundes.

Filha espera pela despedida

Dias antes de desaparecer, Carlos Eduardo visitou a única filha, Alexia Victoria, com sete anos à época, e se despediu. O pai entregou à menina um moletom e um relógio, que ela guarda como lembrança. Em 2022, a filha precisou passar por coleta de DNA para confirmar que os restos mortais encontrados eram mesmo do pai. Foi naquele dia que a mãe da menina, Ana Paula Souza da Silva, 42, contou à filha o motivo do exame.

Desde então, a família vem aguardando para que possa realizar o enterro. Na tarde desta terça-feira (16), após saber sobre a publicação da sentença, a família se preparava para dar andamento aos procedimentos para poder finalmente se despedir de Carlos Eduardo. Toda a situação vivida deixou Ana Paula indignada.

— Hoje me sinto aliviada, agradecendo somente a Deus, pois o poder público foi falho e negligente com toda nossa família. Minha filha, além de ter que sentir a falta de um pai assassinado, sem também ter respostas sobre isso, ficou todos estes anos sem poder enterrar seu próprio pai. Ter a consciência de que os ossos dele estão no IML e não entender o porquê de tudo isso. Ela é apenas uma criança de 11 anos atualmente — diz.

Investigação

Segundo a Polícia Civil, sobre a morte de Carlos Eduardo, houve quebra de sigilo telefônico e bancário, colegas foram ouvidos, assim como o casal que vive na residência perto de onde foi achada a motocicleta, e se buscou entender as relações que Carlos Eduardo mantinha. Mas nenhum elemento apontou para algum crime.

Com o encontro da ossada, o caso passou a ser apurado pela 6ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa. O laudo do IGP, no entanto, não conseguiu apontar a causa da morte, em razão do tempo transcorrido entre o óbito e a localização da ossada.

O caso

  • Em setembro de 2019, Carlos Eduardo teve o último contato com familiares. Naquele mês, enquanto trabalhava numa pizzaria, na área central da Capital, rumou em direção à Zona Sul. A motocicleta que ele usava foi encontrada abandonada em frente a uma casa, com a chave na ignição — o endereço não estava entre os locais de entrega dele naquele dia. Depois disso, os familiares não conseguiram mais contato. A família registrou o sumiço de Carlos Eduardo em outubro de 2019.
  • Em 3 de junho de 2021, uma ossada foi localizada numa área de mata próxima a um condomínio, no bairro Nonoai, na zona sul de Porto Alegre. O material foi encaminhado ao Departamento Médico-Legal do Instituto-Geral de Perícias (IGP).
  • Em 29 de março de 2022, um primeiro exame de DNA — realizado a partir de amostra coletada pela mãe — indicou que a ossada tinha perfil genético compatível com o de um filho de Maria Fátima. Como a dona de casa é mãe de seis filhos, três homens e três mulheres, foi necessário novo exame, para confirmar que se tratava do desaparecido. Dessa vez, a coleta de material genético foi realizada com a filha do entregador.
  • Em 8 de julho de 2022, o laudo apontou que a ossada tinha perfil genético compatível com o do pai biológico da menina. Ou seja, era mesmo Carlos Eduardo.
  • Em outubro de 2022, a declaração de óbito foi assinada por médico legista do DML. Depois disso, os familiares foram até um cartório registrar a certidão de óbito. Mas foram informados de que havia um erro no documento e, em razão disso, a certidão não poderia ser registrada. No espaço onde deveria constar o endereço residencial de Carlos Eduardo está escrito "área verde no Condomínio Vicente Monteggia 110" — o local onde a ossada foi encontrada.
  • Em dezembro de 2022, a Defensoria Pública ingressou com ação, solicitando o registro do óbito, a pedido da família.

O que diz o IGP

Em nota sobre o caso, o Instituto-Geral de Perícias (IGP) reconheceu que a declaração de óbito de Carlos Eduardo do Prado foi emitida em 25 de outubro de 2022 "com imprecisão". O IGP confirmou que "no campo referente ao endereço residencial da vítima, constava o local onde foram encontrados os remanescentes ósseos". Segundo a manifestação, ao "constatar o equívoco, o médico-legista emitiu um formulário de retificação, corrigindo a informação".

Conforme o IGP, o "formulário e a DO (declaração de óbito) foram entregues à família para que o óbito fosse registrado em cartório". Após esse fato, segundo o IGP, a família não retornou ao local "para informar sobre a negativa do cartório em emitir a certidão de óbito". Ainda conforme a nota, os "remanescentes ósseos  de Prado estão sob custódia do IGP e serão liberados assim que o registro em cartório for realizado".


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